31 de agosto de 2007

A influência da China no processo de integração do Sudeste Asiático

A China, hoje, é o país com as maiores perspectivas de desenvolvimento econômico, político e social no Sudeste Asiático. Mesmo tendo a presença do Japão tão próxima, a China passou a ser um dos países com mais influência naquela região, devido à crise que assolou a economia japonesa na última década. A influência chinesa é não apenas econômica, mas também militar, política e principalmente cultural. O país conseguiu, ao longo das duas últimas décadas, sair de uma posição de relativa insignificância econômica na Ásia e no mundo e passar à posição de “influenciador” da política regional asiática e, também, da política mundial, tendo a possibilidade de vir a se tornar uma potência de grande porte.

Aqueles que estudam a China e outros países que não as economias ocidentais sabem que a crescente importância que a China possui hoje no Sudeste Asiático e também no resto do mundo deriva de suas reformas econômicas, que foram muito bem-sucedidas, dando ao país um grande crescimento econômico. Contudo, é possível destacar outro papel de fundamental importância no crescimento e na consolidação da hegemonia chinesa naquela região do mundo: a cultura. Foi a cultura chinesa, “exportada” do país tanto em campanhas oficiais quanto por emigrantes chineses, que permitiu a criação de toda uma estrutura que sustenta a posição da China no mundo atual.

Os “chineses de ultramar” são pessoas nascidas nesta parte do mundo, afetadas pela esfera de influência cultural da China. Seu papel de intermediários, em termos de agentes financeiros, comerciantes e empresários no caminho de uma expansão econômica da China em direção aos demais países do Sudeste Asiático, tais como a Malásia, Singapura, Vietnam, Tailândia e Coréia do Sul, dentre outros, adquire interesse especial, já que estas pessoas apresentam-se como capazes de, por meio do fortalecimento de certos traços culturais herdados de um período de hegemonia chinesa criar, em nível regional, um marco de referência que permita, frente à imposição de práticas de mercado e normas políticas externas, afirmar valores, idéias e crenças, consolidadas por meio de uma história compartilhada, em uma geografia determinada.

Estima-se que atualmente existam 55 milhões de pessoas de origem chinesa vivendo no Sudeste Asiático -- fora os 23 milhões de Taiwan. Mesmo não possuindo nenhum poder político, no sentido de influenciar o rumo da China, este grupo está sendo capaz de ampliar a fronteira econômica do país, contribuindo para o próprio desenvolvimento interno da China e aumentando a integração deste país com os demais países da região, mesmo sem a participação efetiva dos governos dos países em questão. Sem dispor de poder político algum para influenciar o rumo dos acontecimentos na China, estes “chineses de ultramar” estão sendo capazes de atuar como a força motora de processo que amplia a fronteira econômica de uma China ainda em desenvolvimento, com dimensões continentais e 1,3 bilhões de habitantes. Para tanto, estes “chineses de ultramar” dispõem de cerca de US$ 500 bilhões para seus investimentos e transações comerciais.

Mas como esses “chineses de ultramar” contribuíram -- e ainda contribuem -- para o fortalecimento, a consolidação e a expansão da influência chinesa nos países do Sudeste Asiático? Quais são as atividades que permitem a tais chineses expandir a esfera de influência da China?

O ponto principal que faz com que os “chineses de ultramar” trabalhem em outros países mas continuem mantendo fortes os seus vínculos com os “chineses continentais” é a cultura. Formou-se uma rede regional, com base em vínculos étnicos, que permite o fluxo de dinheiro, bens, idéias e, até mesmo, de pessoas entre as empresas. Essas minorias utilizam-se de laços estabelecidos a partir do fato de falarem o mesmo dialeto, possuírem parentes distantes ou serem originários do mesmo povoado, província ou região. A relação de confiança que tais condições conferem a transações comerciais e financeiras supera a capacidade de coerção ditada por muitos diplomas legais no Ocidente.

O fato de que esta vasta rede de contatos ainda se mantém unida deve-se às estruturas empresariais com fortes traços familiares. “Entre as características apresentadas, encontra-se o esforço, em cada companhia, de manter a tradição dinástica, em nível de propriedade e gerência, que são características da cultura chinesa”. Assim, é comum que herdeiros com formação profissional em Medicina, Engenharia e outras áreas totalmente distintas de Administração ou Economia venham a ser convocados após a morte de seus pais para dirigir empresas da família. Não haveria, por outro lado, claros indícios de que cargos de direção venham a ser transferidos para profissionais ou investidores institucionais. Um sistema empresarial baseado em grande número de companhias gerenciadas com base em estilos autocráticos possuiria a aparente vantagem de tomadas de decisão rápidas. As desvantagens existiriam, também, em mundo de economia globalizada, na medida em que o crescimento dos conglomerados empresariais cria necessidades que ultrapassam a capacidade de gestão contida apenas nos vínculos familiares.

No momento em que a globalização reorganiza o sistema político e econômico internacional, a crescente integração entre a China e os demais países do Sudeste Asiático citados anteriormente é ajudada por essas redes de natureza cultural, financeira, comercial e de valores entre os “chineses continentais” e os “chineses de ultramar”. Dessa forma, a existência de uma mesma base cultural garante e amplia essa integração. Como se daria essa integração, ou seja, o que os vizinhos bem-sucedidos da China teriam a oferecer ao antigo “Império do Meio” e o que este teria a oferecer aos seus vizinhos? Os “Tigres Asiáticos” indicarão os rumos para a melhoria do “socialismo com características chinesas”, enquanto os chineses contribuiriam fornecendo o quadro ideológico, institucional e político para a estabilidade da região.

De que forma, entretanto, esta ampliação da área de influência da China sobre os países do Sudeste Asiático vem ocorrendo? É possível ressaltar o fato de que, desde o início da atual política de modernização do país, no final da década de 1970, houve acontecimentos que podem facilitar uma futura união entre a área de influência tradicional da cultura chinesa e uma nova fronteira econômica deste país. Na primeira etapa desse processo, com Deng Xiaoping no governo, foi reorganizado o sistema econômico chinês. Vieram as Zonas Econômicas Especiais, onde práticas de mercado foram aceitas dentro de um sistema político centralizado. O passo posterior foi a reintegração de Hong Kong e de Macau, restando a reintegração de Taiwan para a completa restauração territorial do antigo Império Chinês. O terceiro e último passo seria a possibilidade da China transformar os países do Sudeste Asiático anteriormente citados em sua área de influência, contrabalançando e eventualmente substituindo o poder que o Japão -- ainda que enfraquecido economicamente – ainda possui. Esta área de influência está sendo criada com a ajuda dos “chineses de ultramar”. Como se daria, então, o relacionamento de idéias e valores entre os chineses e seus vizinhos? Este terceiro e último passo ocorreria por meio da troca e do intercâmbio de valores entre tais países, historicamente ligados ao Império do Meio e com um grande contingente populacional de origem chinesa, e a própria China. A existência dessa base cultural chinesa serviria como plataforma de sustentação para o processo de cooperação com os países do Sudeste Asiático. Este processo de integração traria as seguintes contribuições:

(...) Os países bem sucedidos como a ‘vitrine do capitalismo no Sudeste Asiático’ -- a exemplo de Cingapura -- indicariam os rumos para o aperfeiçoamento da ‘economia socialista de mercado com características chinesas’, atualmente buscada pelo programa de modernização da China; a persistência do Vietnã em manter seu sistema central de planejamento, ao mesmo tempo em que adota ‘práticas de economia de mercado’, reforçaria a proposta chinesa de manter a vertente ‘socialista’ entre as medidas que estão sendo testadas no programa de modernização da China; e o esforço de composição permanente, no sentido da manutenção da harmonia e convivência pacífica entre a população de origem chinesa e os de fé islâmica, na Malásia e Indonésia, serviria como inspiração para exercício semelhante a ser promovido na região central da China, principalmente na província de Xinjiang, onde há expressivo contingente de muçulmanos, bem como a necessidade de relacionar-se com novas repúblicas, como a do Tadjiquistão, onde predomina a mesma religião.

Podemos destacar, neste processo de integração, o caso de Singapura, país que possui um relacionamento privilegiado com a China devido à participação de 75% de chineses na sua população de 3 milhões. A Malásia é outro país com grande número de chineses, sendo que este grupo corresponde a 35% do total de 17 milhões de habitantes malaios. Esta presença maciça de chineses em tais países praticamente os obriga a buscar um bom relacionamento com a China, contribuindo para a estabilidade regional e fortalecendo o processo de integração. Assim, ocorre, por um lado, o ressurgimento da influência político-cultural chinesa e, por outro, o sucesso da economia em áreas do Sudeste Asiático forneceria modelos e propostas para o projeto de modernização da China.

Referências bibliográficas:

EMBAIXADA da República Popular da China no Brasil. Disponível em http://www.embchina.org.br. Acessado em 02 de fevereiro de 2002.

MEZZETTI, Fernando. De Mao a Deng: a transformação da China. Trad. Sérgio Duarte. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.

PINTO, Paulo Antônio Pereira. A Influência Político-Cultural Chinesa e a Integração Econômica no Sudeste Asiático. Disponível em http://www.relnet.com.br/pgn/papepinto7.lasso. Acessado em 02 de fevereiro de 2002.

SHI, Qin. China. Beijing: Editorial Nueva Estrella, 1997.

XIAOPING, Deng. Problemas fundamentales de la China de hoy. Beijing: Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1987.


30 de agosto de 2007

O estado na sociedade capitalista

Para Marx, a classe dominante da sociedade é a que controla os meios de produção e, com os lucros auferidos dos mesmos, usa o Estado como instrumento de dominação da sociedade. Já os teóricos da democracia liberal e os sociais-democratas acham que não existe apenas uma classe capitalista, e sim várias, pois há concorrência entre as empresas. Com isto, seria impossível afirmar a posição hegemônica de tal classe dentro do Estado.

Após a Segunda Guerra Mundial, a opinião de que o igualitarismo está ganhando força e atuando nos países capitalistas desenvolvidos está crescendo. Tem-se a noção de que tais países estão caminhando para uma sociedade igualitária, sem níveis, e que tal igualdade está sendo atingida pelo capitalismo. Outros autores acham que o igualitarismo está surgindo através da industrialização, ou de pressões populares, ou ainda por intermédio de instituições democráticas.

Contudo, o que realmente está ocorrendo em alguns lugares é até mesmo o contrário. Ao invés de atingir-se a igualdade, está-se aumentando o “fosso” entre burgueses e operários, ou seja, ao invés de haver distribuição de renda está ocorrendo concentração de renda nas mãos de poucos.

O problema maior é que já existe uma enorme desigualdade em tais países. Esta desigualdade, ao invés de diminuir, está aumentando cada vez mais. Como exemplo, na Grã-Bretanha, em 1960, 1% da população detinha 42% da renda daquele país; 5% possuíam 75% da renda e 10% possuíam 83%.

Mesmo que seja utilizado o argumento de que a propriedade das ações tem aumentado, ou seja, que mais pessoas têm tido acesso a tais ações, pode-se contra-argumentar dizendo que a maioria dos acionistas possui muito pouco, ao passo que um número pequeno de acionistas possui propriedades enormes.

Desta forma, em tais países há um número reduzido de pessoas que possuem grandes parcelas de propriedade, e que recebem enormes rendas derivadas da posse ou do controle desta propriedade. Por outro lado, a imensa massa da população não possui quase nada além da sua força de trabalho, a qual é vendida.

Costuma-se dizer que os trabalhadores estão tendo mais acesso a bens de luxo, e que isto seria conseqüência do igualitarismo destes países. Tal idéia é falsa, pois ignora-se o número de pessoas que compram tais bens (obviamente que a maioria das pessoas que compram tais bens são da classe abastada), e também porque, mesmo que a classe trabalhadora tenha acesso a estes bens, ela não deixará de ser isto: classe trabalhadora. Isto ocorre porque as divisões de classe estão enraizadas no sistema de propriedade das sociedades capitalistas avançadas. O capitalismo oferece amplas oportunidades à riqueza de gerar mais riqueza.

Atualmente, está ocorrendo uma mudança no sistema capitalista. O controle está passando para as mãos dos administradores, e são estes quem detêm o poder atualmente. Não é mais o dono da empresa que influencia o Estado, e sim quem controla a empresa. Esta separação entre propriedade e controle tornou-se um dos traços mais importantes da organização interna da empresa capitalista. Trata-se então de mais uma razão para rejeitar a noção de uma classe dominante baseada nos meios de produção.

Tais executivos e administradores passam à direção da empresa por indicação ou cooptação. Estes administradores formam uma oligarquia dentro da empresa, dirigindo a mesma, às vezes, até mesmo contra a vontade dos acionistas.

A teoria do capitalismo administrativo afirma ainda que os administradores teriam uma conduta melhor de controle da empresa, sendo menos egoístas e mais socialmente responsáveis do que o proprietário de estilo antigo. Tais administradores, pelo papel desempenhado, têm uma área de influência muito grande na sociedade.

Há uma diferença nos objetivos a serem atingidos por parte do capitalista clássico e do capitalista moderno. O clássico visa apenas ao lucro, enquanto que para os administradores atuais, além do lucro, também a produtividade, a expansão e a inovação têm importância.

Contudo, mesmo a mudança para o capitalismo gerencial, a contradição apontada por Marx continua a existir: o caráter cada vez mais social da empresa capitalista vai contra seu objetivo, que é persistentemente privado. Para evitar esta contradição, os administradores teriam de ter uma vontade “nobre”. Esta vontade, entretanto, praticamente não existirá, pois os lucros são o objetivo final da empresa, e mesmo que não o sejam, são os meios para atingir-se o objetivo final. O empresário, tendo um objetivo “nobre”, iria contra o objetivo final da empresa capitalista.

O objetivo do novo empresário é uma busca incessante pelo lucro cada vez maior. Este trabalho é recompensado com salários consideravelmente elevados. Isto justifica o fato de tais empresários estarem no topo da pirâmide de renda.

O surgimento de tais empresários, entretanto, não é o mesmo que o surgimento de uma nova classe. O que ocorre é uma transformação da classe existente, pois estes novos empresários vêm de famílias burguesas, ou seja, não são pessoas de fora da classe dominante; são membros de tal classe com uma visão diferente do empreendimento.

O recrutamento dos novos membros tem um caráter claramente hereditário. O acesso a cargos administrativos é aberto a todos, mas os novos desafios do capitalismo moderno exigem uma grande especialização, a qual é obtida através do estudo. Desta forma, é cada vez maior o acesso de filhos de operários à direção da empresa, mas tal acesso é vagaroso. Assim, não é necessário ser filho de pai rico para obter-se êxito, mas tal situação ajuda, e muito. Nota-se que, na maioria dos países, quem tem acesso às universidades são os filhos de pais abastados. Vemos que a maior parte dos alunos de uma universidade são filhos de uma pequena parcela da população, que é a que tem condições de fornecer uma boa educação ao filho.

É interessante notar, todavia, que ao mesmo tempo que o capitalismo avança, as oportunidades de acesso à universidade, por parte dos filhos de operários, aumentam. Isto ocorre porque o capitalismo avançado necessita de pessoal mais bem treinado do que o antigo sistema industrial.

Outro ponto importante a destacar são os “contatos” que os filhos de empresários já têm. Tais “contatos”, sem dúvida nenhuma, facilitam bastante a entrada no mercado de trabalho.

Nota-se que as classes média e alta fazem um auto-recrutamento de novos membros, e por conseguinte mantêm-se coesas. Nota-se também que os que dedicam-se ao comércio e à indústria são considerados os pilares da comunidade e conseguem penetrar facilmente nos níveis mais respeitados da sociedade.

Convém notar também que novos membros estão sendo aceitos na classe proprietária, mesmo que estes membros tenham origem operária. Poder-se-ia dizer então que irá haver uma luta entre estes membros e os antigos, tendo em vista suas origens diferentes. Contudo, por mais que existam diferenças de pensamento dentro da classe dominante, estas estão dentro de um espectro ideológico, e as classes dominantes têm um consenso político básico em relação aos problemas decisivos da vida econômica e política.

Isto ocorre porque os ricos sempre tiveram mais consciência de classe do que os pobres. Isto significa dizer que os homens que possuem riqueza e propriedades estão sempre fundamentalmente unidos em defesa da ordem social que lhes conceda seus privilégios.

Finalmente, resta saber se tal classe dominante constitui-se também em uma classe dirigente, ou seja, se ela exerce poder e influência como grau decisivo de poder político; se sua propriedade e controle de áreas da vida econômica asseguram-lhe também o controle dos meios de decisão política.

Normalmente as pessoas confundem o governo com o Estado. Isto ocorre porque o governo é a parte estatal que representa o Estado, ou seja, o governo fala em nome do Estado. O fato de que o governo fale em nome do Estado e esteja formalmente investido de poder estatal não significa que efetivamente controla aquele poder.
O Estado, portanto, é formado por mais cinco instituições, além do governo: o elemento administrativo, que pode ser representado por bancos, repartições públicas, etc., ou seja, são órgãos ligados a determinados departamentos ministeriais ou que têm uma certa autonomia; o governo subcentral, que é tido como um “tentáculo” da administração central; as assembléias legislativas, responsáveis por ouvir do eleitor o que ele quer e repassar ao executivo; o aparelho militar, que é responsável pelo manejo da violência; e o judiciário, que garante os direitos do cidadão frente ao Estado.

As pessoas que controlam ou dirigem tais instituições formadoras do Estado são as que formam a elite estatal. Cabe aqui fazer uma diferença entre sistema estatal e sistema político: este último inclui muitas outras instituições, como os grupos de pressão e os partidos políticos.

A chamada “classe dominante” pode ser definida pelas pessoas que exercem influência nesta elite estatal. Tais pessoas, contudo, não são os depositários do poder estatal. Percebemos que a classe capitalista domina mas não governa; ela domina o governo.

A “classe dominante”, formada pelos capitalistas, não quer envolver-se com política, pois acha que os políticos não têm visão de mundo; apenas os capitalistas entendem o funcionamento real de uma empresa. Contudo, os capitalistas querem influenciar os políticos, para que estes beneficiem-nos.

Tais capitalistas exercem uma pressão muito grande quando da criação de um plano de desenvolvimento para um país. Não podemos, portanto, dizer que a ação dos empresários está longe do governo e da administração. Pelo contrário: quando o Estado toma uma atitude econômica, ele assim o faz provavelmente por pressão de um ou vários grupos econômicos.

É interessante notar que os empresários, apesar de toda a influência que possuem, não constituem mais do que uma minoria relativamente pequena da elite estatal, se esta for tomada como um todo. Entretanto, é muito difícil separar a elite capitalista da elite estatal, pois a elite estatal é composta de membros das classes média e alta, e tais membros, invariavelmente, são da elite capitalista.

Além disto, outro fator que ajuda à penetração de capitalistas na elite estatal é a educação. Já foi citado que os filhos de burgueses têm muito mais chances de chegarem ao poder do que filhos de operários, tendo em vista que a organização atual do Estado necessita de pessoas altamente qualificadas, e as únicas crianças que têm condições de atingir tal qualificação são os filhos dos burgueses.

Ao invés de haver um processo de democratização, o que ocorre é um “aburguesamento” dos poucos operários que chegam à elite estatal. Desta forma, ao invés de o sistema tornar-se frágil, ele fortifica-se e legitima-se, pois pode usar o argumento de que um membro operário está no comando.

Referências bibliográficas:

MILIBAND, R. The state in capitalist society. Londres: Quartet Books Ltd, 1969.


29 de agosto de 2007

Teoria de sistemas: como racionalizar o estudo do Estado

A teoria de sistemas é uma tentativa de se abstrair uma totalidade da realidade, de mostrá-la como dada e de tentar explicar tudo o que acontece em um campo dessa realidade (político, social, etc.). Esta explicação geralmente tenderá a mostrar esta realidade como estando em equilíbrio. Um sistema é “(...) um conjunto de elementos interdependentes, (...) um conjunto de ‘elementos que se encontram em interação’.” (BERTALANFFY, citado em SCHWARTZENBERG 1979, 111). Busca-se evitar, desta forma, a divisão do conhecimento, ampliando-se o objeto de estudo. Por exemplo, a teoria pluralista analisa os diversos grupos existentes na sociedade e como tais grupos relaciona-se com o Estado. Já pela teoria de sistemas, o sistema político seria uma entidade a ser analisada como tal, ou seja, analisam-se quais as relações existentes entre o sistema político como um todo e outros sistemas, inseridos em um sistema maior que seria o sistema social (ou sociedade).

Para os teóricos de sistemas, não há necessidade de se avaliar o que se passa dentro do sistema. Verificam-se, assim, quais são as entradas (ou inputs) que o determinado sistema em estudo recebe, e quais são as saídas (ou outputs) que este sistema devolve para o sistema que está em contato com o mesmo. Por exemplo, o sistema político está em contato contínuo com outros sistemas, como por exemplo o sistema dos sindicatos. Neste caso, o sistema dos sindicatos irá ter suas demandas, que serão analisadas pelo sistema político -- ou seja, as demandas dos sindicatos são as entradas no sistema político. Este sistema político, por sua vez, não é analisado em seu interior -- analisa-se apenas as relações que o mesmo tem com os sindicatos. Ao final do processo, o sistema político irá expelir as saídas, que serão absorvidas pelo sistema dos sindicatos.

O modelo mais conhecido de teoria de sistemas aplicado à Ciência Política é o modelo de David Easton. “(...) A investigação teórica de Easton envolvia a formulação de uma estrutura geral, uma abordagem de todo o sistema antes que meramente de suas partes, a consciência das influências ambientais sobre o sistema e um reconhecimento das diferenças entre a vida política em equilíbrio e em desequilíbrio” (CHILCOTE 1997, 173). É desta idéia que surge a famosa expressão “caixa preta de Easton”, ou seja, ele não se preocupou com o que se passa dentro do sistema político (daí a expressão caixa preta), já que se devem analisar principalmente as relações existentes entre o sistema em estudo (no caso, o político) e os demais sistemas que o rodeiam.

É importante destacar que, para Easton, as entradas do sistema seriam de dois tipos: as demandas e os suportes. “Uma exigência [ou demanda] pode ser definida como a expressão da opinião de que uma abonação autoritária relativa a um objeto determinado deveria ou não deveria ser feita pelos responsáveis” (EASTON, citado em SCHWARTZENBERG 1979, 131. Grifo meu). Ou seja, as demandas ou exigências são exatamente o que os demais sistemas exigem do sistema político, e tais demandas são consideradas como entradas para o sistema. Porém, há outro tipo de entrada: os suportes. Os suportes são todas as atitudes, comportamentos e idéias que são favoráveis àquele sistema em questão (no caso, o sistema político). SCHWARTZENBERG (1979, 133) diz que, sem tais suportes, o sistema político “(...) desmoronar-se-ia à menor sobrecarga”. Ou seja, o apoio que o sistema político consegue dos demais sistemas é fundamental para que a estabilidade seja mantida. Na outra ponta da caixa preta, estão as saídas. Easton divide as saídas em decisões e em ações. “As decisões impõem-se com força de direito. As ações não têm este caráter coercitivo, mas também afetam a vida dos cidadãos (política econômica e social, política exterior, etc.)” (SCHWARTZENBERG 1979, 135. Grifo no original).

As relações entre o sistema político e os demais sistemas baseia-se na retro-alimentação, ou seja, outro sistema (como o dos sindicatos) tem exigências (ou demandas) que são absorvidas pelo sistema político. O sistema político trata estas reivindicações da forma que achar mais conveniente -- e este tratamento não é analisado pela teoria de sistemas. Como resultado, o sistema político expele decisões e ações, que por sua vez influenciam o sistema dos sindicatos. Este sistema dos sindicatos, por sua vez, recebe as decisões e as ações do sistema político – que aqui se transformam em entradas do sistema dos sindicatos –, trata da forma que achar mais conveniente e expele suas decisões e ações – que serão novas demandas (ou apoio) ao sistema político. É claro que neste exemplo constam apenas dois sistemas, mas é bom ter em mente que a sociedade – que seria o “sistema principal” ou “sistema global” – é composta de diversos outros sistemas (econômico, social, político, cultural, e assim por diante).

Além da análise sistêmica de Easton, outra análise importante é a feita por Gabriel Almond. Este teórico, no entanto, não se restringe à análise sistêmica; ele inclui, em seus trabalhos, novos conceitos relacionados com estrutura e função do sistema analisado (no caso, também o sistema político). “Almond empregou estes conceitos em sua tese de que os sistemas políticos (nações avançadas e atrasadas) têm características universais: todos os sistemas políticos têm estruturas políticas; as mesmas funções são desempenhadas em todos os sistemas políticos; todas as estruturas políticas são multifuncionais; e todos os sistemas políticos são misturados em um sentido cultural” (CHILCOTE 1997, 180). As características de entrada e saída do sistema são semelhantes às de Easton, ou seja, o sistema recebe as entradas, as transforma e exibe as saídas. No entanto, Almond tenta dar um tratamento funcional ao processamento interno do sistema, ou seja, tenta definir quais funções são executadas dentro do sistema político e quais não são executadas. Da mesma forma, Almond mostra quais funções são necessárias para que as saídas sejam expelidas pelo sistema político (CHILCOTE 1997, 180-1).

Tendo exposto sucintamente as principais idéias adjacentes à teoria dos sistemas, podemos perceber que também as teorias sistêmicas tiveram sua principal origem ou inspiração nas idéias de racionalidade de Max Weber. O primeiro aspecto a ser levado em consideração é a questão da racionalidade weberiana aplicada por meio da teoria de sistemas na Ciência Política. Ora, se para Weber o Estado estaria se burocratizando cada vez mais, não haveria a necessidade de estudar cada uma das suas partes individualmente; seria possível apenas analisar o sistema político como um todo -- já que, teoricamente, o Estado burocratizado executaria sempre as mesmas funções, em cada um dos diferentes países.

Também a questão das funções está abrigada pela teoria weberiana. Pegando-se a análise sistêmica de Almond, que inclui a análise das funções e das estruturas no interior da “caixa preta”, percebe-se claramente a idéia de Weber de que o Estado estaria, cada vez mais, se especializando. Desta forma, cada estrutura dentro da “caixa preta” executaria apenas aquelas funções para a qual foi criada; isto faria parte da crescente racionalização, burocratização e especialização do Estado e de suas funções e estruturas prevista por Weber.

Referências bibliográficas:

CHILCOTE, Ronald. Teorias de política comparativa: a busca de um paradigma reconsiderado. Petrópolis: Vozes, 1997.

SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. Sociologia política: elementos de Ciência Política. São Paulo, DIFEL: 1979. Págs. 111-165.


Eleições ou mercado? (II)

Outro autor que segue a idéia de "teoria da escolha pública", ou ainda "teoria da escolha racional", é o norte-americano Anthony Downs com seu livro A teoria econômica da democracia. Neste texto, Downs irá levantar aspectos de por quê o indivíduo vota em um partido e não em outro, mesmo que o primeiro seja um partido que ele não goste. A solução encontrada por Downs baseia-se em escolhas econômicas, ou seja, há variáveis econômicas que fazem com que o indivíduo vote no candidato A e não no candidato B, e vice-versa.

A tese principal de Anthony Downs diz respeito à maneira racional que os governos utilizam para maximizar o apoio político que recebem através dos votos. Para Downs, uma ação “racional” é aquela que é eficientemente criada para atingir fins econômicos ou políticos conscientemente selecionados pelo ator. Desta forma, para o governo atingir seu objetivo de maximizar os votos recebidos, ele precisa de três pressupostos básicos: uma estrutura política democrática que permita que partidos de oposição existam, graus diferentes de incerteza e um eleitorado votando racionalmente. Em resumo, Downs quer descobrir qual forma de comportamento político é racional para o governo e para os cidadãos de uma democracia.

O governo é definido como a agência especializada na divisão do trabalho, a qual é capaz de obrigar suas decisões sobre todas as outras agências ou indivíduos em determinada área. Um governo democrático é aquele escolhido periodicamente através de eleições populares, nas quais dois ou mais partidos competem pelos votos de todos os adultos.

Um partido é um grupo de indivíduos tentando controlar o aparato governamental através da vitória em uma eleição. Aos olhos da população, sua função é elaborar e pôr em prática políticas públicas, e não trazer renda, prestígio e poder a seus membros. Estes, entretanto, são motivados pelo desejo pessoal de renda, prestígio e poder que advêm da vitória nas eleições. Assim, a implementação da função social dos membros é, para eles, um meio para atingir suas ambições privadas. Isto ocorre porque não podemos ignorar as vontades pessoais -- ego -- dos membros do partido.

O principal objetivo de cada partido é a vitória nas eleições. Assim, todas as suas ações desejam maximizar o número de votos, e ele trata as políticas meramente como meios para atingir tal fim.

Na hora de votar, o cidadão dito racional faz sua escolha da seguinte maneira:

  1. Comparando o fluxo de renda útil vindo da atividade governamental que ele recebeu do governo atual com os fluxos que ele acredita que receberia se os vários outros partidos de oposição estivessem no governo, o eleitor encontra os diferenciais do seu partido. Eles estabelecem suas preferências entre os partidos que disputam seu voto.
  2. Em um sistema bipartidário, o eleitor vota no partido que ele prefere. Em um sistema multipartidário, ele estima que o que ele acredita são as preferências de outros eleitores; então, ele age como segue:
    1. Se seu partido favorito parece ter chances razoáveis de vitória, ele vota nele.
    2. Se seu partido favorito mostra que tem quase nenhuma chance de vencer, ele vota em algum outro partido que tenha uma chance razoável para manter longe da vitória o partido que ele menos gosta.
    3. Se ele é um eleitor orientado ao futuro, ele pode votar no seu partido favorito, mesmo que ele quase não tenha chances de vencer, para melhorar as alternativas oferecidas a ele em eleições futuras.
  3. Se o eleitor não puder estabelecer uma preferência entre os partidos, pelo fato de um partido de oposição estar empatado com um partido de situação em primeiro lugar na sua ordem de preferência, ele então age da seguinte forma:
    1. Se os partidos estiverem empatados, mesmo tendo plataformas diferentes, ele abstém-se;
    2. Se os partidos estiverem empatados porque têm plataformas idênticas, ele compara o desempenho do partido da situação com o desempenho de seus predecessores no governo. Se a situação fez um bom trabalho, ele vota nela; se fez um trabalho ruim, vota contra ela; e se seu desempenho não foi bom nem ruim, ele abstém-se.

Referências bibliográficas:

DOWNS, Anthony. A teoria econômica da democracia. Addison-Wesley Publishing Corporation, 1990.



28 de agosto de 2007

Eleições ou mercado?

Qual o mecanismo mais democrático: as eleições ou o mercado? Esta pergunta está na base de diversos trabalhos acadêmicos sobre o tema “democracia”. Um dos principais autores da área, chamada de “teoria da escolha pública”, é James McGill Buchanan Jr., nascido em 3 de outubro de 1919 nos EUA. Buchanan é um economista reconhecido pelo seu trabalho na área, tendo recebido o Prêmio Nobel de Economia em 1986.

Um de seus principais livros é Escolha individual em eleições e o mercado. Para defender sua argumentação, Buchanan irá se basear em seis aspectos que servirão de base para a decisão entre eleições ou o mercado como um processo de criação de decisões para o grupo social. Tais aspectos são o grau de certeza, o grau de participação social, o grau de responsabilidade, a natureza das alterações apresentadas, o grau de coerção de cada uma delas e, finalmente, as relações de poder entre os indivíduos.

No primeiro aspecto, o autor toma como base o fato de que o indivíduo tem o mesmo conhecimento tanto do mecanismo de funcionamento das eleições quanto do mercado. No mercado, o indivíduo é a entidade ativa, e os resultados da sua ação virão para si próprio. Já nas eleições o indivíduo também é a entidade ativa, mas o resultado é dividido com toda a sociedade. Desta forma, o eleitor não sabe, de antemão, quais das alternativas propostas irá vencer. No mercado, o indivíduo sempre escolhe o produto que mais lhe agrada, enquanto que em uma eleição, por ele não saber quem irá ganhar, ele poderá votar em alguém que não goste.

Em relação ao segundo aspecto, Buchanan afirma que o indivíduo tem uma participação não-social em relação ao mercado. Isto significa dizer que uma grande indústria não se importará caso um indivíduo deixe de comprar seus produtos. Ele não sabe do seu papel em relação à alocação dos recursos. Com relação às eleições, o indivíduo sabe que tem um papel fundamental na mudança das decisões sociais. O indivíduo sabe que ele está agindo mais pela coletividade do que por si próprio, e isto por duas razões: primeiro, ele vota de acordo com seus valores, enquanto que no mercado ele compra de acordo com seus gostos pessoais; segundo, sua escolha no mercado não é influenciada por ninguém, enquanto que em eleições o indivíduo pode ser influenciado a votar em alguém que não goste por causa das pesquisas (por exemplo, o “voto útil”).

O grau de responsabilidade, que é o terceiro aspecto, é diferente na hora de comprar algo e na hora de votar. Na eleição, a responsabilidade pela vitória de um candidato é dividida entre todos os eleitores, enquanto que a responsabilidade pela compra de algo é unicamente do consumidor. Isto implica no seguinte: em uma eleição, o indivíduo pode até deixar de votar, pois ele sabe que outros estarão votando “por ele”.

O quarto aspecto, e talvez um dos mais importantes, refere-se à natureza das alternativas apresentadas. No mercado existem vários produtos à disposição do consumidor. Assim, se o consumidor gosta mais de determinado produto, tudo o que ele tem de fazer é comprar mais do que gosta e menos daquele que ele não gosta. Nas eleições, as alternativas são mutuamente exclusivas. Ou o eleitor escolhe um candidato ou escolhe outro. Isto significa dizer que o poder do consumidor pode ser dividido entre um ou mais produtos, enquanto o poder do eleitor concentra-se em um único candidato em detrimento dos outros.

O quinto tópico refere-se ao grau de coerção tanto do mercado quanto das eleições. No mercado, o consumidor escolhe entre alternativas existentes, e sabe qual será o resultado da sua escolha. Nas eleições, por outro lado, o eleitor escolhe entre alternativas potenciais, e não está seguro em relação ao resultado da sua ação. Assim, as eleições são muito mais coercitivas para o eleitor, pois caso o seu candidato não ganhe ele será obrigado a viver pelo tempo do mandato com um governante ao qual ele se opõe.

O sexto e último aspecto refere-se às relações de poder entre os indivíduos. O mercado tem tendência a basear-se na não igualdade das pessoas, ou seja, o poder de compra de algumas é maior que o de outras. Isto implica dizer que, frente ao mercado, as pessoas ricas têm mais poder que as pobres. Por outro lado, nas eleições, pelo menos em teoria, todos são iguais, no sentido de que o voto de um milionário tem o mesmo peso e o mesmo poder que o voto de um mendigo. Desta forma, as eleições têm como princípio básico a igualdade entre as pessoas.

Dito isto, pode-se dizer que, racionalmente falando, o mercado é a melhor ferramenta de escolha. Isto vale mesmo em relação à liberdade. Contudo, se analisarmos a motivação individual, as eleições são melhores que o mercado, pois elas dão uma maior sensação de participação no processo decisório do que o mercado, pois ela traz à tona o “melhor do homem” em relação ao interesse público.

O autor conclui dizendo que, se o objetivo final for “social”, as eleições são o melhor método de escolha. Se, contudo, for priorizado o bem-estar individual, o mercado é o melhor método de escolha.

Referências bibliográficas:

BUCHANAN, J. Individual choice in elections and in market. Minneapolis: Minnesota University Press, 1974.


27 de agosto de 2007

A Renascença Florentina

Publiquei anteriormente um texto falando sobre Maquiavel e sua obra "O príncipe". Algumas pessoas me pediram mais informações para entender o texto, e resolvi postar aqui um pequeno resumo do contexto no qual Maquiavel viveu. Entendendo-se o contexto histórico no qual ele viveu, fica mais fácil entender o por quê de ele ter escrito o que escreveu.

Maquiavel é um típico representante do movimento chamado de "Renascença" -- já fiz alguns comentários aqui sobre o processo quando falei da Idade Média (ver postagens anteriores). A Renascença -- ou Renascimento, ou ainda Humanismo -- foi um movimento cultural que ocorreu entre os séculos XIII e XVI. Seu “objetivo” era reviver a Antigüidade clássica, aplicando suas respectivas “teorias” à época.

Um aspecto importante a se destacar é que, durante a Renascença, houve um rompimento do monopólio cultural da Igreja, ou seja, a cultura passa a ser difundida entre todos, não mais ficando restrita aos membros da Igreja. Além disso, há o surgimento de uma nova classe, a burguesia, que quer a separação entre Igreja e estado, pois esta mesma burguesia quer controlar o estado em seu próprio benefício.

São características intrínsecas à Renascença: o individualismo, o racionalismo, o hedonismo, o repúdio aos costumes medievais. Há a criação de um ideal humanista, dando ênfase ao antropocentrismo. Vale ainda destacar que o movimento inicia-se na Itália, pois lá há as melhores condições -- os italianos já tinham contato com outras civilizações através do comércio.

No início da Renascença ainda não havia o conceito de estado-nação. Para que isto acontecesse é incentivado o espírito de civismo, dando como subsídio para tal civismo a ameaça externa -- os florentinos deveriam se unir para lutar contra Milão. Isto significa dizer que o cidadão foi se tornando cada vez mais consciente em relação à sociedade em que vive.

Há o início das relações mercantis, assim como a necessidade de manter estas rotas. Surge o chamado “civismo militar”: o objetivo do soldado é conseguir muitas glórias militares. A liberdade é defendida como um grande ideal: para evitar a submissão a outros povos, os habitantes se uniam contra as ameaças externas. Surgem também os conceitos de moral e virtude, em face da centralização política.

O desafio do governante é melhorar o “ânimo” dos cidadãos, e não aperfeiçoar a máquina administrativa; assim, o Humanismo defende os princípios do liberalismo. O grupo político é o “chefe” porque possui virtude, e tal virtude é a retórica: a população precisa confiar no seu líder, e este deve ser convincente.

Com a Renascença, surge um conflito interno nos homens: antes Deus era o centro, e agora o homem é responsável pelo seu próprio destino; o homem pode mudar tudo. Desta forma, cria-se a imagem de que “o trabalho dignifica o homem”, e é através do trabalho, somado à capacidade humana, que o homem pode mudar o mundo ao seu redor. Deus pode até ter dado a capacidade de pensar e agir ao homem, mas é este homem que trabalha, que age no mundo terreno e que o modifica. O homem é o fator de modificação do mundo; é o centro do mundo, e cuida da sua própria sorte.

Há uma constante busca do novo através do antigo, e é por isto que os humanistas “lutam” contra os escolásticos, que viviam confinados a capelas, mosteiros e castelos. São os humanistas os criadores do termo “Idade das Trevas”.

O período renascentista em Florença é dividido em duas partes: a primeira é dominada pelo republicanismo, e a segunda pela tirania, caracterizada pela invasão da França por parte da Itália.

Maquiavel insere-se no pensamento humanista. O que o torna singular é o fato da realidade da sua obra. Por exemplo, se o príncipe precisa manter seu poder, ele deve fazer o que for necessário, seja algo bom ou ruim, usando a violência. Maquiavel diz também que o importante é parecer virtuoso, e não necessariamente sê-lo. As utilizações de aspectos negativas são necessárias, às vezes, para se manter no poder -- se for preciso usar o mal para fazer o bem, que se use.

Florença toma como modelo para seu esquema político a cidade de Veneza. Esta surgiu de inspiração para todas as outras províncias -- que se utilizavam o seu modelo republicano. A cidade de Veneza realizava eleições constantes, buscando a maximização do bem comum.

Outro problema para os florentinos era a presença da escolástica na cidade. Os escolásticos buscam explicação divina para as qualidades de Veneza: os cidadãos seguiam os ensinamentos de Deus, e por isto a cidade era próspera -- na visão da Igreja Católica. Em Florença, os republicanos eram reprimidos pelos Médici, mas com o sucesso da república em Veneza, Florença acabou adotando este regime.

Os florentinos defendiam a liberdade como base para a vida política. Até Maquiavel passa a defender a república -- após perder a esperança de conseguir um cargo na corte dos Médici. Segundo ele, a república torna o povo mais feliz que o principado. Isto é importante porque a visão que se tem do rei é de uma pessoa preocupada com glórias pessoais, e não com o bem comum. Maquiavel vai, por fim, descrever os aspectos que podem acabar com a liberdade dos cidadãos: ditaduras, corrupção, a fé cristã, entre outros.


Análise sucinta de "O príncipe", de Maquiavel

Muito se fala sobre Maquiavel, o teórico que defendia que “os fins justificam os meios” -- frase erroneamente atribuída a ele. Muitos falam sobre o autor e sobre a sua mais conhecida obra, intitulada “O Príncipe”, mas poucos conhecem efetivamente o que o autor falou. Sendo assim, hoje resolvi escrever sobre aquele que é considerado o pai da Ciência Política moderna.

Maquiavel nasce e vive no período do Renascimento na Itália, entre 1468 e 1527. É uma época de grandes convulsões políticas (diversidade de estados italianos, guerras, invasões) e de grandes criações intelectuais. Florença, a cidade em que nasce, está devastada pelas disputas entre diversas facções.

Maquiavel trabalha como secretário da Chancelaria da República Florentina. Não era uma vida pomposa (“de diplomata”). Devido a bom desempenho, passa a ter grande influência na diplomacia florentina. Conheceu diversos outros países, o que influenciou diretamente seus escritos futuros.

Em 1512, novas convulsões políticas alteram o regime de Florença: os Médicis tomam o poder e Maquiavel perde suas funções. Passa, então, a escrever suas obras: Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (sobre as repúblicas); História de Florença; Tratado sobre a Arte da Guerra; Dos Principados (= O Príncipe); Mandrágora (comédia) e Vida de Castruccio Castracani (história romântica). Escreve O Príncipe objetivando retomar suas funções junto ao novo governo florentino: “Desejaria, pois, que os senhores Médicis consentissem em empregar-me, nem que fosse para mover um rochedo (...) Lendo-se este livro, ver-se-ia que (...) não passei meu tempo dormindo ou me divertindo”.

O objetivo de O Príncipe é investigar “qual a essência dos principados, de quantas espécies podem ser, como são conquistados, conservados e por que se perdem”. Em outras palavras, ele quer verificar a essência dos governos à época.

Os estados (que ele chama de “principados”) podem ser hereditários ou novos. No caso dos hereditários, é tão fácil consegui-los e mantê-los que Maquiavel dá pouca importância a eles. As dificuldades reais se encontram nos principados novos, que podem ser inteiramente novos, ou mistos (agregados ao Estado já existente).

A questão da legitimidade é ignorada por Maquiavel: o que importa é a força. Para ele, o triunfo do mais forte é o fato essencial da história humana. Tudo se resume em ter forças suficientes para conquistar e para manter o poder. A razão primeira e última do príncipe é o uso dessas forças em uma guerra. Assim, a base de todos os estados será boas leis e boas armas; “há boas leis onde há boas armas”. Destaca-se que essas boas armas não são tropas mercenárias (“desunidas, ambiciosas, sem disciplina, infiéis, covardes contra os inimigos”). Boas armas significa dizer que os estados devem ter tropas nacionais -- uma grande mudança de pensamento em relação ao paradigma medieval, de submissão pessoal ao senhor feudal.

Maquiavel fala, então, sobre aquela que é uma das principais características da obra: as maneiras de se conquistar/conservar/perder o poder político: por meio da virtu (energia, vigor, resolução, talento, valor bravio e/ou feroz = por meio de suas próprias armas); por meio da fortuna (armas alheias, sorte, "porque o destino quis"); por meio da perversidade (uso exclusivo da força); e, por fim, por meio do favor e consentimento dos concidadãos. Destes, os mais importantes são os dois primeiros, a virtu e a fortuna.

A virtu pode ser entendida como a capacidade própria do príncipe, sua sabedoria, sua força de vontade, sua decisão de ação e seu talento. Já a fortuna é entendida como sorte, acaso, acontecimento alheio à vontade do governante. Ou seja, a primeira se relaciona às características próprias de quem manda, enquanto a segunda se relaciona àqueles fatos alheios à vontade e ao controle do governante. O soberano ideal é, portanto, aquele que alia a virtu à fortuna, ou seja, que sabe aproveitar os momentos que a vida lhe dá usando seu talento nesses momentos específicos.

Para Maquiavel, os que se tornam príncipes pela virtu e pelas próprias armas têm mais dificuldade em se instalar nos principados, mas mais facilidades para mantê-los posteriormente. Para ter sucesso, o príncipe deve ter em mãos meios para constranger; deve poder utilizar a força: “é preciso dispor as coisas de tal maneira que, ao não crerem mais [os subordinados], seja possível [ao príncipe] obrigá-los a crer pela força”. Já os que se tornam príncipes pela fortuna e pelas armas alheias têm mais facilidade em se instalar nos principados, mas mais dificuldades para mantê-los posteriormente. Após estabelecerem-se nos novos principados, dependerão da sorte e da vontade dos exércitos alheios, o que pode variar; por isso, têm dificuldades para manter esses novos territórios -- a menos que o príncipe favorecido pela fortuna saiba preparar-se para conservar o que a fortuna lhe colocou nas mãos.

É possível também tornar-se príncipe pela perversidade -- e, neste caso, não se exige muita virtu nem muita fortuna. A importância da perversidade é a seguinte: a descrição do bom ou mau uso das crueldades para se conservar um Estado. Segundo Maquiavel, há crueldades bem praticadas e crueldades mal praticadas. Crueldades bem praticadas são aquelas que se cometem todas de uma vez (pois assim os súditos sofrem tudo de uma vez, e depois esquecem que sofreram). Já as crueldades mal praticadas são aquelas que se cometem aos poucos (os súditos passam a odiar o príncipe, pois estão continuamente sofrendo). Já os benefícios advindos do governo do príncipe devem ser mostrados aos súditos gradativamente, para “melhor serem saboreados”.

Outra dica de Maquiavel: o governante deve ofender apenas os impotentes, que não têm condições de ameaçá-lo; caso seja necessário ofender um “grande”, a ofensa deve ser a maior possível, para impor temor: “tratando-se de ofender um homem, deve-se fazê-lo de tal maneira que não se possa temer sua vingança”.

É possível tornar-se príncipe pelo favor dos concidadãos. Neste caso, é exigida alguma e alguma fortunavirtu, o que Maquiavel chama de “astúcia afortunada”. Neste caso, o príncipe pode ser levado ao poder pelos “grandes”, o que é ruim, pois estes são minoria e o príncipe deverá agir contra o povo (maioria) em favor destes grandes. É preferível ser alçado ao poder pelo povo, pois terá o apoio do mesmo -- e “o povo é fácil de se satisfazer”.

Após falar sobre a conquista do poder político, Maquiavel fala sobre as características próprias do governante. Ele afirma que o governante recém-empossado vive no meio de dois perigos: o comportamento dos súditos dentro do próprio estado conquistado e o comportamento das potências circundantes. Tendo isso em vista, há uma grande distância entre a maneira que se deveria viver e a maneira como efetivamente se vive. O príncipe que quer manter-se como tal deve, portanto, aprender a não ser sempre bom, e sim a ser ou não ser bom “conforme a necessidade”; deve possuir certos defeitos ou vícios que podem ser necessários à conservação do estado.

O príncipe deveria ser liberal e generoso; porém, ser parcimonioso é um dos vícios que fazem reinar: as liberalidades acabam por conseguir apoio de muito poucos indivíduos. Da mesma forma, deveria ser considerado clemente e não cruel, mas a clemência não deve ser usada inoportunamente. Com isso, protege-se a sociedade (verdadeira clemência do estado).

Seria ótimo se o príncipe pudesse ser amado e temido; se isso é impossível, então o príncipe deve escolher ser temido. “Enquanto fazeis bem [aos homens], são dedicados; (...) mas quando [o perigo] se aproxima, bem depressa se esquivam”. Além disso, os homens receiam muito menos ofender aquele que se faz amar do que aquele que se faz temer. O temor sustenta-se por medo do castigo, que jamais o abandona; o amor pode se desfazer de acordo com o próprio interesse. No entanto, ser temido não significa ser odiado; o ódio é prejudicial ao príncipe. Para não ser odiado, o príncipe deve “abster-se de atentar, seja contra os bens dos súditos, seja contra a honra de suas mulheres”.

O príncipe perfeito deve possuir as naturezas de homem e de animal: como homem, combate pelas leis, regularmente, com lealdade e fidelidade; como animal, combate pela força (leão) e pela astúcia (raposa). Em matéria de promessas e de compromissos, o príncipe deve ser raposa, isto é, não observar a palavra quando observá-la vier a ser-lhe inconveniente e quando desaparecerem as razões que o fizeram prometer.

Tal comportamento, contudo, deve sempre ser oculto dos demais. O príncipe deve possuir a virtude do parecer, do fazer crer, da hipocrisia, sempre tendo em mente o resultado concreto – a manutenção do poder e do estado. “Não é absolutamente necessário que um príncipe possua todas [as qualidades boas], mas que pareça possuí-las. (...) Sempre lhe convém (...) parecer clemente, fiel, humano, religioso, sincero (...) Muitas vezes é ele [príncipe] obrigado, para manter o Estado, a agir contra a humanidade, contra a caridade, contra a própria religião”. Porém, não deve deixar os outros saberem disso, e deve mesmo parecer fazer o contrário. “É preciso (...) que, tanto quanto possível, não se afaste do caminho do bem, mas que, se necessário, saiba entrar no do mal. (...) Em geral, os homens julgam mais pelos olhos do que pelas mãos”. O resultado da dissimulação é o seguinte: “O que se considera é o resultado. Portanto, pense o príncipe exclusivamente em conservar sua vida e seu Estado; se o conseguir, todos os meios que tiver empregado serão julgados dignos e louvados por todo o mundo”.

Em resumo, estas são as principais características da obra. O objetivo final de Maquiavel -- recuperar seu emprego -- não foi atingido. Porém, O Príncipe passou a ser obra de referência na área da Ciência Política.

A obra passou por três momentos distintos. Em um primeiro momento (1527-1550), o livro é ignorado. Poucos o lêem, e quando o fazem, não dão importância. Em um segundo momento (1550-1750): livro é execrado (sendo incluído no índex). De secretário florentino, Maquiavel torna-se “monstro mítico”. Porém, intimamente, os soberanos lêem cada vez mais a obra devido à “razão do Estado” apregoada por Maquiavel. Por fim, em um terceiro momento (1750-hoje), o livro é “glorificado”. Rousseau diz que o livro foi feito não para o príncipe, mas para o povo, e Napoleão seria a realização mais perfeita do príncipe maquiavélico. A obra é quase sempre mais citada do que lida por realçar o problema das relações entre a política e a moral. Maquiavel efetuou uma ruptura profunda com os autores políticos clássicos (vide as diferenças entre Platão/Aristóteles e Maquiavel) e deu origem a um novo tipo de Ciência Política – fundada na análise do que é e não do que deveria ser.

Referências bibliográficas:

CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Trad. Lydia Cristina. 8ª ed. Rio de Janeiro, Agir, 1998.

MAQUIAVEL. O príncipe. São Paulo: Ed. Martin Claret, 2002.


25 de agosto de 2007

"A política como vocação"

Maximillian Karl Emil Weber (Erfurt, 21 de Abril de 1864 -- Munique, 14 de Junho de 1920) foi um intelectual alemão, jurista, economista e considerado um dos fundadores da Sociologia. De importância extrema, Max Weber escreveu o livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, um um ensaio fundamental sobre as religiões e a afluência dos seus seguidores.

Significante, também, é o ensaio de Weber sobre “a política como vocação”. Weber defende em tal texto a definição de estado que se tornou essencial no pensamento da sociedade ocidental: que o estado é a entidade que possui o monopólio do uso legítimo da ação coercitiva. A política deverá ser entendida como qualquer atividade em que o estado tome parte, de que resulte uma distribuição relativa da força.

Para Weber, o estado é definido a partir do seu meio de existência, que é a coação física. O estado é, portanto, a única fonte do “direito” à violência. A política será então o conjunto de esforços visando à participação do poder ou à influência na divisão desse poder, seja entre estados, seja no interior de um único estado.

O estado é uma relação de dominação de um homem sobre outro homem. Esta dominação é legitimada através de três idéias puras: a primeira é a que diz que um homem admite ser dominado por outro devido à tradição e aos costumes; a segunda baseia-se no carisma do dominador, ou seja, em características especiais como devoção e confiança nesta pessoa; por fim, a terceira idéia de dominação é fundada na idéia de crença na validez de um estatuto legal.

Dentre estas três idéias, a que mais nos serve para explicar a vocação para a política é a segunda. É o carisma interior de um chefe ou profeta que faz com que outros homens sigam-no, não por obediência ou por costume, mas pela fé. E, caso este líder esteja realmente comprometido, irá viver para seu trabalho e realizará uma grande obra. Contudo, não é apenas este homem que define o processo político: antes, é necessário verificar a natureza dos meios de ação destes homens políticos.

A dominação depende de um estado-maior administrativo -- que irá garantir que as atividades desenvolvidas pelos dominados estejam de acordo com a vontade do dominador -- e também dos meios materiais de gestão. Este estado-maior administrativo não irá obedecer ao chefe apenas pelas questões de legitimidade acima citadas. Interesses pessoais influenciam esta dominação. O temor de perder estas recompensas é o que liga o estado-maior administrativo aos detentores do poder.

O estado é um agrupamento de dominação de caráter institucional que monopoliza, no seu território, o uso legítimo da violência física como instrumento de domínio e que reúne, nas mãos do seu dirigente, os meios materiais de gestão.

Em geral fazem-se as duas coisas: vive-se da e para a política. Quem vive “para” a política transforma-a em fim de sua vida, ou seja, trabalha para a política seja porque gosta do poder, seja porque encontra um equilíbrio pessoal em favor de uma “causa” que dá significado à sua vida. A diferença principal é o aspecto econômico. Supõe-se que quem vive para a política já está estabilizado financeiramente. Aquele que depende da remuneração pelos seus trabalhos vive da política e aquele que não depende vive para a política.

O desenvolvimento da função pública exige um corpo de funcionários altamente capacitados. Em princípio, o corpo de conselheiros estava sob a égide do príncipe, mas foi aí que começaram a surgir as propostas, contrapropostas e votações em relação aos assuntos políticos pertinentes ao reino.

Com o surgimento do parlamento, este estado de coisas alterou-se. Os funcionários especializados e o príncipe, que de certa forma lutavam entre si pela dominação do poder, uniram-se contra o parlamento, que tinha por objetivo obter o poder. Em alguns países, como na Grã-Bretanha, o Parlamento conseguiu seu objetivo e ascendeu ao poder. O líder do partido dominante tornava-se o chefe do gabinete. Já nos Estados Unidos o chefe supremo é escolhido através de sufrágio universal e direto, e é este chefe quem nomeia todo o conjunto de funcionários; neste caso, depende do Parlamento apenas para assuntos relativos a orçamento e legislação.

Ao longo do processo de monopólio empreendido pelo estado moderno surgiu uma nova categoria: a dos “políticos profissionais”. Eram pessoas dispostas não a ser senhores, mas sim a influenciar estes mesmos senhores.

Os chamados funcionários “políticos” caracterizam-se pela sua disponibilidade, ou seja, pode-se deslocá-los à vontade. Já os funcionários de carreira não podem ser movidos. Outro aspecto do funcionário político é que ele pode perder seu emprego quando da mudança da maioria parlamentar, ou na mudança de um governo a outro.

O funcionário político não deve fazer política: deve administrar de forma não partidária, deixando a política, o tomar partido, a luta e a paixão para o homem político, o chefe político. A este cabe responsabilizar-se pessoalmente pelo que faz. Isto é o que garantirá a eficácia política.

Os partidos têm doutrinas políticas. Esse quadro lega aos políticos profissionais o não aproveitamento de seus talentos e liderança. Os partidos são comandados pelos homens de importância, que não admitem aqueles que tem características de chefe.

Weber diz ainda que aquele que precise viver “da” política não encontrará outra saída senão a do jornalismo e encargos burocráticos nos partidos, ou então tentará conseguir um posto em uma associação que se encarregue da defesa de certos interesses, tais como sindicatos, câmaras de comércio, etc.

Para aqueles que desejam seguir a carreira política e são bem sucedidos existem certas alegrias. A primeira delas é o sentimento de poder. A consciência de influir sobre outros seres humanos e de saber que tem nas mãos um importante instrumento modificador da história pode elevar o político profissional acima da banalidade da vida cotidiana.

Existem três qualidades que determinam o homem político: a paixão, o sentimento de responsabilidade e o senso de proporção. A paixão não deve ser entendida como algo sem pensar, e sim como uma vontade muito grande de trabalhar por uma causa mas com consciência e responsabilidade do que se está fazendo. O homem político não pode tornar-se vaidoso. A vaidade faz com que o homem político coloque-se acima de sua causa, e faz com que ele não tenha sentimento de responsabilidade – ou então, que perca o objetivo da sua causa.

Existem dois tipos distintos e opostos de ética: a ética da convicção e a ética da responsabilidade. O primeiro tipo baseia-se no fato de que o indivíduo toma suas atitudes e a responsabilidade destas atitudes não está no agente, mas sim no mundo, na tolice das outras pessoas, ou até na vontade de Deus. Já o segundo tipo diz que o agente é responsável pelos seus atos, ou seja, caso o que o agente fizer der errado, o agente será o responsável.

Um aspecto em comum é que vemo-nos compelidos a recorrer a meios desonestos, ou pelo menos perigosos, para atingirmos fins “bons”. Este meio desonesto ou perigoso da ética em relação à política é a violência. Por isto, parecer-nos-ia que é o problema da justificação dos meios pelo fim que colocaria em cheque a ética da convicção. Isto pode ser explicado da seguinte maneira: para acabarmos com a violência e instaurarmos a paz, utilizamo-nos de mais violência.


24 de agosto de 2007

Gênese e crise do feudalismo

Quando se fala em surgimento do Estado, é necessário falar sobre feudalismo. A necessidade advém do fato de que esta nova estrutura social chamada "Estado" surge como conseqüência direta do processo de desintegração da estrutura feudal. Sendo assim, apresento abaixo, resumidamente, os principais itens que fizeram surgir o feudalismo e alguns daqueles que fizeram com que tal sistema entrasse em crise e dessem origem ao Estado em seu sentido moderno.

O feudalismo foi “implantado” apenas no século X, mas ele foi sendo “criado” desde o século III. Sete são os aspectos mais importantes na sua formação: a ruralização da sociedade, o enrijecimento da hierarquia social, a fragmentação do poder central, o desenvolvimento das relações de dependência social, a privatização da defesa, a clericalização da sociedade e as transformações na mentalidade da população.

A ruralização da sociedade ocorreu porque a vida nas cidades não estava fácil. Em uma época de inseguranças, tanto econômicas quanto sociais, a solução foi a distribuição de terras aos trabalhadores livres e até mesmo aos escravos, trazendo benefícios tanto para o Estado quanto para o dono das terras, e também para os trabalhadores – aqui chamados de colonos. Assim surgiu o servo feudal.

O surgimento do colonato estava intrinsecamente ligado ao enrijecimento da hierarquia social. Os camponeses estavam vinculados à terra, os artesãos estavam vinculados à sua corporação de ofício, e assim sucessivamente. O aumento cada vez maior da distância entre aristocracia e camponeses, devido ao desaparecimento das classes média urbana e rural, também contribuiu para este engessamento da hierarquia social.

O terceiro aspecto característico da formação do feudalismo é resultado dos dois aspectos anteriores. O próprio fortalecimento da aristocracia rural ia lhe garantindo o poder dentro do seu pedaço de terra. Diversas funções estatais passaram a ser realizadas pelos donos das terras. Os reis perdiam seu poder e prestígio, pois pagavam seus servidores com terras, enfraquecendo-se.

A dependência pessoal também está relacionada aos itens anteriores. É neste ponto que surge o termo vassalo, ou seja, uma relação pessoal onde o servo, para ter sua segurança e seu sustento garantidos, além de se recomendar ao senhor, fazia um juramento religioso. Em troca da fidelidade do servidor, o senhor lhe garantiria um benefício. Esta relação diminuiu ainda mais o poder do Estado, pois o vassalo defendia os interesses do seu senhor, e não os do rei. É importante lembrar, contudo, que havia vínculos entre os grandes senhores e o rei.

O quinto aspecto formador do feudalismo foi a privatização da defesa. Além de ser uma decorrência dos aspectos anteriores, a privatização da defesa era necessária para manter-se a ordem dentro dos domínios do senhor e, principalmente, para que estes se protegessem das invasões bárbaras, pois os exércitos reais não conseguiriam chegar ao local da luta com a rapidez necessária. Este fator contribuiu também para completar-se a fragmentação política.

O sexto aspecto a considerarmos é a clericalização da sociedade. Isto ocorreu tanto quantitativa quanto qualitativamente, pois a proporção de clérigos cristãos em relação à população era muito maior do que à época do paganismo, e também porque o clero torna-se efetivamente um grupo social separado dos demais. A importância clerical era decorrente do seu “monopólio” no contato com Deus, ou seja, o indivíduo deveria recorrer ao clero para salvar-se. Além disso, a Igreja era o verdadeiro “Estado” feudal, tendo em vista que os reis eram temporários. O último ponto a ser destacado na influência clerical era o poderio econômico da Igreja, amealhado desde o século IV, quando a Igreja passou a receber doações.

O último aspecto formador do feudalismo, e o mais difícil de ser mensurado e analisado, é a mudança da mentalidade. Esta mudança está relacionada ao cristianismo, que criou um novo relacionamento homem-Deus, uma nova concepção do papel do homem no universo, e deu ao homem uma nova concepção de si próprio. O enigma do mundo só ganharia sentido através de Deus, ou seja, tudo seria resolvido pela fé. Era o resultado do combate entre o Bem e o Mal, no qual o homem estava bem no meio, que decidiria o destino da vida eterna do homem. O futuro da humanidade estava nas mãos de Deus.

A crise do feudalismo teve início nos séculos XII e XIII, e sua força total foi mostrada no início do século XIV. A causa básica foi o esgotamento da sua estrutura, chegando-se a um limite. Deve-se lembrar que todas as estruturas foram atingidas.

O primeiro aspecto foi o esgotamento da agricultura nos moldes feudais. O aumento da produção deu-se muito mais pela expansão da área cultivada do que por melhorias técnicas. Em um determinado ponto, entretanto, não havia mais como se expandir. Além disso, a expansão agrícola trouxe conseqüências ecológicas graves, que por sua vez castigaram a agricultura. A exploração mineral sofreu o mesmo problema da agricultura: falta de tecnologia.

A expansão populacional foi outro fator que contribuiu para a decadência do feudalismo. O excesso de população trouxe fome e miséria à Europa, além de epidemias como a peste negra. A taxa de mortalidade aumentou e, se em um primeiro momento a Europa estava superpovoada, em um segundo momento faltaram servos, estimulando o trabalho assalariado.

O trabalho assalariado quebrou a estrutura social feudal. A burguesia começou a ganhar cada vez mais espaço na sociedade, com a decadência da nobreza que, para se manter como classe social, buscava novos membros tanto no clero quanto na própria burguesia. A sociedade muda de sociedade de ordens para uma sociedade estamental.

A burguesia, de acordo com seus interesses, estimulou a centralização política e apoiou a monarquia. A centralização monárquica foi favorecida pelo desenvolvimento de sentimento nacionalista, através das línguas vernáculas e da consciência do contato com outros povos. O avanço militar seguiu o avanço político.

A Igreja também perdia seu prestígio, por pregar uma coisa e fazer outra, na prática. Os indivíduos estavam cada vez mais desiludidos com a Igreja e, juntamente com o início do nacionalismo, passaram a reivindicar a criação de igrejas nacionais. A Igreja perdia progressivamente seu papel na sociedade feudal: os homens buscavam, cada vez mais, um contato direto com Deus, sem interferência da Igreja.


23 de agosto de 2007

A visão clássica da política

Ao falar de Estado, eu sempre comento o fato de que, quando falamos sobre tal instituição, estamos nos referindo a uma instituição com características surgidas a partir do século XIV na Europa ocidental. Mas isto não significa dizer que, antes de tal período, não houvesse um pensamento político sobre a instituição que garantiria a ordem da sociedade. É claro que tal pensamento existia antes, na chamada "visão clássica da política". Esta visão tem em Platão seu principal representante.

A visão clássica da política baseia-se na harmonia cósmica. Os homens só são considerados como tal se viverem em comunidade. O foco central dos clássicos é o Estado, enquanto que a teoria política moderna tem como foco central o homem.

Tendo estas premissas em vista é que Platão escreve seus textos. Na “República”, Platão busca a criação de um Estado ideal tendo como base um novo conceito tanto de justiça quanto de educação.

Para Platão, o cidadão deve ter, como ponto central da sua vida, o Estado. É por este motivo que o autor sustenta, por exemplo, a supressão da família, pois assim a criança “canalizaria” suas ações em favor do Estado, ou seja, o indivíduo privilegiaria sempre o Estado, relegando até mesmo seus entes queridos.

O Estado ideal platônico tem por base a justiça. Desta forma, os homens deveriam se especializar nas atividades que desempenham melhor. Isto é necessário porque, a partir do momento em que o indivíduo conhece o seu “campo de ação”, ele se atém ao mesmo, sem invadir o espaço dos outros e, conseqüentemente, sem criar problemas aos outros.

As três “classes” propostas na “República” são: a classe dos governantes, a classe dos militares (guerreiros) e a classe dos produtores (agricultores). É importante notar que, para Platão, a harmonia ocorre neste ordenamento quando a classe dos governantes e dos militares não têm de se preocupar com sua subsistência. Isto é importante para o bom funcionamento do Estado como um todo.

A visão política clássica aposta na virtude dos homens. Isto fica claro quando vemos Platão condenar o “sistema eleitoral” da época, onde os governantes eram escolhidos por sorteio. Platão diz que tal sistema é duplamente injusto, primeiro porque o governante sorteado pode não ser bom, ou seja, é uma injustiça para com a população, e segundo porque o mau governante estaria ocupando o lugar de uma pessoa mais bem qualificada para o cargo.

Mas não é só na virtude que o Estado platônico está baseado. A ambição humana tem de ser reprimida. Platão oferece alternativas para a possível corrupção do governo, onde o governante utilizar-se-ia de seu cargo para conseguir “despojos”. É interessante notar que tal apropriação de benefícios em decorrência do cargo ocupado não ocorre somente na oligarquia, mas também na democracia. E é por isto que Platão defende a especialização das funções: sem precisar se preocupar com sua subsistência, o governante utilizaria toda a sua energia no comando do Estado.

Outro aspecto importante a ressaltar é que o rei deveria ser, também, filósofo. Platão achava muito importante que os reis tivessem conhecimento não só da arte de governar, mas que também conhecessem outros aspectos que tornariam seus reinados melhores.

Estas são as principais características do modo clássico de pensar a política. Fica evidente uma certa dependência a fatores “externos”, ou seja, há a crença em fatores “místicos”, como não poderia deixar de ser naquela época. Contudo, vê-se um início de racionalização das idéias, onde a busca por um Estado melhor -- seja através da criação do Estado ideal, como queria Platão, seja através do melhoramento das condições atuais do indivíduo, como queria Aristóteles -- era o objetivo final.


22 de agosto de 2007

Por que a Rússia?

Como é de conhecimento público, tenho um grande interesse acadêmico pela Rússia. Venho fazendo diversas pesquisas sobre diversas áreas do país já há alguns anos, e minha tese de doutorado é também sobre aspectos culturais e políticos de lá. A pergunta que sempre surge por parte de conhecidos é: por que a Rússia? Afinal de contas, nós brasileiros temos a noção de que o país é distante, gelado e que lá só tem vodka e urso. Sendo assim, gostaria de apresentar alguns dos principais motivos que me levam a pesquisar o país.

O primeiro motivo é a ausência da Rússia no cenário acadêmico brasileiro. Poucos são os pesquisadores brasileiros que levam a cabo estudos sobre aquele país, dentre os quais destacam-se o prof. Ângelo Segrillo, da Universidade Federal Fluminense, e a profa. Lenina Pomeranz, da Universidade de São Paulo. Apesar da importância da Rússia no cenário internacional contemporâneo (ver abaixo), o país continua sendo pouco estudado aqui no Brasil. Tal ausência pode ser confirmada por uma simples pesquisa bibliográfica: apenas duas referências, dentre as 26 pesquisadas para a redação do meu projeto de doutorado, estão em português. Uma destas referências em português é uma tradução do inglês, e a outra é um artigo de uma professora russa que escreveu o texto em português. Vemos que não há nenhum trabalho feito por pesquisadores brasileiros sobre o assunto, e acredito que minhas pesquisas podem se inserir nesta lacuna diminuindo a ausência da Rússia no cenário acadêmico brasileiro.

O segundo motivo se relaciona com a ausência de pesquisas sobre o tema específico com o qual eu trabalho. Conforme mostramos anteriormente, em minha pesquisa bibliográfica inicial não encontrei nenhum estudo, seja em português, em inglês ou em espanhol, que trate especificamente do tema que me proponho estudar. Não há estudos sobre como os itens principais da minha pesquisa -- a formação da nacionalidade russa e a participação política atual -- se relacionam, e é nesta lacuna que minhas pesquisas pretendem se incluir. Neste sentido, acredito ser um ponto positivo o conhecimento da língua russa, com a qual estou em contato desde 2001: tal conhecimento será extremamente útil e importante por me permitir um contato direto com a historiografia russa sem depender exclusivamente de fontes secundárias em outras línguas.

O terceiro motivo se baseia na própria importância da Rússia no contexto mundial contemporâneo, mesmo com o fim oficial da URSS e da Guerra Fria. Três pontos servem para nos mostrar tal importância. O primeiro é a área militar: apesar do declínio de suas forças tradicionais, a Rússia continua tendo o maior potencial nuclear do mundo, tanto em ogivas ativas quanto inativas, superando o potencial nuclear dos EUA (NORRIS; KRISTENSEN, 2006). O segundo ponto se refere à economia: mesmo sofrendo a crise econômica de 1998, o país, a partir do ano 2000, vem registrando um forte crescimento do PIB, com aumento médio anual de 6,8% entre 2000 e 2005. As reservas cambiais do país também cresceram, chegando, em setembro de 2006, ao montante de US$ 289 bilhões (BANCO Central da Federação da Rússia, 2006). Como é sabido, a Rússia tem se utilizado deste forte crescimento econômico, especialmente na área de energia, para fazer valer suas demandas internacionais. Além disso, o país é considerado como uma das principais áreas propícias para investimento, juntamente com China, Índia e o próprio Brasil. O terceiro ponto que demonstra a importância da Rússia se refere especificamente ao Brasil: o comércio bilateral entre o Brasil e a Rússia saltou de US$ 609 milhões em 1994 para quase US$ 3 bilhões 900 milhões em novembro de 2006 (BRASIL, 2006). Mesmo a Rússia não sendo um dos principais parceiros comerciais brasileiros, é inegável que o intercâmbio econômico entre os países vem aumentando, o que faz surgir também interesse em outras áreas, inclusive a acadêmica, na qual minhas pesquisas se inserem.

Por fim, o último -- mas não menos importante -- motivo que me leva a escolher a Rússia é de ordem pessoal. Tendo viajado pela primeira vez para Moscou em 2000, desde aquela época surgiu o interesse em estudar um país que, ao mesmo tempo em que é muito diferente do nosso, possui diversas semelhanças em aspectos políticos, sociais e culturais. Alguns trabalhos de comparação entre o Brasil e a Rússia já foram realizados por mim, como um projeto financiado pelo PIBIC -- Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica -- em 2001/2002 e a própria monografia final do curso de graduação em Ciência Política, realizado na Universidade de Brasília. Outras quatro viagens realizadas à Rússia, em setembro/2003, em dezembro/2003-janeiro/2004, em dezembro/2004-fevereiro/2005 e em setembro/2006 serviram para conhecer melhor o país, sua cultura, seus costumes e sua língua, além de reafirmar a importância do país no contexto mundial e a necessidade de estudar os diferentes aspectos que formam o mosaico chamado Rússia.

Referências bibliográficas:

BANCO Central da Federação da Rússia. Informações diárias. Dezembro de 2006. Disponível em http://www.cbr.ru/eng/main.asp. Acessado em 16 de dezembro de 2006.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Departamento de Planejamento e Desenvolvimento do Comercio Exterior. Intercâmbio comercial brasileiro por blocos econômicos e países. Disponível em http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/depPlaDesComExterior/indEstatisticas/intCom_IntBloEconPaises.php. Acessado em 16 de dezembro de 2006.

NORRIS, Robert S.; KRISTENSEN, Hans M. “Russian nuclear forces, 2006”. In: Bulletin of the atomic scientists. Março/Abril 2006, pág. 64-67, vol. 2, nº 2. Disponível em http://www.thebulletin.org/article_nn.php?art_ofn=ma06norris. Acessado em 16 de dezembro de 2006.


21 de agosto de 2007

Sobre a separação dos poderes (II)

Conforme prometido ontem, hoje segue a segunda parte do texto que fala sobre a origem do conceito de separação de poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Hoje falarei sobre o livro "Os artigos federalistas", escritos por três norte-americanos ao final do século XVIII.

Se na Europa, ao final do século XVIII, havia um clima de revolução em todos os cantos, do outro lado do Atlântico temos um novíssimo país que acabara de proclamar sua independência e que buscava um novo tipo de governo, não só para cortar definitivamente os laços com a Europa monarquista mas também para evitar seus erros. Para a criação, e principalmente para a implantação do novo regime em solo norte-americano, três autores destacam-se, em conjunto: Alexander Hamilton, James Madison e John Jay.

O principal aspecto de O Federalista, obra de tais escritores, era atacar os Artigos da Confederação e lançar as bases para uma nova Constituição. Entretanto, eles não queriam simplesmente instaurar a monarquia: desejavam romper com a tradição e implantar a república, regime que até o momento estivera restrita a países com pouca dimensão territorial. Baseando-se em uma separação de poderes diferente da proposta por Montesquieu, e ainda tentando evitar o domínio das diversas facções, os três lançam a base para um sistema de governo que é usado até hoje naquele país e em diversos outros: a república federativa.

“O Federalista” é uma obra conjunta de Alexander Hamilton, James Madison e John Jay. É composto de uma série de ensaios publicados em Nova Iorque em 1788 com o objetivo de contribuir com a criação da constituição dos EUA. Atualmente, acredita-se que Hamilton escreveu 51 artigos, Madison 29 e Jay 5, totalizando 85 artigos. Contudo, ainda existe polêmica, e há quem diga que Hamilton escreveu 63 artigos.

Os três autores tiveram uma participação notável em eventos relativos à independência americana. Hamilton teve uma participação discreta na elaboração da constituição devido a suas idéias ultracentralizadoras. Já Madison participou ativamente, sendo chamado de “Pai da Constituição”. Após a independência, sua atuação continuou importante. Hamilton e Jay tiveram cargos importantes, enquanto Madison ajudou a fundar o partido Republicano.

É interessante notar que os três autores não eram unânimes em relação às suas idéias. Discordavam em vários pontos entre si, mas a vontade de criar um documento melhor que os Artigos da Confederação os unia. Esta união visava explicar melhor os artigos da nova constituição.

A tradição política da época dizia que a monarquia era o melhor sistema político para os tempos modernos, pois as nações precisavam de grandes exércitos para se defenderem, além da preocupação com o bem-estar material das populações. A função de “O Federalista” era, portanto, negar a tradição, demonstrando que era possível ter governos populares e aumento de território sem acarretar problemas de governabilidade.

O principal aspecto que “O Federalista” atacava nos Artigos da Confederação é que, para ser lei, esta deve ter meios de punir a sua desobediência. Caso a lei não tenha isto, ela não é lei, e sim um conselho ou recomendação, e o Congresso norte-americano à época não tinha meios para punir.

Assim, a única maneira de se criar um governo centralizado é que este tenha meios para punir caso suas normas sejam violadas. Para isto acontecer, a União tinha de agir diretamente sobre o cidadão, e não sobre os estados e estes sobre os cidadãos. “O Federalista”, portanto, tenta combater a monarquia criando um sistema político totalmente novo.

A diferença é que o termo “confederação” mantém a soberania dos estados, isto é, apenas o estado “manda” dentro do seu território. Já a federação estabelece um “conluio” entre a União e os estados, de forma que ambos possam agir sobre os indivíduos. Este pacto político permitiu a constituição dos Estados Unidos como nação.

Os “anti-federalistas” argumentaram que seria complicado administrar um Estado com grande território. As características de tal Estado levariam a uma monarquia militarizada. Eles sugeriam, portanto, que o Estado fosse dividido em três ou quatro confederações. Contudo, segundo Hamilton, seria a disputa entre tais confederações que causaria a militarização, e é por isto que ele, Hamilton, defendia o pacto federativo. O pacto federativo favoreceria o desenvolvimento comercial dos Estados Unidos sem a necessidade de uma grande militarização.

“O Federalista” tem um caráter altamente pessimista, nivelando por baixo a capacidade humana e, consequentemente, sendo mais realista. “O Federalista” quer que aqueles que detenham o poder tenham controle sobre o mesmo, para que o governo não se torne arbitrário ou tirânico. Neste aspecto, a obra segue o pensamento liberal e constitucional, sendo um dos seus expoentes.

A obra deseja que o poder seja freado pelo poder, evitando-se que o governante torne-se um tirano. Assim, surge a proposta de separação dos poderes. Esta separação dos poderes, entretanto, é diferente da proposta por Montesquieu, chamada de “governo misto”. Desta forma, em “O Federalista”, a ambição de alguém no poder legislativo irá frear a ambição de alguém no poder executivo, e vice-versa.

É importante notar que “O Federalista” coloca como necessária uma especial atenção no poder legislativo. É necessário “vigiar” melhor este poder, pois lá é a origem de todos os poderes. Isto pode ser feito dentro do próprio legislativo, com a criação do Senado, ou através do fortalecimento dos outros poderes. O judiciário também merece atenção especial, visto que é o mais fraco, pois não tem iniciativa própria.

O artigo considerado mais importante é o número 10, de Madison, onde ele trata das facções. Tais facções podem derrotar um governo popular, e Madison diz que o importante não é eliminá-las, e sim neutralizar os seus efeitos.

Madison diz que as propostas de Rousseau e Montesquieu em relação à democracia só permitiriam a existência desta se houvesse a eliminação das facções. Esta solução é rejeitada por ele, pois a causa da existência das facções é algo intrínseco aos homens, devido à sua liberdade. Em outras palavras, os homens, por serem livres, podem ter crenças e opiniões diversas. Aqueles com crenças pelos menos parecidas irão juntar-se, formando as facções. O direito à propriedade é o mais defendido por Madison.

O objetivo primordial do governo, então, é a defesa da liberdade dos homens. Aí está o liberalismo em Madison: o governo deve ser limitado e controlado para garantir o livre desenvolvimento dos indivíduos, especialmente suas atividades econômicas.

Madison faz uma crítica às democracias puras, pois nestas é fácil para a facção majoritária chegar ao poder e mantê-lo. Ele então propõe a criação de uma nova espécie de governo: a república.

Este novo sistema tem duas vantagens sobre as democracias (no sentido usual à época). O primeiro é que faz com que as funções do governo sejam delegadas a um número reduzido de pessoas. Se por um lado isto traz benefícios, pois estas pessoas estariam dispostas a optar pelos verdadeiros interesses do povo, por outro poderia ser um desastre, caso alguém das facções obtivesse o número de votos para eleger-se e, depois, trair o povo.

Para contornar este problema é que surge a segunda vantagem da república em relação à democracia, que é aumentar a área e o número de cidadãos sob sua jurisdição. Com um número maior de cidadãos, a perspectiva é que aumente também o número de facções, e a disputa entre elas para obter o poder faria com que suas ações anulassem as ações de outras facções. Não haveria um interesse comum para reunir a maioria dos cidadãos e, caso existisse tal interesse, seria difícil organizá-lo para agir.

Esta solução, entretanto, pode causar a paralisia do governo, com o bloqueio das ações governamentais causado pela disputa de poder entre as facções. Madison, mesmo sendo um liberal, não era adepto nem do não-governo, como parece ser seu objetivo, nem do governo mínimo, objetivo dos liberais. O que ele almejava era a coordenação dos interesses das diversas facções. Esta coordenação dos interesses é a marca que distingue repúblicas de democracias. Havendo coordenação, o interesse geral impõe-se como a única alternativa.

É em "O Federalista" que, a meu ver, estão as maiores contribuições para o Estado contemporâneo. Mesmo levando-se em consideração que o modelo republicano-presidencialista só deu certo nos Estados Unidos – não há outro país republicano-presidencialista no mundo de igual sucesso aos EUA – os mecanismos encontrados por Hamilton, Madison e Jay para defender a república são mais sensatos e inteligentes do que os mecanismos utilizados por Montesquieu para defender a monarquia. Isto, contudo, não invalida os estudos de Montesquieu, especialmente no que diz respeito à separação dos poderes.

O mecanismo de controle de facções apresentado por O Federalista é justamente um dos pontos criticados por Montesquieu, qual seja, o de que a república só deve ser utilizada em países pequenos. O argumento de O Federalista é não apenas uma resposta a Montesquieu, mas algo que foi utilizado na prática e que deu certo, pelo menos no início dos Estados Unidos como país independente, fase em que todo cuidado era necessário.

Outro aspecto que garante a estabilidade política -- ou pelo menos deveria garantir -- é o fato de que a lei deve ter força e ser cumprida, aspecto que também era criticado pelos três autores norte-americanos. Não adianta nada as leis serem criadas e não serem cumpridas.

Por último, vale notar que O Federalista é um dos primeiros documentos que oficializam a tendência liberal dos governos. Este liberalismo, contudo, não é apenas como conhecemos hoje -- o neoliberalismo econômico --, mas também, e principalmente, dizia respeito ao liberalismo político e social, no sentido de que as pessoas deveriam ser livres para agir e pensar da maneira que quisessem. Tal liberdade, de certa forma, era tolhida pela monarquia, se considerarmos que neste regime as ordens vinham dos reis e, caso não fossem arbitrárias, deveriam ser cumpridas.

Referências bibliográficas:

CHEVALLIER, Jean-Jacques. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. Trad. Lydia Cristina. 8ª ed. Rio de Janeiro, Agir, 1998.

WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política. Vol. 1. 7ª ed. São Paulo, Ática, 1998.