29 de setembro de 2007

História do pensamento econômico (VIII)

Terminando a série "História do pensamento econômico", coloco abaixo mais itens que compõem a chamada "escola keynesiana da economia", cujo principal representante é John M. Keynes.

A LEI DOS MERCADOS DE SAY

De acordo com os economistas clássicos, situações de elevado desemprego eram situações temporárias que a própria dinâmica da economia acabaria por corrigir de forma automática. Se houvesse um elevado número de pessoas desempregadas, os salários desceriam até ao ponto em que voltasse a valer a pena empregá-las de novo. O mesmo aconteceria com fábricas paradas: os produtos seriam vendidos a preços mais baixos e a reanimação econômica seguir-se-ia automaticamente.

Esta idéia de automatismo da economia em direção ao pleno emprego dos recursos era típica do pensamento clássico. A sua formulação mais conhecida é a da "lei dos mercados" de Say: "A oferta cria a sua própria procura". Ou seja, a venda dos produtos origina os meios com que eles próprios virão a ser adquiridos. Um homem que fabrica um produto vende-o para, com a receita, adquirir outros produtos. Claro que cada produtor não vai adquirir os próprios produtos que acabou de vender, mas sim outros. No entanto, considerando a economia globalmente, o total da receita obtida com a venda de todos os produtos é precisamente a que vai servir para os adquirir. Esta idéia deve muito à convicção de que o dinheiro é um mero intermediário na troca dos bens produzidos.

O ataque de Keynes a este raciocínio baseava-se na idéia de que nem todo o dinheiro ganho com a venda dos bens é reutilizado na atividade econômica. Sabemos que nem todo o dinheiro obtido com a produção de bens é diretamente gasto na aquisição de bens: parte dele é poupado. Este dinheiro poupado é aplicado em depósitos bancários ou na compra de títulos de crédito – pois de outra forma perderia o rendimento gerado por estas aplicações. O dinheiro depositado nos bancos ou aplicado na aquisição de títulos vai, por sua vez, ser utilizado pelas empresas para investimento (ou seja, aquisição de bens de investimento).

Desta forma, todo o dinheiro obtido com a venda de bens é utilizado na compra de outros bens: ou diretamente como despesa de consumo, ou indiretamente como poupança canalizada para despesa de investimento. No entanto, isto exige que o investimento seja igual à poupança (I = S, na formulação matemática do modelo macroeconômico).

O que Keynes coloca como hipótese é a possibilidade do investimento ser inferior à poupança:

"A análise tradicional compreendeu que a poupança depende do rendimento, mas negligenciou o fato de que este depende do investimento em tal relação que, quando o investimento varia, o rendimento é forçado a variar no grau justamente necessário para fazer com que a variação na poupança seja igual à do investimento" (KEYNES, citado por CANO, 1998, p. 145).

Uma vez instalada a desigualdade entre poupança e investimento o processo tende a se agravar: os empresários retraem-se quanto ao investimento, e tende a aumentar a tendência para poupar.

Os clássicos defendiam que, em uma situação como esta, os preços desceriam (nomeadamente os da mão-de-obra) atraindo as empresas para novos investimentos. O que Keynes defende é que a economia pode ficar em equilíbrio (portanto, em uma situação estável) abaixo do nível de pleno emprego. Em vez de tender automaticamente para a recuperação, a economia tende a manter-se estagnada.

Qual é então a solução? Keynes defende que o Estado deve intervir, realizando ele próprio investimentos para que a economia recupere.

O "CIRCUS" DE CAMBRIDGE

Na universidade de Cambridge existia um círculo de economistas que debatia entre si os grandes problemas da teoria econômica. Este círculo -- que Keynes designava como "circus" -- foi muito importante para a consolidação e divulgação das teorias keynesianas.

Antes de publicar o seu livro Keynes o mostrou aos seus amigos, que contribuíram para a preparação do livro. Depois da sua publicação, este mesmo "circus" deu importantes contribuições, não só para defesa e divulgação do seu conteúdo como para aplicação das idéias ali defendidas a outras áreas da análise econômica.

Foram outros economistas que desenvolveram o princípio do "multiplicador": a idéia de que as despesas de investimento do Estado aparecem ampliadas no crescimento do Produto Interno Bruto.

BRETON WOODS

Após a Segunda Guerra Mundial Keynes foi designado pela Inglaterra para representá-la nas negociações sobre a reorganização do sistema financeiro internacional, que decorreram em Breton Woods, nos EUA. Apesar do prestígio de Keynes, o fato de os EUA serem a verdadeira potência vencedora da guerra fez com que as idéias americanas, em parte diferentes das de Keynes, fossem as "vencedoras" em Breton Woods.

Keynes, por exemplo, defendia a criação de uma verdadeira moeda internacional, o Bancor, que deveria coexistir com as restantes moedas nacionais. Formalmente, chegou-se a criar uma moeda internacional, denominada "direitos de saque especiais", mas o mecanismo de indexação à moeda americana fez com que tivesse sido o dólar a verdadeira moeda internacional criada em Breton Woods.

INTERVENCIONISMO ESTATAL

A defesa que Keynes fez da intervenção do Estado ajudou a moldar o caráter intervencionista de todos os Estados modernos, mesmo daqueles que se dizem "não intervencionistas". A verdade é que Keynes defendia a intervenção do Estado apenas quando a economia se encontrava em crise, com desemprego elevado e não se mostrando capaz de se recuperar pelos seus próprios meios. Nesse caso, o Estado devia investir, complementando a insuficiência do investimento privado. Fora isso as empresas deveriam poder atuar sem intromissão estatal.

No entanto, a teoria keynesiana incentivou o aumento da influência dos Estados modernos na economia, que se tem mantido mesmo depois das idéias keynesianas terem sido postas em dúvida pela denominada "contra-revolução neoclássica", que defende o não intervencionismo do Estado -- o neoliberalismo.

Referências bibliográficas:

CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAMUELSON, Paul A. & NORDHAUS, William D. Economia. 12ª Edição. Lisboa: McGraw-Hill, 1988.


28 de setembro de 2007

História do pensamento econômico (VII)

Dando continuidade à série "História do pensamento econômico", coloco abaixo mais itens que compõem a chamada "escola keynesiana da economia", cujo principal representante é John M. Keynes.

A REVOLUÇÃO KEYNESIANA

A história da primeira metade do século XX foi marcada por duas grandes guerras, ditas mundiais: a primeira entre 1914 e 1918, a segunda entre 1939 e 1945. Outro acontecimento de relevo foi a grande crise econômica dos anos 30, que teve início num grande colapso na bolsa de Nova Iorque, ainda em 1929. A crise que se prolongou a todo o mundo pela década de 30 ficou conhecida como "A Grande Depressão".

O economista inglês John Maynard Keynes tornou-se famoso por várias razões. Em primeiro lugar pela crítica que fez às condições econômicas que os Aliados impuseram à Alemanha, após a Primeira Guerra Mundial.

Keynes, no entanto, viria a tornar-se ainda mais famoso por outra razão: com a publicação, em 1936, do livro Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, viria a revolucionar o pensamento econômico -- e por isso se fala de "revolução keynesiana" --, criando as bases para a formulação da macroeconomia. Ainda hoje as idéias de Keynes dividem o mundo do pensamento econômico em dois importantes grupos, conforme se situam a favor ou contra o pensamento geral formulado por Keynes em 1936. A influência de Keynes ainda se fez sentir diretamente nas negociações de reforma do sistema financeiro internacional, em Breton Woods, após a Segunda Guerra Mundial.

AS CONSEQÜÊNCIAS DA PAZ

Keynes começou sua carreira trabalhando para o governo inglês, após a Primeira Guerra Mundial, no processo de determinação das indenizações que a Alemanha teria de pagar aos vencedores. Keynes se opôs ao valor das indenizações fixadas, por considerar que eram demasiadamente elevadas e impossíveis de serem suportadas pela Alemanha; abandonou as negociações e escreveu um livro sobre o assunto, Conseqüências Econômicas da Paz, que se tornou imediatamente um livro famoso.

As idéias de Keynes não foram aceites pelos negociadores. O tempo provou que Keynes tinha razão neste assunto: a Alemanha nunca chegou a pagar a totalidade das indenizações fixadas e a natureza humilhatória com que foram consideradas pelos alemães ajudou a cimentar o espírito vingativo que contribuiu para o desencadear da Segunda Guerra Mundial. Mais do que isso: quando após a Segunda Guerra Mundial os EUA desenvolveram um plano para a reconstrução econômica da Europa (Plano Marshall), incluindo a Alemanha, estavam precisamente aplicando a idéia defendida por Keynes. Uma das condições impostas pelos americanos para concederem essa ajuda foi a de que os países europeus cooperassem entre si e coordenassem as suas políticas, e este foi o embrião do que se viria a transformar na atual União Européia. Portanto, de certo modo, até na realidade econômica que atualmente domina os países europeus encontramos a influência de Keynes.

TEORIA GERAL DO EMPREGO, DO JURO E DA MOEDA

A grande novidade da teoria apresentada por Keynes no seu livro de 1936 foi a negação do que os economistas vinham acreditando desde o tempo dos clássicos, ou seja, que a economia funcionava de tal modo que, automaticamente, ela se autoregulava e atingia o equilíbrio, sem produção em excesso ou recursos livres para serem utilizados.

Apesar desta visão otimista, era evidente que, de tempos a tempos, ocorriam crises, quer de superprodução, quer de desemprego. Estas crises eram, no entanto, vistas como exceção e não como a regra, ou então eram consideradas como o resultado da intromissão do Estado na economia. Sem tal intromissão, pensava-se, as crises nunca ocorreriam ou seriam rapidamente corrigidas.

A grande crise, iniciada em 1929 nos EUA e propagada durante os anos 30 por todo o mundo, representou uma evidente manifestação de que as teorias de autoregulação da economia não estavam certas. No entanto, Keynes foi o primeiro a apresentar uma formulação teórica que, ao contrário da teoria dominante, afirmava que as crises eram inerentes ao funcionamento da economia e que, se a economia fosse deixada sozinha, ela caminharia para o desequilíbrio.

Portanto, de acordo com a teoria keynesiana, o Estado deveria intervir para evitar ou corrigir as crises econômicas. Além de alterar a visão dominante que via a economia como um sistema que se regulava automaticamente, Keynes apresentou um forte argumento a favor da intervenção do Estado na atividade econômica.

As idéias de Keynes foram inicialmente recusadas, tanto pelas universidades como pelos políticos. No entanto, a crise econômica afetara de modo tão profundo a vida dos países e das pessoas que os governos se viram obrigados a intervir, principalmente por motivos de natureza social. Nos Estados Unidos foi desenvolvido um programa de obras públicas destinado a atenuar as conseqüências do elevado desemprego -- o New Deal.

Contudo, foi particularmente o esforço de guerra nos EUA durante a Segunda Guerra Mundial -- ou seja, o fato da economia americana ter sido estimulada pelas encomendas de armamento feitas pelo governo americano -- que mais efeito teve na recuperação econômica.

No fim da Segunda Guerra Mundial, tanto os países que tinham perdido a guerra como os vencedores europeus estavam economicamente muito enfraquecidos. No entanto, nos EUA, a economia tinha recuperado totalmente.

A teoria de Keynes foi se afirmando no meio universitário, ao mesmo tempo em que o exemplo de sucesso econômico dos Estados Unidos se propagava por todo o mundo não comunista, a ponto de, nos anos 70, o presidente norte-americano Richard Nixon ter afirmado que todos os países eram keynesianos.

A contestação às teorias de Keynes só veio ressurgir a partir dos anos 80, particularmente depois da crise originada pelos súbitos aumentos do preço do petróleo (em 1973 e 1979), para a qual as políticas keynesianas não se manifestaram satisfatórias. Surgia então o neoliberalismo.

A crise financeira ocorrida na Ásia no final dos anos 90, por outro lado, parecem dar alguma razão às teorias keynesianas. O pensamento econômico da atualidade continua, assim, dividido entre os herdeiros do pensamento keynesiano e os herdeiros do pensamento clássico, cada um deles dividido em várias escolas ou correntes de pensamento.

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas:

CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAMUELSON, Paul A. & NORDHAUS, William D. Economia. 12ª Edição. Lisboa: McGraw-Hill, 1988.


História do pensamento econômico (VI)

Dando continuidade à série "História do pensamento econômico", coloco abaixo mais itens que compõem a chamada "escola marxista da economia", cujo principal representante é Karl Marx.

O Capital

A principal publicação de Marx foi O Capital, volumosa obra em 4 volumes, tendo o primeiro sido publicado em 1867 e o último em 1910, já depois da morte de Marx.

Como já foi dito, Marx admitia que o capitalismo tinha tido um papel progressista, fazendo avançar a sociedade em termos econômicos e igualmente em termos políticos. Mas o capitalismo também estava destinado a desaparecer e, para isso, Marx apresentou vários argumentos.

Marx entendia que uma das principais contradições do modo de produção capitalista estava entre a natureza privada da propriedade do capital e a natureza social do trabalho. Os capitalistas apropriavam-se, indevidamente, de uma parte da riqueza criada pelo proletariado, que designou como mais-valia.

Retomando a análise dos economistas clássicos, e particularmente de Ricardo, afirmou que, da riqueza total criada pelo processo produtivo, uma parte servia para pagar a subsistência dos trabalhadores (salários), outra para repor o capital inicialmente utilizado, e sobrava uma última parte de que os capitalistas, indevidamente, se apropriavam. Todavia, enquanto os clássicos entendiam como normal que esse “excedente” fosse entregue aos proprietários do capital (terras, máquinas), Marx entendia que essa mais-valia era devida aos proletários, pois eram eles que criavam a riqueza. O problema da propriedade do capital era resolvida por Marx de uma forma radical: ela deveria ser retirada aos capitalistas e passar a propriedade coletiva.

Assim, ao contrário dos economistas clássicos, Marx não só aceitava a intervenção do Estado na Economia, como achava mesmo que toda a economia deveria ser dirigida pelo Estado. Claro que este Estado, segundo Marx, deveria ser dirigido pelo proletariado através do seu partido. Quando este processo de transição da propriedade estivesse concluído, deixaria de haver burguesia e deixaria igualmente de haver luta de classes.

O Fim do Capitalismo

A necessidade de retirar a propriedade do capital à burguesia impunha que, através da luta política, o proletariado lutasse para tomar o poder político. No entanto, independentemente dessa luta o capitalismo teria de desaparecer, segundo Marx. Um dos argumentos apresentado por Marx a favor desta tese foi ao da lei da queda tendencial da taxa de lucro. Através duma argumentação baseada num modelo matematizado, Marx julgava ter provado que esta tendência de longo prazo da taxa de juro para diminuir acabaria com o capitalismo -- já que o lucro, segundo ele, era a principal razão que movia os capitalistas.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que taxa de lucro diminuía, os capitalistas ver-se-iam obrigados a explorar cada vez mais o proletariado (que nessa altura se encontrava sujeito a condições de exploração muito desumanas) e o resultado disto seria a inevitável revolta das massas trabalhadoras contra a burguesia capitalista.

A argumentação de Marx baseava-se na previsão de que a quantidade de capital físico aumentava mais do que proporcionalmente do que a mão-de-obra, e seria este simples fato que levaria a taxa de lucro a diminuir. Sabemos hoje que esta acumulação de capital, em vez de fazer diminuir a taxa de lucro, permitiu às economias capitalistas gerar uma quantidade de riqueza suficiente para manter o motor do lucro e melhorar as condições e trabalho dos assalariados, que hoje trabalham muito menos horas e recebem remunerações muito maiores - processo que é ainda mais evidente nos países em que se realizou maior acumulação de capital.

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas:

CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAMUELSON, Paul A. & NORDHAUS, William D. Economia. 12ª Edição. Lisboa: McGraw-Hill, 1988.


26 de setembro de 2007

História do pensamento econômico (V)

Dando continuidade à série "História do pensamento econômico", coloco abaixo mais itens que compõem a chamada "escola marxista da economia", cujo principal representante é Karl Marx.

ESCOLA MARXISTA

Karl Marx nasceu em 1818 na Prússia em uma área atualmente pertencente à Alemanha, no seio de uma família judaica convertida ao protestantismo. Enquanto estudante de liceu Marx foi influenciado pelo liberalismo francês e pelos ideais da Revolução Francesa.

Marx foi estudante universitário em Bonn, onde participou na vida das associações de estudantes, que eram igualmente perseguidas pelas autoridades devido às suas orientações progressistas. Mais tarde mudou para a Universidade de Berlim.

Terminada a licenciatura, verifica que não pode dar aulas devido aos seus ideais liberais. Conclui o doutoramento, mas continua a não poder dar aulas. Começa então a trabalhar como redator do jornal A Gazeta Renana, redigindo artigos de natureza política contra o Governo. O jornal acaba sendo fechado pela polícia. Casa-se nesta época. Impedido de trabalhar, parte para Paris, onde continua a sua atividade de intervenção política através de jornais e revistas, ao mesmo tempo em que aprofunda os seus estudos filosóficos e começa a formular a teoria que se veio a designar como marxismo.

A sua atividade política continua lhe causando problemas, e por isso se muda mais tarde para Bruxelas e finalmente para a Inglaterra, onde viveu com a família até ao fim dos seus dias e onde escreveu o seu livro mais famoso, O Capital. Marx viveu na miséria a maior parte da sua vida, sem dinheiro para a comida, para o aquecimento ou para os medicamentos.

Os Modos de Produção

O Marxismo é simultaneamente uma teoria econômica e política. Segundo a visão de Marx, a sociedade, na sua evolução, passa necessariamente por fases evolutivas associadas ao nível de desenvolvimento das forças produtivas, que ele classifica em termos de modos de produção.

As modificações associadas à Revolução Industrial impuseram o modo de produção capitalista, que era aquele que Marx entendia que caracterizava a economia do seu tempo. A seguir viria o modo de produção socialista.

Um elemento definidor dos modos de produção era a propriedade dos meios de produção, aquilo a que hoje designamos como capital. No modo de produção rural o principal meio de produção era a terra, a qual era propriedade da nobreza.

Com o advento do capitalismo, a propriedade do principal meio de produção (capital físico) estava nas mãos da burguesia capitalista. Finalmente, no futuro modo de produção socialista, seriam os proletários que possuiriam a propriedade dos meios de produção.

Marx associava intimamente a propriedade dos meios de produção ao nível político. Os detentores dos meios de produção eram também a classe dominante. Antes tinha sido a nobreza através do sistema feudal, no tempo de Marx era a burguesia através da democracia parlamentar, no futuro seria o operariado através da ditadura do proletariado

Inevitabilidade da Revolução

Segundo Marx, tratava-se de um processo histórico e progressivo. A burguesia, ao suplantar a nobreza, tinha tido um papel progressista, mas esse papel estava se esgotando. Dependia agora do proletariado avançar para a fase seguinte. Marx tinha uma visão determinística do processo: nada poderia impedir esta sucessão de acontecimentos, podia-se apenas apressar ou retardar a sua eclosão. É a teoria que se designa como materialismo histórico. Correspondente a cada modo de produção existia uma classe que avançava com o processo de transformação da sociedade, enquanto as outras se opunham: portanto a história avançava através da luta de classes.

Marx entendeu que era um papel dos intelectuais como ele, que se apercebiam do processo histórico, ajudar a acelerar as mudanças, já que eles significavam progresso. Por isso Marx empenhou-se na organização do proletariado em partidos políticos, com vista à tomada do poder. Em 1848 Marx publicou o Manifesto Comunista. Ajudou também a organizar uma estrutura que se destinava a coordenar os partidos proletários, a Internacional Socialista. No entanto, esta atividade intelectual não poderia substituir a revolução que, mais tarde ou mais cedo, eclodiria sob uma forma violenta.

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas:

CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAMUELSON, Paul A. & NORDHAUS, William D. Economia. 12ª Edição. Lisboa: McGraw-Hill, 1988.


História do pensamento econômico (IV)

Dando continuidade à série "História do pensamento econômico", coloco abaixo mais itens que compõem a chamada "escola marginalista da economia".

ESCOLA MARGINALISTA

Como a Escola Marginalista concordava com alguns dos aspectos da Escola Clássica, podemos defini-la como sendo um dos ramos da Escola Neoclássica.

A teoria da utilidade marginal do valor foi formulada, de forma independente, pelo inglês William Jevons, pelo austríaco Carl Menger e pelo francês Leon Walras no final do século XIX. Analisaremos aqui apenas o trabalho de Walras, nomeadamente o seu livro Elementos de Economia Política Pura. Embora as descobertas dos três pensadores sejam de importância equivalente, Walras procedeu a uma formalização matemática que influenciou bastante o curso futuro da Economia.

Desde muito cedo Walras defendeu a livre concorrência e a iniciativa privada, tendo mesmo mantido polêmicas com os socialistas a este respeito. Foi na seqüência destas polêmicas que ele decidiu elaborar um sistema capaz de fundamentar as suas opções. A sua formação em engenharia e o domínio da matemática ajudaram-no a obter os resultados que desejava. Walras aproveitou idéias de vários antecessores, nomeadamente a noção de interdependência de todos os fenômenos sociais e a idéia de que o valor deriva da utilidade e da escassez.

Recordemos que os economistas clássicos como Adam Smith, embora admitindo que a oferta e a procura influenciavam o preço de mercado (valor de troca), entendiam que, em última análise, era da capacidade de um produto para satisfazer as necessidades de uma pessoa que derivava o seu valor de uso, o que poderemos considerar como equivalente de utilidade.

Walras foi o primeiro a procurar construir, com a ajuda de um sistema de equações, um modelo para explicar o equilíbrio geral das trocas, intermediado pelos preços. Neste sentido ele é certamente um dos precursores da Econometria.

O valor de troca é uma grandeza. Ela depende das matemáticas. A economia política pura ou a teoria do valor de troca é como a mecânica, a hidráulica, uma ciência fisico-matemática (WALRAS, citado por CANO, 1998, p. 89).

Os marginalistas defendem que a utilidade marginal de um bem é uma função decrescente da quantidade disponível desse bem. Defenderam igualmente que a utilidade total, para um indivíduo, resulta da adição das utilidades proporcionadas pelo consumo de cada bem.

"Se é certo que a raridade e o valor de troca são dois fenômenos concomitantes e proporcionais, certo é que a raridade é a causa do valor de troca" (WALRAS, citado por CANO, 1998, p. 92). Esta afirmação de Walras é a mesma que hoje utilizamos ao estudar a lei da utilidade marginal decrescente, com as designações de escassez no lugar de raridade, e preço no lugar de valor de troca.

A descoberta dos marginalistas permitiu finalmente resolver o paradoxo do valor, com que os economistas clássicos tinham debatido sem sucesso. Os diamantes atingiam preços mais elevados do que a água -- podiam agora explicar os marginalistas -- devido à sua maior raridade. A lei das utilidades marginais decrescentes implicava que o preço fosse determinado pela utilidade marginal das últimas unidades consumidas, que era menor nos bens mais abundantes.

Ora, para se atingir a maximização da utilidade é essencial o sistema de concorrência. Desta forma Walras pretende provar a sua defesa do sistema capitalista. Ele constrói o seu modelo a partir da lei de igualdade das utilidades marginais por unidade monetária. De acordo com esta lei pode-se afirmar que a procura dos consumidores é função dos preços de equilíbrio.

Esta equivalência de utilidades marginais por unidade monetária também pode ser estendida, como o faz Walras, ao comportamento do produtor quando vende um bem ou um serviço. Ficar sem um produto ou prestar um serviço supõe um sacrifício, ou seja, uma "desutilidade".

O sistema global de Walras teve como resultado a determinação do equilíbrio geral, ou seja, aquilo que designaríamos hoje como interação da oferta e a procura em mercados concorrenciais, não apenas para um bem, mas para um conjunto de bens simultaneamente - pois, como vimos, tem de existir equilíbrio entre as utilidades marginais por unidade monetária de todos os bens adquiridos (ou desutilidade para os fatores de que prescindimos).

SUBJETIVIDADE

O conceito de utilidade arrasta consigo a noção de subjetividade: a utilidade que um bem pode ter para uma pessoa é diferente da utilidade que esse mesmo bem pode ter para outra pessoa. Se o valor de um bem resultasse do trabalho necessário para o produzir (como defendia Marx) então esse valor seria sempre o mesmo, seria objetivo. A subjetividade do valor de um bem significa que ele varia de pessoa para pessoa.

Os marginalistas tinham consciência de que a utilidade apenas poderia ser mensurada cardinalmente (ou seja, como "maior que" ou "menor que"). Walras tem consciência de que a utilidade, com a sua característica subjetiva, se encontra no domínio da psicologia. No entanto entende que nem por isso deixa de poder ser traduzida matematicamente, já que a utilidade acaba por ser refletida no preço, que é um valor susceptível de ser tratado matematicamente.

OTIMISMO

A visão da escola marginalista permitiu à economia adotar uma visão otimista, ultrapassando as visões clássicas (nomeadamente de Ricardo) relativas à população e à diminuição da taxa de lucro, que implicavam um “estado estacionário”. A verdade é que a observação da realidade não apresentava provas de que os salários reais estivessem subindo ou que as taxas de lucro estivessem descendo.

O sistema marginalista mostrava como a economia dispunha de um mecanismo de adaptação automática que não só permitia como incentivava o progresso técnico, e daí a conclusão de que a economia poderia -- e deveria -- ser deixada livre, entregue às suas leis, que resolveriam qualquer problema da melhor forma possível. Este otimismo e a conclusão de que a economia possui forças e mecanismos internos que lhe permitem obter os melhores resultados possíveis é algo equivalente à metáfora da "mão invisível" de Adam Smith.

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas:

CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAMUELSON, Paul A. & NORDHAUS, William D. Economia. 12ª Edição. Lisboa: McGraw-Hill, 1988.


24 de setembro de 2007

História do pensamento econômico (III)

Dando continuidade à série "História do pensamento econômico", coloco abaixo mais itens que compõem a chamada "escola neoclássica da economia", cujo principal representante é Alfred Marshall.

ESCOLA NEOCLÁSSICA

Marshall foi o protótipo do professor e investigador universitário. Toda a sua vida foi dedicada ao ensino e divulgação da economia. Era também uma pessoa preocupada com os problemas sociais do seu tempo, como o problema da pobreza, para cuja solução a economia deveria contribuir, como instrumento de reforma social.

A minha mais estimada ambição, o meu mais elevado propósito, será o de, com a minha fraca capacidade e a minha força limitada, poder aumentar o número daqueles que, partindo de Cambridge, a terra-mãe dos homens fortes, vão para o mundo com cabeça fria mas coração quente, dispostos a oferecer, pelo menos, parte das suas capacidades para lidar com o sofrimento social que nos rodeia, decididos a não sossegarem enquanto não tiverem feito o que estiver ao seu alcance para descobrir em que medida é possível proporcionar a todos os meios materiais para uma vida nobre e digna (MARSHALL, citado por CANO, 1998, p. 71.

Segundo Marshall, a teoria econômica deveria ser um mecanismo para a descoberta da verdade. Esta definição mostra que Marshall estava mais inclinado a encarar a economia como o estudo do comportamento humano do que como a ciência da riqueza.

No seu livro Princípios de Economia, Marshall utiliza um estilo didático, recorrendo a exemplos familiares para tornar acessíveis as suas idéias, enquanto que a argumentação lógica mais difícil foi relegada para as notas de rodapé -- o que levou Keynes a sugerir que os economistas fariam melhor em ler as notas e ignorar o texto.

A IMPORTÂNCIA DO TEMPO

A introdução do fator tempo é considerada uma das principais contribuições de Marshall, ou seja, a noção de que o processo de ajustamento da economia era diferente conforme se realizava no curto prazo ou o longo prazo.

Em períodos de tempo curtos a quantidade de produtos oferecidos pelos empresários era fixa, e o ajustamento entre oferta e procura far-se-ia de acordo com essa oferta fixa. Mas em um período de tempo mais longo a quantidade oferecida já não seria fixa: os empresários poderiam aumentar ou diminuir a capacidade de produção, por exemplo.

A diferenciação entre curto e longo prazo permite resolver o velho dilema de saber se o preço de mercado é influenciado pela utilidade subjetiva (utilidade marginal do consumidor) ou pelos custos de produção. Os economistas clássicos tinham tido a intuição de que ambas as coisas influenciavam o preço, mas não tinham conseguido esclarecer devidamente em que condições cada uma delas atuava. Marshall clarificou esta questão: no curto prazo é a utilidade que mais contribui para determinar o preço; no longo prazo esse papel cabe aos custos de produção.

Em todo o caso, a influência da oferta e da procura nunca se deixa de verificar, tanto no curto como no longo prazo. Ambas estão sempre presentes, contribuindo para a fixação dos preços; o que varia é o papel ativo ou passivo de cada uma. No curto prazo o papel ativo é desempenhado pela procura, no longo prazo pela oferta.

Desta forma elegante, Marshall integrou a teoria marginal na análise que os economistas clássicos tinham realizado, e esta síntese é um dos traços distintivos da Escola Neoclássica.

A ECONOMIA DO EQUILÍBRIO

Uma das idéias dominantes do pensamento econômico de Marshall era o da continuidade, que ele acentuou com a expressão latina Natura non facit saltum -- a natureza não atua por saltos, por rupturas ou transições bruscas. Toda a conceitualização do sistema de Marshall se orienta para o equilíbrio.

Marshall procurou compreender as regularidades inerentes aos fenômenos econômicos, com o objetivo de formalizar generalizações ou leis explicativas dessas regularidades. Trata-se portanto de um projeto de investigação científica. Mas Marshall associa ao comportamento econômico virtualidades morais, pretendendo que a atividade economia pode ajudar o indivíduo a formar um caráter saudável, ao contribuir para a promoção do bem comum. O projeto de Marshall é científico, mas igualmente moralista.

CETERIS PARIBUS

Compreendendo que o número de variáveis que atuam na esfera econômica é muito grande e que todo o sistema é complexo, ele isola os fenômenos, estuda uma variável de cada vez, partindo do pressuposto que tudo o resto se mantém constante, princípio que usualmente designamos pela expressão latina “ceteris paribus”.

Esta simplificação também se aplica aos mercados: embora na vida real exista uma influência mútua entre produtos, a análise marshaliana (igual à dos atuais manuais introdutórios de economia) analisa as condições de equilíbrio entre oferta e procura para cada produto isolado.

Outro aspecto desta simplificação é a da consideração do "homem econômico" (homo economicus). O comportamento do consumidor é descrito em termos puramente econômicos, embora se saiba que, na realidade, este comportamento é influenciado por muitos fatores não econômicos. Também aqui a simplificação toma a forma do princípio ceteris paribus: estudam-se apenas os fatores econômicos considerando que os restantes fatores se mantêm constantes (e, nesse caso, não influenciando o curso dos acontecimentos).

Outra idéia claramente marshaliana é a do excedente do consumidor, que ele define como o valor monetário da utilidade que um consumidor obtém quando o preço de compra desse bem é inferior ao preço que ele pagaria de preferência a passar sem esse bem. A soma do excedente dos vários consumidores de um bem corresponde à área compreendida entre a curva de procura de mercado e o preço desse bem. O conceito é elegante mas tem sido criticado pelas simplificações que pressupõe, principalmente a de que se pode adicionar as utilidades individuais dos consumidores e a de que a utilidade marginal da moeda não se altera com a modificação dos preços.

Outra criação marshaliana é a da elasticidade-preço da procura, que se transformou num instrumento padrão da medida da sensibilidade da procura de um produto quando o seu preço se altera.

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas:

CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAMUELSON, Paul A. & NORDHAUS, William D. Economia. 12ª Edição. Lisboa: McGraw-Hill, 1988.


23 de setembro de 2007

História do pensamento econômico (II)

Dando continuidade à série "História do pensamento econômico", coloco abaixo mais itens que compõem a chamada "escola clássica da economia", cujo principal representante é Adam Smith.

LIBERDADE DE COMÉRCIO

Outro aspecto importante da teoria de Smith é a defesa da liberdade de comércio e o ataque ao mercantilismo, que ele considera ser uma teoria elaborada pelos comerciantes para proteger os seus próprios interesses.

Retomando o argumento de Hume, de que os preços acompanham o aumento ou diminuição de moeda, e salientando o fato de Portugal e Espanha, como proprietários de minas, serem meros distribuidores de ouro e prata para os outros países da Europa, Smith diz:

Os altos preços de todas as outras mercadorias, que são o efeito necessário do excesso de metais preciosos, desencoraja tanto a agricultura como as manufaturas de Espanha e Portugal. (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 49)

Smith combate, portanto, a intervenção do Estado no controle do comércio externo: "Os prêmios à exportação do trigo [na Inglaterra] atuam exatamente no mesmo sentido da absurda política de Espanha e Portugal: permite aos estrangeiros comer mais barato o nosso trigo" (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 59).

CONTRA A TEORIA MERCANTILISTA DA MOEDA

Grande parte da argumentação de Smith destina-se a provar o erro dos mercantilistas na sua defesa de que um país seria tanto mais rico quanto maior quantidade de ouro e prata fosse acumulada pelo seu soberano.

Começa logo por salientar que a economia, considerada como o ramo da ciência de um estadista ou legislador, propõe-se assim enriquecer tanto os indivíduos como o soberano. Ou seja, uma nação também enriquece quando enriquecem os indivíduos, e não apenas o governo.

Para provar este argumento, Smith recorre abundantemente aos exemplos da Espanha e de Portugal, que têm muito ouro e leis proibindo a sua saída (políticas mercantilistas), mas que mesmo assim não conseguem impedir a perda desses metais, além de se tornarem países pobres.

CONTRA OS MONOPÓLIOS

Na batalha de Smith contra as idéias mercantilistas, ele recorre freqüentemente ao exemplo português, atacando especialmente a constituição de monopólios, seja do rei, seja de particulares. "De todos os expedientes que se podem utilizar para travar o crescimento natural de uma colônia, o de uma companhia exclusiva é, sem dúvida, o mais eficaz", afirma Smith (citado por CANO, 1998, p. 61), e apresenta como exemplo o do monopólio do comércio com as províncias de Pernambuco e Maranhão, no Brasil, política que foi adotada por Portugal depois de ter sido abandonada por todas as outras nações. Smith conclui que, com tais políticas, as colônias de Espanha e Portugal encorajam mais a indústria de outros países do que a de Espanha e Portugal.

Defensor da liberdade de comércio e da liberdade dos indivíduos em termos de atividade econômica (por causa da "mão invisível"), Smith também se insurge contra as leis restritivas da produção e comércio que a Grã-Bretanha aplica às suas colônias da América, argumentando que "proibir um grande povo de fazer o que quiser da sua própria produção ou de empregar o seu capital e indústria da maneira que consideram mais vantajosa constitui uma manifesta violação dos mais sagrados direitos da humanidade" (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 62).

Qual a origem das políticas mercantilistas? Segundo Smith, são os mercadores, desejosos de obter elevados lucros, que defendem essas políticas e influenciam os governantes. É certo que, protegidos pelos monopólios, alguns mercadores ganham mais. Todavia, a política mercantilista, contribuindo para exagerar o afluxo de metais preciosos, faz subir os preços internos, dificultando o aumento de capital (ou seja, o investimento em atividades produtivas) e, dessa forma, diminuindo os ganhos totais que um país pode obter.

No entanto, no caso dos monopólios, há lugar para uma exceção: Smith admite o apoio a monopólios temporários, para compensar os mercadores que se encarregam, por sua conta e risco, de estabelecer um novo ramo de negocio em qualquer nação bárbara e remota; mas, uma vez expirado o prazo, o monopólio deveria naturalmente terminar.

CONTRA A INTERVENÇÃO DO ESTADO

A defesa de Smith das vantagens da iniciativa privada tem como contrapartida a sua desconfiança das intervenções do estado na economia. Já o vimos a propósito dos monopólios comerciais.

Smith manifesta-se contra as despesas públicas, com base no pressuposto de que gastos públicos, financiados por impostos ou dívida pública desviam trabalho produtivo para empregos improdutivos. "As grandes nações não são jamais arruinadas pela prodigalidade e mau emprego dos capitais privados, embora às vezes o sejam pelos públicos ... Na maior parte dos países a totalidade ou quase totalidade das receitas públicas é empregada na manutenção de indivíduos não produtivos" (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 64).

De novo busca o exemplo das nações ibéricas: "A indústria não é aí [na Espanha e em Portugal] nem livre nem segura e os governos civis e eclesiásticos de Espanha e Portugal são de tal ordem que só por si seriam suficientes para perpetuarem o seu atual estado de pobreza ... Esta má política não é, nesses países, contrabalançada pela liberdade e segurança geral do povo" (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 64).

TRABALHO PRODUTIVO E IMPRODUTIVO

Adam Smith segue de perto a argumentação dos fisiocratas quanto à classificação de trabalho produtivo ou improdutivo, mas introduz uma importante alteração. Os fisiocratas consideravam como produtivos apenas os agricultores e os proprietários de terras, pertencendo os restantes às classes estéreis.

Smith aceita a definição fisiocrática das classes produtivas (agricultores e os proprietários). Todavia, no caso dos mercadores, artífices e manufaturadores, introduz uma nuance: estes não são totalmente "estéreis". Para Smith, "produtivos" seriam aquelas classes que, além de produzirem para o seu sustento, ainda produzem um excedente de riqueza (produto líquido, ou seja, depois de se deduzirem os gastos na sua manutenção). E afirma que "é por isso que coloquei os artífices, manufaturadores e mercadores nos trabalhadores produtivos, e os trabalhadores domésticos nos trabalhadores estéreis e improdutivos" (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 65).

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas:

CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAMUELSON, Paul A. & NORDHAUS, William D. Economia. 12ª Edição. Lisboa: McGraw-Hill, 1988.


22 de setembro de 2007

História do pensamento econômico (I)

Atendendo a pedidos, começarei uma nova série de artigos sobre economia. O objetivo é mostrar a evolução do pensamento econômico durante o decorrer da história passando por cinco correntes de pensamento: a escola clássica; a escola neoclássica; a escola marginalista; a escola marxista; e a escola keynesiana. Cada uma teve seu período de auge, mas elementos de todas elas estão presentes no pensamento econômico atual.

ECONOMIA CLÁSSICA

Adam Smith nasceu na Escócia, em 1723. Foi um bom aluno e estudou em Oxford e Glasgow como bolsista. Quase foi expulso da Universidade quando foi encontrado no seu quarto o Tratado sobre a Natureza Humana, de David Hume, livro considerado pouco recomendado. Era dotado para o ensino, tendo sido professor universitário na Escócia (Edimburgo e Glasgow).

Smith abandonou a carreira de professor para se tornar professor particular -- ocupação melhor paga e que lhe permitiu viajar pela Europa e conhecer pessoalmente muitos dos principais pensadores da época, entre eles Voltaire e François Quesnay.

O FUNDADOR DA ECONOMIA

Geralmente considera-se que a Economia foi fundada em 1776 com a publicação do livro A Riqueza das Nações, de Adam Smith. Isto não significa que não tenha existido pensamento econômico antes disso, ou mesmo “economistas” -- os fisiocratas são geralmente considerados “os primeiros economistas”. Muitas das análises expostas por Adam Smith já tinham sido formuladas anteriormente. No entanto, no seu livro, pela primeira vez, a teoria econômica é apresentada de forma sistemática e autônoma (independente de outras áreas do conhecimento, como a filosofia ou a ética).

O período de Adam Smith corresponde ao início da Revolução Industrial. No entanto, esse fato não é especialmente salientado no livro; as invenções técnicas e a mecanização da produção estavam dando os primeiros passos e, embora existisse um sentimento de otimismo relativamente ao papel da inovação tecnológica e organizativa -- e Adam Smith apresenta alguns exemplos -- não era evidente que se iria operar uma mudança tão grande na atividade produtiva como aconteceu.

A "MÃO INVISÍVEL"

A metáfora da "mão invisível" é talvez a mais famosa e citada contribuição de Adam Smith. Com ela pretende-se mostrar como a atuação de cada indivíduo, embora guiada apenas pelo interesse pessoal e não para o bem comum, acaba por contribuir para o bem de todos. "O indivíduo, ao tentar satisfazer o seu próprio interesse, promove, freqüentemente, de uma maneira mais eficaz, o interesse da sociedade, do que quando realmente o pretende fazer", dizia Smith (citado em CANO, 1998, p. 44).

Na verdade, aquilo que o indivíduo tem em vista é para seu próprio benefício e não o da sociedade, mas acaba por tomar as decisões mais vantajosas para a sociedade, como se estivesse sendo guiado por uma mão invisível a atingir um fim que não fazia parte das suas intenções.

"Não é da bondade do homem do talho, do cervejeiro ou do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração em que eles têm o seu próprio interesse. Apelamos não para a sua humanidade mas para o seu egoísmo, e nunca lhes falamos das nossas necessidades, mas das vantagens deles" (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 49).

Adam Smith não se limita a defender o comportamento egoísta do indivíduo, mas chega a pôr em dúvida a eficácia dos que agem por altruísmo, particularmente no ramo dos comerciantes: "Nunca vi nada de bom feito por aqueles que se dedicaram ao comércio pelo bem público" (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 54).

DIVISÃO DO TRABALHO

Outro aspecto salientado por Adam Smith é o da divisão do trabalho. Para provar a vantagem desta forma de organizar a produção ele apresenta o exemplo da fábrica de alfinetes. Se cada operário se ocupasse em produzir cada alfinete do princípio ao fim, mal poderia produzir um alfinete num dia e não seria, com certeza, capaz de produzir vinte. Todavia, com a divisão e especialização de tarefas, "um homem puxa o arame, outro o endireita, um terceiro corta-o, um quarto aguça-o, um quinto afia-lhe o topo para receber a cabeça" e desta forma "dez homens produziam em conjunto mais de 48 mil alfinetes em um dia, ou seja, cada homem produziria quatro mil e oitocentos alfinetes por dia" (SMITH, citado por CANO, 1998, p. 56).

A vantagem desta forma de produzir, segundo Smith, é devida a três circunstâncias: possibilita a obtenção de maior destreza de cada homem, permite uma economia de tempo -- evita a perda de tempo de se passar de uma tarefa a outra -- e facilita o trabalho graças à utilização de máquinas apropriadas, porque os homens têm muito maior probabilidade de descobrir métodos mais fáceis e rápidos de atingir um certo objetivo quando toda a atenção do seu espírito está concentrada num único objetivo.

Outra conclusão é a de que a divisão do trabalho é limitada pela dimensão do mercado, ou seja, quanto maior o mercado, maiores são as possibilidades de realizar a divisão do trabalho, e, logo, maiores os ganhos.

No entanto, a divisão e a especialização do trabalho levantam um outro desafio: uma vez estabelecida a divisão do trabalho, o trabalho de cada homem não produz mais do que uma ínfima parte das suas necessidades e, portanto, a maior parte das suas necessidades só poderá ser satisfeita através da troca. Uma vez que a divisão do trabalho se tenha estabelecido completamente, só uma parte muito pequena das necessidades de cada pessoa será suprida pelo produto do seu trabalho e assim todos os homens vivem da troca.

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas:

CANO, Wilson. Introdução à economia: uma abordagem crítica. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

SAMUELSON, Paul A. & NORDHAUS, William D. Economia. 12ª Edição. Lisboa: McGraw-Hill, 1988.


Formação econòmica do Brasil (VIII)

Para finalizar a série sobre a formação econômica do Brasil, apresento abaixo as idéias de outro autor referentes a um período específico (séc. XIX) e sobre um tema específico: a relação da economia com a educação.

Mesmo com uma gigantesca oferta de terras e de relações entre estas e o trabalho, a produtividade do trabalho brasileiro no século XIX pode ser caracterizada como de baixa eficiência. Pode-se afirmar que esse baixo nível de produtividade dá-se em decorrência dos baixos níveis técnicos encontrados no país, além dos altos custos com o transporte das regiões produtoras para as regiões consumidoras ou regiões canalizadores da exportação. Apenas a título de exemplo, os custos de transporte eram tão elevados na região cafeeira que terça parte do valor do café era consumida com o transporte. No caso da região cafeeira em particular, esse problema resolveu-se em parte logo após a construção das estradas de ferro. Os setores mais desenvolvidos e mais produtivos eram aqueles que se dedicavam exclusivamente para a exportação. No entanto, esses setores possuíam grandes falhas de mercado, para pouco citá-las, a concentração de terras nas mãos de poucos empresários, acarretando em uma maior disparidade na distribuição de renda da região em questão.

Com relação a educação do Brasil no século XIX, as matrículas efetivadas no nível primário no de 1857 não ultrapassara 1% da população do país. Somente a partir da segunda metade desse século que o número de matriculas no nível primário de ensino começou a elevar-se, e essa elevação foi, por sinal, consideravelmente alta. Porém em termos absolutos, o número de pessoas com idade escolar permaneceu baixo. A rápida elevação no número de matrículas nas escolas primárias a partir da segunda metade do século XIX deparou-se com a precariedade do desenvolvimento do ensino no país, pois pouco se investia na educação por parte do governo. A educação promove um impacto de larga escala no desenvolvimento econômico, tendo em vista que essa promove um progresso técnico da economia, tanto no âmbito da produção quanto no âmbito da melhoria do sistema econômico em si. A inovação técnica promovida pela educação, e sua difusão necessitava mais do estoque de capital humano do país do que do fluxo de pessoas alfabetizadas.

A estrutura social brasileira no período analisado tem sido conceituada a partir da idéia de uma dicotomia (senhor e escravo). Porém, Leff destaca que essa concepção excluí a grande quantidade de pessoas dentro de um estrato intermediário (grileiros, meeiros e pequenos fazendeiros). Essa classe, por depender de oportunidades e alternativas para sobreviver, empregava-se quase que totalmente para a produção do mercado interno ou para a produção de subsistência. O setor agrícola interno brasileiro tinha uma fundamental importância na economia do país na medida em que esse setor era o que estruturava a economia junto com as exportações e, além disso, esse setor tinha um forte peso na economia global, e o seu crescimento econômico em baixa escala diminui o desenvolvimento econômico agregado.

A inexistência de documentos e estimativas a cerca da renda nacional brasileira dificulta o estudo desse aspecto econômico, com isso os estudos realizados a respeito do crescimento da renda na economia são em grande parte inadequados.

Em quase todo o século XIX a renda per capita brasileira obteve mesmo que baixo um crescimento observável. A renda cresceu juntamente com a população proporcionando um aumento relevante no produto agregado. A região que maior se desenvolveu nesse aspecto foi sem sombra de dúvidas a região cafeeira, e isso proporcionou-lhe um maior destaque com relação aos estudos da renda per capita brasileira. Vários modelos de como calcular o crescimento da renda per capita foram utilizados, e o principal deles diz que a taxa percentual de mudança da renda no tempo é igual à soma das taxas de mudança dos meios de pagamento deflacionados e da velocidade de circulação da renda monetária. A renda brasileira como um todo não cresceu mais do que a taxa de aumento demográfico do país (1,8% ao ano), porém a renda per capita obteve um elevado aumento de acordo com esses modelos. Com relação a inflação conclui-se por meio de cálculos grosseiros, devido aos motivos anteriormente mencionados, que a inflação empreendida no Brasil entre os anos de 1822 e 1913 foi de 2,5% ao ano.

É importante separar as regiões Sudeste e Nordeste para a obtenção de dados mais precisos, já que estas regiões possuíam disparidades muito fortes em suas economias, e suas atividades de exportação e de produção doméstica passaram por experiências bastante diferenciadas.

Referências bibliográficas:

LEFF, Nathaniel H. "Uma Visão Geral" e "O Ritmo do Crescimento da Renda". In: _____. Subdesenvolvimento e desenvolvimento no Brasil: estrutura e mudança econômica, 1822-1947. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1991. Capítulos 2 e 3 respectivamente, p. 17-53.


21 de setembro de 2007

Formação econômica do Brasil (VII)

Dando continuidade à nova série sobre a formação econômica do Brasil durante o período colonial, abaixo apresento as idéias do livro de Celso Furtado, "Formação econômica do Brasil", cap. XXIX e XXX.

Quem mais perdia com a variação da taxa cambial eram as populações urbanas. Isto porque eram elas quem mais importavam artigos, inclusive alimentos, enquanto que os trabalhadores rurais do setor exportador, mesmo recebendo seu salário, plantavam seus próprios alimentos.

A variação da taxa cambial trazia sérias conseqüências negativas para o governo central. Além de reduzir a receita do governo, pois o imposto de importação era sobre uma taxa fixa de câmbio, também obrigava o governo a emitir moeda para financiar o déficit. Além disso, a redução do valor em ouro na receita também trazia más conseqüências, pois o governo precisava saldar seus compromissos em ouro.

A emissão de moeda, se por um lado tentava solucionar o problema das flutuações externas, por outro incidia cada vez mais nas classes assalariadas, tendo em vista que as emissões criavam uma pressão inflacionária.

O maior desafio enfrentado pela coroa é que, em períodos anteriores, os interesses de todos os grandes empresários brasileiros eram os mesmos, fazendo com que eles estivessem satisfeitos, qualquer que fosse a política econômica adotada pelo governo. Com o surgimento da nova classe agrária e capitalista, somada aos novos trabalhadores assalariados, os interesses das diversas regiões econômicas brasileiras foi mudando.

Com a proclamação da República, os governos estaduais passam a ter certa autonomia e a responder aos anseios da classe empresarial. Com a autonomia, os governos estaduais passam a emitir moeda indiscriminadamente, o que faz com que o crédito se amplie sobremaneira.

Se por um lado a emissão de moeda trouxe um grande incentivo ao crédito e à expansão agrícola, por outro trouxe também pressões negativas à classe assalariada das zonas urbanas. Assim, as velhas oligarquias escravistas terão agora de disputar com novos grupos de pressão quem exercerá mais influência sobre os governos estaduais. Existem novos grupos que preferem investir no aumento da capacidade produtiva do que se protegerem com a depreciação cambial.

Na década 1890-1900, as condições para a expansão cafeeira foram as melhores possíveis. Tinha-se a expansão do crédito, com a emissão de moeda pelos governos estaduais; além disso, houve queda na produção asiática e a imigração passou a ser coordenada diretamente pelos governos estaduais, sem a burocracia federal. Houve ainda a depreciação cambial, que elevou os preços do produto em moeda nacional.

Se por um lado a tendência a longo prazo do preço do café era a queda, com a superprodução, por outro o café era o produto com a maior vantagem relativa. Assim, enquanto esta vantagem fosse significativa, valeria a pena investir no produto. A partir do momento em que esta superprodução foi atingida, os empresários viram-se em uma situação até cômoda, pois dispunham de meios para manter o preço elevado. Um destes meios foi o controle artificial da oferta, com a retenção do café em armazéns. Este café estocado seria usado quando a procura fosse grande, ou para cobrir deficiências em anos de colheita.

A solução do armazenamento do café, contudo, era uma solução apenas temporária, transferindo o problema da superprodução para o futuro. Foi criada, então, uma política de “valorização” do café. O governo compraria o excedente; esta compra seria financiada com empréstimos externos; tais empréstimos seriam pagos com um imposto sobre cada saca de café exportada; e os governos estaduais deveriam desencorajar a expansão das plantações.

A política de “valorização” obteve um êxito inicial e, devido a este êxito, os cafeicultores passaram a submeter o governo central aos objetivos de sua política econômica. Esta política, contudo, acabava por incentivar ainda mais a produção de café, pois como o governo comprava os excedentes, o preço mantinha-se estável e os lucros elevados. Isto incentivava os cafeicultores a reinvestirem este lucro no próprio café.

Com a crise de 1929, as condições sociais e econômicas dos países importadores de café não permitiam um aumento brusco de consumo, como havia ocorrido com a produção. Assim, o estoque que estava formando-se não tinha nenhuma possibilidade de ser utilizado em um futuro próximo.

O erro básico desta política é que a estrutura cafeicultora tinha bases coloniais, ou seja, era uma atividade econômica de natureza colonial. Assim, o equilíbrio entre oferta e procura foi mal dimensionado, trazendo conseqüências desastrosas.

Os cafeicultores não tinham, portanto, outras áreas nas quais investir o lucro da venda do café, e além disso era necessário que os preços mantivessem-se a baixos níveis, para que a condição de semimonopólio fosse mantida.

A conseqüência que a aventura cafeeira trouxe para o país foi que as reservas metálicas esvaíram-se totalmente, após a crise de 29. Tais reservas foram acumulando-se no período de incentivo à cafeicultura, com a entrada de empréstimos para financiamento do café e a entrada de capitais privados.

Referências bibliográficas:

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. Cap. XXIX-XXX. Pág. 168-185.


Formação econômica do Brasil (VI)

Dando continuidade à nova série sobre a formação econômica do Brasil durante o período colonial, abaixo apresento as idéias do livro de Celso Furtado, "Formação econômica do Brasil", cap. XX ao XXVIII.

As exportações condicionaram o crescimento brasileiro da segunda metade do século XIX. De 1840-50 a 1890-1900, as exportações aumentaram 214%. O preço dos produtos exportados aumentou 46%, e o preço dos produtos importados diminuiu em 8%. Desta forma, a renda real aumentou 316% no período. Este desenvolvimento, contudo, não se aplicou a todo o país. Por exemplo, a renda gerada pelo açúcar e algodão, juntos, aumentou apenas 54%, e estes eram os dois únicos produtos significativos do Nordeste.

Na região nordestina, depreende-se que houve declínio da renda, pois o crescimento demográfico foi maior que o crescimento da renda. Ainda, é provável que boa parte da população tenha deixado o sistema exportador e ido para o setor de subsistência, onde a produtividade era mais baixa.

Na região sulista houve expansão, pois a agricultura de subsistência lá instalada beneficiou-se das exportações. O mercado interno também demandava bens produzidos na região. Houve ainda a expansão urbana, que trouxe diversos benefícios. Comparando-se com a região nordestina, nota-se que houve um crescimento desta região, pois sua importância no cenário nacional aumentou.

A região cafeeira foi a que mais cresceu no período. Teve como característica a transferência de mão-de-obra de locais de subsistência para outros de maior produtividade. A taxa de aumento da renda per capita foi de 2,3% ao ano.

Havia ainda duas regiões que não foram incluídas nos três grupos anteriores. Um deles era a Bahia, que na época dedicava-se ao cultivo do cacau e do fumo, o qual teve uma relativa recuperação no período. Seu crescimento, contudo, era parecido com o crescimento do resto do Nordeste, sem grande expressão no cenário brasileiro. A outra região era a amazônica. Sua participação na economia foi expressiva, com a borracha detendo 15% do valor total das exportações. Se considerarmos o Brasil como um todo, podemos admitir uma taxa de crescimento anual de 3,5%, e de crescimento da renda de 1,5% ao ano, no período 1850-1900. São taxas expressivas, comparando-se com o cenário internacional.

O problema existente no Brasil na época é que este desenvolvimento ocorreu apenas na segunda metade do século XIX. Assim, a renda per capita chegou a 106 dólares ao fim do século. Se este crescimento tivesse iniciado-se no início do século XIX, a renda per capita brasileira seria de 224 dólares ao final do século.

No período 1850-1900 houve um aumento da mão-de-obra assalariada. Os assalariados usam quase todo os seus vencimentos em gastos de consumo, enquanto que os empresários guardam parte de sua renda para reinvestir no negócio. Os gastos dos assalariados estimulam o mercado interno, pois os pequenos comerciantes também irão gastar o dinheiro que receberam. Esta expansão determina uma melhor utilização dos recursos já existentes no país.

A expansão do setor exportador deu-se pelo aumento de preços, e não em virtude de melhorias físicas do processo produtivo. Desta forma, quando ocorriam quedas nos preços, quem mais perdia eram os empresários, que viam seus lucros diminuírem. Esta perda ocorria em virtude do padrão-ouro adotado pelas economias européias. Nestes países, o coeficiente de importação era baixo, e um eventual desequilíbrio poderia ser solucionado com o próprio numerário em circulação. Contudo, caso o país tivesse um alto coeficiente de importação, como era o caso do Brasil, poderiam ocorrer problemas.

O problema existe porque os assalariados importam bastante, gastando seus salários em consumo. Com uma queda brusca dos rendimentos auferidos pela exportação, há um desequilíbrio na balança comercial, porque continuam havendo importações. Seria nesta hora que o país utilizar-se-ia de suas reservas metálicas, ou seja, do padrão-ouro, para poder manter-se em funcionamento. Os homens públicos brasileiros viam-se, portanto, sem saber o que fazer, pois tentavam adotar os modelos teóricos econômicos europeus no Brasil e estes modelos freqüentemente não davam certo.

Além da mão-de-obra, também a terra era abundante. Assim, era injustificável o investimento na mesma, tendo em vista que, caso ela se esgotasse, era mais vantajoso arranjar outro local, e não aumentar sua produtividade nos períodos de crise. Como o país não dispunha de reservas metálicas para praticar o padrão-ouro nos períodos de crise, o subterfúgio usado era a mudança na taxa cambial. Com a queda do poder de compra da moeda nacional, os preços dos produtos importados aumentavam, fazendo com que houvesse uma queda nas importações. Esta queda, obviamente, diminuía o déficit da balança comercial. A desvalorização da moeda também trazia benefícios para os exportadores. Isto porque o exportador estaria vendendo menos em dólar, por exemplo, mas receberia a mesma coisa em moeda nacional.

Com tais medidas, os empresários estavam socializando suas perdas, pois a maior parte das importações era feita pela coletividade. Também, a maior parte das importações era de produtos essenciais à vida da grande massa consumidora. Assim, no período de expansão os empresários ganhavam, pois seus lucros aumentavam enquanto os salários permaneciam iguais. Já no período de declínio, os empresários também ganhavam, ou pelo menos não perdiam, com o reajustamento da taxa cambial, que transferia os prejuízos para a grande massa consumidora.

O empresário não poderia ver seus lucros diminuídos com a crise porque, caso isso acontecesse, ele teria de reduzir a produção, paralisando parte da produção. E isto é o que de pior poderia acontecer. Portanto, nos períodos de crise, era necessário que todos os esforços fossem feitos para manter-se o nível das exportações, mantendo o nível de emprego dentro do país, e também manter os lucros dos empresários, para não haver a paralisação das atividades.

Referências bibliográficas:

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. Cap. XX-XXVIII. Pág. 112-167.


19 de setembro de 2007

Formação econômica do Brasil (V)

Dando continuidade à nova série sobre a formação econômica do Brasil durante o período colonial, abaixo apresento as idéias do livro de Celso Furtado, "Formação econômica do Brasil", cap. XVI ao XX.

A partir da segunda metade do século XVII, Portugal já não é a mesma potência que era nos séculos anteriores. Para continuar mantendo-se como potência colonial, é necessário que o país faça acordos com as potências emergentes. Portugal, então, une-se à Inglaterra, transformando-se praticamente em um protetorado inglês. Isto aconteceu porque Portugal estava sob ameaça permanente da Espanha, a qual não reconhecia sua independência, e da Holanda. Além disto, Portugal perdeu suas colônias orientais e o comércio de açúcar foi desestabilizado.

Em suma, os acordos anglo-portugueses garantiam aos ingleses benefícios econômicos em troca de promessas ou garantias políticas. Assim, Portugal conseguiu, pela força da marinha britânica, que a Espanha reconhecesse sua independência, além de assinar um tratado de paz com a Holanda.

Os dirigentes portugueses, em virtude do contínuo déficit na balança comercial, chegaram à conclusão de que deveriam investir em manufaturas, evitando-se, desta forma, que tais produtos fossem importados. Esta política chegou a ser implementada, mas com o início do ciclo do ouro no Brasil Portugal voltou a importar, gastando todo o dinheiro em bens que poderiam ser produzidos internamente e transferindo o impulso manufatureiro para a Inglaterra, pois era esta quem produzia as manufaturas e vendia-as para Portugal. Esta política garantiu a Portugal, também, o apoio inglês na questão de consolidação das fronteiras brasileiras.

Com a decadência do ouro brasileiro, não era mais interessante para a Inglaterra manter em vigor o Tratado de Methuen. Então, o país fez acordos comerciais com a França, tendo em vista que este era o maior mercado consumidor na Europa continental. Portugal perde a única vantagem que possuía na época, que era a venda, sem nenhuma concorrência, de seus vinhos à Inglaterra.

Após a independência brasileira, a situação não mudou muito. Como os dirigentes brasileiros eram descendentes diretos dos portugueses, a política externa brasileira não diferiu muito da política externa portuguesa. Para a Inglaterra foi vantajoso, pois o mercado brasileiro era muito maior que o português.

Em virtude dos tratados firmados com a Inglaterra, o Brasil sofreu uma extrema dependência daquele país nas primeiras décadas como país independente. Dificuldades econômicas apareceram, e estas dificuldades criaram focos de desagregação do território.

Com a expansão do café, os Estados Unidos passam a ser o maior parceiro comercial brasileiro, já na primeira metade do século XIX. O sentido de independência política frente à Inglaterra é definitivamente firmado. A autoridade do governo brasileiro firma-se nesta época. Contudo, do ponto de vista econômico, pouca coisa mudou, pois a estrutura brasileira continua sendo de base escravista, com produtos tropicais voltados para a exportação. Praticamente não há industrialização. A consolidação econômica irá acontecer com as tensões da economia cafeeira, das quais irão surgir elementos para subsidiar um impulso de crescimento.

As dificuldades econômicas pela qual passa o Brasil nos últimos 25 anos do século XVIII são várias. Com a decadência tanto do açúcar quanto do ouro, a renda per capita brasileira atinge o nível mais baixo de todo o período colonial.

Além dos núcleos açucareiro, no nordeste, e aurífero, em Minas Gerais, outros dois pontos de colonização destacavam-se na época: um era o Pará, que vivia em função dos índios explorados pelos jesuítas. O outro era o Maranhão que, apesar de ser um ponto isolado da economia colonial, com esta mantinha contato pela pecuária que estava ao seu redor.

O único ponto colonial que cresceu em fins do século XVIII foi o Maranhão. Desde o início, seus colonos perceberam que deveriam investir em dois produtos: algodão e arroz. Em virtude da guerra de independência dos Estados Unidos, tais produtos tiveram uma grande expansão no núcleo colonial maranhense, trazendo para este os benefícios de um rápido desenvolvimento.

Com exceção do Maranhão, todo o resto da colônia estava arrasado economicamente. Tanto o açúcar quanto o ouro estavam em decadência e, como conseqüência, a pecuária que estava ao redor destes dois pontos econômicos também teve dificuldades internas.

O otimismo volta à tona com a transferência da família real para o Brasil e da abertura dos portos. Somando-se este fato ao colapso da colônia açucareira francesa, o Haiti, a economia açucareira brasileira toma novo impulso. Também é plantado algodão no próprio nordeste, seguindo os passos maranhenses. Os produtos tropicais e o couro também se valorizam, devido à desagregação das colônias espanholas. A economia brasileira, então, tem um novo período de prosperidade. Contudo, é importante notar que esta prosperidade era passageira, devido apenas a fatores externos temporários de procura e não a uma real política externa brasileira. Após este surto, o Brasil encontrará dificuldades para defender sua posição no mercado externo.

Referências bibliográficas:

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. Cap. XVI-XX. Pág. 87-112.


18 de setembro de 2007

Formação econômica do Brasil (IV)

Dando continuidade à nova série sobre a formação econômica do Brasil durante o período colonial, abaixo apresento as idéias do livro de Celso Furtado, "Formação econômica do Brasil", cap. XIII ao XV.

Com o progressivo empobrecimento da colônia, devido ao declínio da economia açucareira, Portugal percebeu que, para manter seu status, deveria encontrar metais preciosos. Estes ainda não havia sido encontrados por falta de conhecimento técnico.

O conhecimento técnico para o início da mineração foi trazido ao Brasil por um grande fluxo migratório, com populações vindo tanto do nordeste, em sua maioria escravos, quanto de Portugal, na forma de trabalhadores livres. Todos tinham a ilusão da riqueza fácil proporcionada pelo ouro. Tal imigração ocorreu em grande escala, pois para iniciar-se a mineração não eram necessários grandes volumes de capital para serem investidos, como no caso da cana-de-açúcar. Desta forma, o financiamento desta migração foi feito por capitais particulares, sem ônus nenhum para a coroa portuguesa.

A economia mineira trouxe uma maior mobilidade social do que a economia açucareira. Isto porque, em primeiro lugar, os escravos tinham um meio social muito mais aberto que nos engenhos. Existia a real possibilidade dos escravos comprarem sua liberdade. Em segundo lugar, qualquer homem livre poderia dedicar-se à mineração, pois os investimentos necessários eram relativamente baixos. Ou seja, não era apenas a classe abastada dos senhores de engenho que dominava a sociedade. As possibilidades de enriquecimento eram muito maiores na mineração do que na economia do açúcar.

A mineração trouxe, também, uma maior mobilização na economia como um todo da colônia. Como a mineração estava no interior, houve necessidade de transporte, o que beneficiou a pecuária já instalada na região sul e sudeste. O mercado de animais permitiu a integração do sul, produtor de bovinos e muares, com São Paulo, onde eram comercializados tais animais.

Contudo, o que permitiu a integração não foi a criação de gado, e sim a demanda da economia mineira. O benefício, logicamente, foi maior para os criadores do sul do que para os criadores do nordeste, não só pela distância mas também pelo fato de a pecuária no sul ter instalado-se antes da mineração, o que não ocorreu no nordeste, onde a pecuária foi uma saída para a decadente economia açucareira.

Na mineração, as regiões mais ricas eram também as que tinham menor duração, pois o ouro extraído não provinha de minas, e sim de aluviões nos rios. Isto também caracterizou a economia como intermitente, pois logo que esgotava-se o ouro em um local, os faiscadores iam para outro local.

A renda média auferida com o comércio e exportação do ouro foi substancialmente menor do que a auferida com a economia açucareira. Isto fica claro se verificarmos que a renda era melhor distribuída nas áreas mineradoras do que no nordeste. Além disso, a demanda por bens de consumo correntes era maior do que as importações de artigos de luxo, devido ao encarecimento dos produtos importados ocasionado pela política de desvalorização da moeda portuguesa. Estas foram as características-chave no desenvolvimento de atividades ligadas ao mercado interno.

O desenvolvimento de manufaturas, contudo, foi ínfimo, devido às políticas executadas por Portugal. A metrópole queria, a todo momento, estar no controle da situação, vendendo produtos manufaturados e obtendo lucros para manter seu luxo. Entretanto, as medidas da coroa portuguesa em relação ao seu convívio com a Inglaterra prejudicaram tanto o Brasil quanto Portugal, pois os portugueses, ao invés de investirem o ouro retirado do Brasil em manufaturas, preferiram importar tais produtos da Inglaterra. Assim, os portugueses não adquiriram o conhecimento necessário para a criação de fábricas, conhecimento este que poderia ter sido repassado à colônia com o decorrer do tempo.

O ouro retirado do Brasil foi, portanto, praticamente todo para a Inglaterra, que utilizava-o para investir em suas manufaturas e vendê-las à mesma colônia de onde vinha o ouro. Portugal transformava-se em uma colônia agrícola da Inglaterra, pois exportava basicamente vinhos e importava produtos manufaturados, os quais repassava à colônia.

Com o fim do período de mineração, novamente a colônia viu-se em um processo de decadência econômica parecido com o fim do ciclo do açúcar. Os colonos brasileiros, ao invés de investirem em manufaturas, adotando práticas protecionistas, preferiram acabar com a mineração e criar uma economia de subsistência.

O problema é que na economia mineira, diferentemente na economia açucareira, não havia como manter a produção em um nível alto, evitando-se assim grandes prejuízos. A partir do momento em que iniciou-se o declínio, este foi rápido.

Novamente, os colonos foram responsáveis pela conquista de territórios, pois o núcleo urbano existente no período mineiro dissolveu-se, com a dispersão dos mineiros em várias direções do território em busca de subsistência.

Referências bibliográficas:

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. Cap. X-XII. Pág. 73-86.


17 de setembro de 2007

Formação econômica do Brasil (III)

Dando continuidade à nova série sobre a formação econômica do Brasil durante o período colonial, abaixo apresento as idéias do livro de Celso Furtado, "Formação econômica do Brasil", cap. X ao XII.

Com o desenvolvimento contínuo açucareiro, outras opções econômicas surgiram na colônia, todas dependentes do açúcar. Uma delas, e provavelmente a mais importante, foi a pecuária.

O principal fator de desenvolvimento da pecuária foi o seguinte: para funcionarem, os engenhos precisavam de lenha para as fornalhas e de animais para o transporte do açúcar. A necessidade por animais foi a que mais aumentou, tendo em vista que a devastação das florestas litorâneas acarretou a necessidade de buscar madeira cada vez mais longe. Desta forma, a pecuária foi um fator fundamental para a penetração e ocupação do interior nordestino.

A atividade criatória teve uma grande expansão, portanto, e esta expansão teve como base o elemento indígena. Se já não havia mão-de-obra para a economia açucareira, que era a base da economia da colônia, para a criação de gado, então, era fora de cogitação.

Os limites de expansão da pecuária estavam na economia açucareira, e não na pecuária em si. Esta dependia da demanda açucareira, tendo em vista que seus fatores para expansão eram praticamente ilimitados. Contudo, quanto mais a pecuária expandia-se, menores eram os lucros, pois quanto mais para o interior fosse a criação, maiores os custos de transporte e menor o retorno.

É interessante notar que, a curto prazo, tanto na economia açucareira quanto na criatória, era interessante manter a produção mesmo que os preços caíssem. Isto explica-se pelos reduzidos custos monetários. Contudo, a longo prazo, os efeitos eram diferentes. Na região pecuária, a expansão era praticamente ilimitada, pois os criadores não tinham de gastar quantias enormes para aumentar a produção. Assim, sempre haveria trabalho nessa economia, pois as terras eram abundantes e a taxa de reprodução dos animais era alta. Ainda, a mão-de-obra que deixava os engenhos vinha suprir a necessidade da mesma na pecuária.

É importante destacar, contudo, que esta expansão da pecuária deveu-se não à economia açucareira, em decadência e sem demanda por animais, mas sim devido à economia de subsistência, pois as pessoas deixavam a economia açucareira e mudavam-se para a pecuária. Com a diminuição da renda monetária, artigos que antes eram importados deveriam agora ser produzidos dentro da colônia. Esta produção, entretanto, era local, constituindo-se uma forma de artesanato.

A mudança do contingente populacional do litoral para o interior, em busca de trabalho e de condições de subsistência, foi o que garantiu que a população nordestina continuasse aumentando sem haver um colapso nas relações produtivas. Isto significa dizer que as pessoas teriam condições de viver sem necessidade de gastos vultosos, como os da economia do açúcar. Todavia, isto foi uma involução econômica, pois o setor de grande retorno, o açúcar, estava em decadência, e a produtividade pecuária ia diminuindo à medida que crescia. Assim, a transformação da grande economia açucareira, auto-suficiente, em uma economia pecuária, de subsistência, é uma das causas do atual estágio de desenvolvimento econômico nordestino.

Com a invasão holandesa, se por um lado Portugal perdera muito em impostos e no comércio, por outro o Brasil ganhou bastante, pois os holandeses retiveram boa parte dos impostos originados pelo comércio açucareiro e investiram estes impostos na vida urbana brasileira. Além disso, Portugal tinha grandes gastos militares para combater os holandeses, e quando estes finalmente foram expulsos teve início a concorrência, o que derrubou os preços do açúcar no mercado internacional.

Quando a economia açucareira estava em seu apogeu, Portugal preocupou-se em expandir os domínios na colônia. Assim, se em um primeiro momento ocupou apenas o litoral nordestino e alguns pontos mais ao sul, com a cidade de São Vicente, em um segundo momento incentivou a penetração de colonos no Maranhão e na bacia amazônica, além do sertão nordestino. A preocupação portuguesa em expansão era decorrente do fato de que, para ingleses, holandeses e franceses, a terra só poderia ser considerada portuguesa caso houvesse população morando lá.

Assim sendo, era economicamente inviável apenas proteger o local sem haver ocupação. Foram enviados colonos a estas regiões no período próspero. Contudo, com o início das dificuldades portuguesas, tais colonos ficaram à mercê de seus próprios recursos, e tiveram de se virar sozinhos. Os maranhenses tinham de caçar índios para que estes ajudassem-nos na agricultura de subsistência. Houve, entretanto, forte reação dos jesuítas, que utilizaram um meio muito mais suave de cooptação indígena e conseguiram transformá-los em verdadeiros servos.

A ação jesuíta fez com que a grande bacia amazônica fosse definitivamente ocupada pelos portugueses. Isto ocorreu porque a tática jesuíta era de manter os índios em seu próprio habitat natural, transformando-os em servos, ao invés de retirá-los e tratá-los como escravos. Assim, os índios estavam trabalhando em prol da coroa portuguesa, garantindo a ocupação do território. Holandeses, ingleses e franceses não poderiam dizer que não havia população naquele local.

Também no sul, a partir da colônia de São Vicente, houve expansão. Como nessa época o que Portugal recebia como impostos vinha praticamente do comércio do couro, Portugal incentivou a expansão até o Rio da Prata, criando a colônia de Sacramento. Portugal tentava, desta maneira, monopolizar o couro, que começava a sofrer concorrência do couro argentino.

A política econômica adotada por Portugal de desvalorização da moeda para beneficiar os produtores açucareiros trouxe resultados negativos, tendo em vista que a exportação para a colônia diminuiu bastante, pois os preços de produtos importados pelo mercado brasileiro subiram muito. Esta também foi uma das causas da contração econômica pela qual passou a economia açucareira no fim do século XVII e no século XVIII.

Referências bibliográficas:

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. Cap. X-XII. Pág. 54-69.


16 de setembro de 2007

Formação econômica do Brasil (II)

Dando continuidade à nova série sobre a formação econômica do Brasil durante o período colonial, abaixo apresento as idéias do livro de Celso Furtado, "Formação econômica do Brasil", cap. V ao IX.

Fica claro que o objetivo português, desde o início, era o cultivo da cana, tendo em vista o êxito que a economia açucareira teve no Brasil.

O principal obstáculo aos colonos era a falta de mão-de-obra: não havia pessoal para instalar os engenhos. Por isso, a escravidão era a única saída, e esta escravidão teve início com a captura de índios.

O índio foi quem deu impulso à economia açucareira. Isto fica claro se observarmos que, quando os escravos negros chegaram, a economia açucareira já existia, e os negros foram usados para a expansão da mesma, que já estava instalada, e não para a sua criação.

O índio foi também a razão de existência das comunidades “não-açucareiras”. Isto significa dizer que as comunidades que não dedicavam-se ao açúcar dedicavam-se à captura e ao comércio dos índios. Além disso, estas comunidades dedicavam-se ao recolhimento de madeira para ser vendida ao engenho, tendo em vista que o consumo de lenha era muito grande para fazer um engenho funcionar.

Com a introdução do escravo negro, entretanto, é que deu-se a expansão da economia açucareira. Tal fato pode ser comprovado quando vemos que o volume de açúcar vendido ao exterior era extremamente grande, e do total vendido 90% do valor negociado ficava nas mãos da classe de proprietários de engenhos, ou seja, a pequena colônia era extremamente rica.

Foram estes lucros exorbitantes que permitiram à colônia duplicar sua capacidade de produção a cada dois anos. Tudo indica que este foi o ritmo de crescimento nas etapas mais favoráveis. Ainda, tais lucros permitiram à classe dominante que importasse bens supérfluos, bens que apenas aumentariam o luxo desta própria classe. Como exemplo, dados indicam que em 1639 foram arrecadadas dezesseis mil libras de impostos, e cerca de um terço deste valor era referente a vinhos.

Mesmo com tal gasto em bens supérfluos, estima-se que os senhores de engenho retivessem em suas mãos o mesmo montante que gastavam com importações. Desta forma, ainda que houvesse excesso de dinheiro, a colônia não caiu no erro da superprodução, o que derrubaria os preços, graças à habilidade dos comerciantes do negócio açucareiro.

No início da indústria açucareira, as principais preocupações dos senhores de engenho eram os equipamentos e a mão-de-obra especializada. Os equipamentos tinham de ser importados; os índios foram utilizados como mão-de-obra não-especializada, para prover comida e para as instalações iniciais do engenho. A mão-de-obra especializada, que no início era importada, passou a ser criada internamente, pelo treinamento dos escravos com maiores aptidões para trabalhos manuais.

Diferentemente de uma economia industrial, a construção de engenhos na economia escravista não gerava fluxo de renda monetário, pois a força utilizada para a criação e operação do engenho não era remunerada, e o lucro proveniente das vendas ficava com o senhor de engenho. Também o próprio trabalho escravo não gerava fluxo de renda, pois as tarefas executadas pelos escravos traziam melhoramentos locais, apenas aumentando o ativo do senhor de engenho.

O único fluxo de renda existente era no comércio exterior. Isto porque o senhor de engenho gastava quando tinha de importar algo e recebia quando vendia açúcar para o exterior. Desta forma, o senhor de engenho deveria saber o que fazer para aumentar ao máximo seus lucros neste comércio. Os gastos do engenho, se comparados com o que era arrecadado, eram ínfimos, pois o engenho tinha um gasto fixo, que não mudava, além de gastos com lenha e comércio com as pequenas vilas que surgiram para captura de índios.

Portanto, a palavra crescimento tinha um significado restrito na economia da colônia: seria apenas a ocupação de novas terras e aumento de importações. Isso porque a economia era baseada apenas nisso – exportação de açúcar e importação de bens de consumo –, não havendo mais nada a ser inserido neste esquema. A capacidade produtiva foi, portanto, altamente controlada, evitando-se que houvesse uma superprodução e os preços caíssem. Também era interessante a procura de novos mercados consumidores, ampliando o horizonte do comércio do açúcar.

A economia dependia totalmente do mercado externo. Caso a procura diminuísse, os lucros do senhor de engenho também diminuiriam, ocasionando uma mão-de-obra excedente. Esta mão-de-obra poderia ser utilizada para a expansão da capacidade produtiva, pela ocupação de novas terras, ou então para a obras de construção que trouxessem mais bem-estar à classe dominante.

Mesmo com a procura externa baixa, ainda era vantajoso para o senhor de engenho produzir, pois os custos eram fixos. Isto foi possível pela política de desvalorização da moeda empreendida pela coroa portuguesa, fazendo com que, mesmo se houvesse queda nas vendas, os senhores de engenho tivessem seu lucro garantido, incentivando cada vez mais a produção. Fica claro que o açúcar trazia grandes lucros para Portugal, tal foi o estímulo dado ao produto. Esta vantagem, contudo, era até certo ponto: abaixo deste ponto o senhor de engenho não poderia sustentar os gastos.

Referências bibliográficas:

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984. Cap. V-IX. Pág. 19-53.