28 de outubro de 2007

A visão de mundo expressa pelo “Manifesto Comunista”

Em uma das postagens anteriores, recebi o comentário que reproduzo abaixo:

"...uma parte servia para pagar a subsistência dos trabalhadores (salários), outra para repor o capital inicialmente utilizado, e sobrava uma última parte de que os capitalistas, indevidamente, se apropriavam.."

Então essa última parte é a famosa mais-valia, ou seja, o "lucro"?

Mas se os caras não tiverem um ganho qual seria então o objetivo de ter uma empresa? Dar emprego, dinheiro e ficar no 0?

Para dirimir tal dúvida, apresento abaixo um breve resumo da visão de mundo expressa pelo “Manifesto do Partido Comunista”, famoso livro de Karl Marx e Friedrich Engels no qual ambos os autores expressão sua visão comunista da sociedade. Vale destacar que tal visão é específica de tais autores e que, ainda que ambos tenham se tornado os principais líderes do movimento socialista-comunista no mundo, há outras visões socialistas da sociedade. Apresento aqui a marxista por ser ela a principal e mais difundida visão.

O Manifesto Comunista, originalmente denominado Manifesto do Partido Comunista, foi publicado pela primeira vez em 21 de fevereiro de 1848. É, historicamente, um dos tratados políticos de maior influência mundial. Comissionado pela Liga Comunista e escrito pelos teóricos fundadores do socialismo científico Karl Marx e Friedrich Engels, expressa o programa e propósitos da Liga Comunista, instituição que buscava a implantação do socialismo na Inglaterra e no mundo. O Manifesto sugere um roteiro de ação para que uma revolução do proletariado (classe trabalhadora) acabasse com a ordem social burguesa e, eventualmente, criasse uma sociedade sem classes e sem estado, além de defender a abolição da propriedade privada (WIKIPÉDIA, 2007).

Segundo o livro, no início da Revolução Industrial as condições de vida dos operários eram miseráveis. Há relatos que dizem que era comum patrões obrigarem os operários, inclusive mulheres e crianças, a cumprirem jornada diária de trabalho de quinze ou mais horas, sem direito a benefícios ou qualquer assistência. Erros e faltas eram severamente punidos. Crianças eram regularmente chicoteadas no trabalho. Em 1769 estabeleceu-se, por lei, a pena de morte ao operário que danificasse uma máquina. Mas por que isso estava acontecendo?

Para tentar explicar essa degradante situação, surgiram pensadores que concluíram que ela não era decorrente da Revolução Industrial em si, mas sim do novo tipo de sociedade que surgiu com ela: a capitalista. Concluíram também que o capitalismo é totalmente injusto e irracional e o grande problema estava na propriedade privada. Os donos das terras, minas, bancos, empresas só eram ricos porque exploravam o trabalhador. Pensemos o seguinte: o dono de uma empresa ganha muito mais que seus 1000 funcionários, mas será que ele trabalha mais do que eles e merece receber mais? Com certeza não. A solução seria acabar com a propriedade privada e instituir a coletividade. Não haveria o “meu” e o “seu”, mas sim o “nosso”. Todos trabalhariam e repartiriam o fruto de seus esforços. Não haveria empregado, patrão ou desigualdades sociais. Todos os homens teriam iguais chances de estudo e trabalho. A humanidade finalmente entraria numa fase de harmonia, na qual todos seriam socialmente iguais e absolutamente livres. Essa sociedade seria chamada de comunista.

Em 1848 mudou-se completamente o método de análise da sociedade, da luta de classes e da própria construção de uma sociedade socialista. Em O Manifesto do partido comunista, Karl Marx e Friedrich Engels formularam uma nova concepção da História.

Para os dois pensadores, a burguesia moderna nasceu das cinzas da sociedade feudal e, ao invés de remover as disputas de classe (objetivo pelo qual a burguesia foi criada), fez o contrário: manteve o mesmo esquema de dominação, e quase sempre piorou ainda mais a situação dos proletários.

Por burguesia compreende-se a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social, que empregam o trabalho assalariado. Por proletariado compreende-se a classe dos trabalhadores assalariados modernos que, privados de meios de produção próprios, vêem-se obrigados a vender sua força de trabalho para poder existir.

Marx diz também que a burguesia, além de dominar os proletários de seu próprio país, está também invadindo outros países, tentando dominar seus proletários. Isto ocorre porque a burguesia deseja obter lucros cada vez maiores, e se a população do seu país já não consegue absorver os bens produzidos, então a solução é tentar vender estes bens em outros lugares do mundo. Vale notar que esta internacionalização dos bens refere-se tanto à capacidade material quanto à capacidade intelectual.

Com o objetivo de dominar e explorar os cidadãos, a burguesia centralizou os meios de produção, concentrou a propriedade em poucas mãos e aglomerou as populações. Assim, províncias que antes viviam isoladamente, ou no máximo com um pequeno contato com outras, foram unidas, sendo regidas por uma lei, por um só governo, um só interesse nacional.

A burguesia utilizou o capitalismo para chegar à perfeição material por meio da superprodução. Contudo, como absorver esta superprodução? Por meio da conquista de novos mercados e da exploração mais intensa dos mercados antigos. Novamente, caímos no problema da exploração do proletariado pela burguesia.

O operário transforma-se em um acessório para a máquina, e seus salários decrescem na medida em que seu trabalho torna-se mais e mais enfadonho. O custo do operário reduz-se aos meios básicos de manutenção para seu sustento e perpetuação.

Por mais que as pessoas pensem que os sindicatos e as uniões trabalhistas ajam em benefício da classe operária, quem está por trás de tais atitudes é a classe burguesa. A burguesia utiliza a união proletária em seu próprio favor, fazendo com que esta união acabe com os restos da monarquia, com os proprietários rurais, com os pequenos burgueses. Estes, estando derrotados, não irão oferecer resistência ao ímpeto dominador da classe burguesa.

Chegará um momento em que, devido a esta manipulação do proletariado por parte da burguesia para atingir os objetivos desta última, os primeiros irão ter condições intelectuais de unirem-se contra a burguesia, ou seja, os proletários tomarão consciência de classe, e só então poderão agir em conjunto contra a classe burguesa. Na hora decisiva, a ação será estritamente violenta.

A classe média não pode ser considerada como uma classe proletária porque defende seus interesses próprios, e não os do proletariado. A burguesia atrapalha a classe média, e é por isto que esta luta contra aquela. A classe média é, portanto, conservadora, e não revolucionária. Quando é revolucionária, luta não pelos seus interesses atuais, mas por seus interesses futuros.

Os comunistas, portanto, aparecem como a elite dirigente dos operários, com o objetivo de transformá-los em uma classe com representatividade, derrubar a supremacia burguesa e conquistar o poder político. O objetivo primordial dos comunistas é destruir a propriedade privada. Isto porque é esta propriedade que faz com que a burguesia seja cada vez mais gananciosa, exigindo mais e mais dos operários.

Marx acredita que os operários estão em um círculo vicioso: o trabalho assalariado não cria propriedade para o proletário, e sim capital; este capital explora o trabalho assalariado, que só pode aumentar sob a condição de produzir novo trabalho assalariado, a fim de explorá-lo novamente.

O problema da propriedade privada é que ela pertence a um décimo da população. E é justamente por não existir aos nove décimos que ela pertence ao último décimo. Desta forma, o comunismo quer não expropriar alguém de suas posses, mas apenas destruir o poder de escravizar o trabalho alheio por meio desta atual apropriação.

Os operários não têm pátria. Isto significa dizer que as condições de exploração são iguais em qualquer parte do mundo, pois as idéias dominantes de um local são as idéias da classe dominante.

As etapas para atingir-se o “ápice” socialista seriam: 1º) o advento do proletariado como classe dominante; 2º) arrancar pouco a pouco todo o capital da burguesia, transferindo-o ao Estado; 3º) remoção dos antagonismos de classe, pois, existindo-se apenas a classe operária, já no poder, não haveria outras classes; 4º) exclusão do poder político, ou fim do Estado, que nada mais é do que o poder organizado de uma classe para a opressão de outra.

Com tal síntese, é fácil compreender a fala do autor citado em outra postagem: “...uma parte servia para pagar a subsistência dos trabalhadores (salários), outra para repor o capital inicialmente utilizado, e sobrava uma última parte de que os capitalistas, indevidamente, se apropriavam...” O autor, claramente, se baseia na ideologia socialista, tendo em vista sua preocupação em mostrar que, na visão dele, os capitalistas se apropriavam indevidamente do lucro, ou seja, do excedente -- e tal fato, na opinião do autor, é visto como ruim.

Vale lembrar que não há apenas um caminho correto a ser seguido quando se busca uma sociedade ideal. Liberalismo e socialismo são duas ideologias que, ainda que representem extremos, estão presentes, ambas, em nosso cotidiano. A questão é escolher o caminho proposto por uma ou por outra sem, no entanto, endeusar nenhuma das duas, posto que ambas trazem conseqüências negativas e positivas para todas as sociedades nas quais são implantadas.

Referências bibliográficas:

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista. São Paulo: Martin Claret, 2005.

WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: . Acesso em: 28 de outubro de 2007.


24 de outubro de 2007

Sobre a personificação do poder

Prezados leitores: peço desculpas pela demora em escrever neste blog. Caso não seja de conhecimento de vocês, durante o feriado de 12 de outubro viajei para Minas Gerais e, em presença da família, a última coisa em que pensei foi em assuntos acadêmicos. Após meu retorno, na semana passada, estive ocupado com correções de trabalhos e entrega de notas, o que me impediu de me dedicar a este blog. A partir de hoje, pretendo voltar com minhas postagens diárias sobre assuntos acadêmicos. Obrigado pela sua visita!

A expressão "personificação do poder" (ou personalização do poder) é uma expressão comum na área da Ciência Política. É geralmente entendida como a associação que a população faz do poder político com determinado governante. A personificação do poder, portanto, é o reconhecimento, em uma pessoa, do regime que tal pessoa administra. É um conceito freqüentemente utilizado quando se fala de regimes totalitários, como a Alemanha nazista "de Hitler" e a União Soviética "de Stalin" -- as expressões "de Hitler" e "de Stalin" representam, na frase anterior, a personificação do poder.

A vontade do chefe é a lei do partido e toda organização partidária não tem outro escopo senão o de realizá-la. O chefe é o depositário da ideologia: apenas ele pode interpretá-la ou corrigi-la. Até a polícia secreta, cujo prestígio cresceu extraordinariamente em relação ao que gozava nos velhos regimes autoritários, tem um poder real menor, pelo fato de estar inteiramente sujeita à vontade do chefe, o único a quem compete decidir quem será o próximo inimigo potencial ou "objetivo". Segundo essa interpretação, a personalização do poder é, portanto, um aspecto crucial dos regimes totalitários (BOBBIO, 1998, p. 2).

A citação acima refere-se especificamente sobre a personificação do poder em regimes totalitários. No entanto, vale destacar o fato de que tal fenômeno político-social pode ocorrer em qualquer regime político: é assim, por meio da personificação do poder, que o atual presidente Lula é visto por muitas pessoas, especialmente aquelas com baixos níveis culturais. O famoso adágio popular "rouba mas faz" é característico da personificação do poder: significa dizer que, independentemente do que tal político faz, meu voto é dele porque creio que apenas ele como pessoa, e não a instituição na qual ele está inserido, é capaz de resolver os problemas políticos que afligem a cidade, a unidade da federação ou o país.

São Bento Abade é um pequeno município que se situa no interior de Minas Gerais, ao sul. O acesso à cidade pode ser feito pela BR-381 (Rodovia Fernão Dias), próximo ao quilômetro 715 (sentido Belo Horizonte - São Paulo). O município tem 4.400 habitantes e possui área de 80 quilômetros quadrados. A renda per capita é de R$ 5.433,00 (IBGE, 2007). Boa parte desta renda vem da cafeicultura, lavoura típica não apenas da cidade mas também da região do sul de Minas Gerais.

No último dia 14 de outubro estive na cidade, e chamou-me a atenção uma placa colocada bem na entrada da cidade. Reproduzo a placa abaixo.


Como afirmado anteriormente, o conceito de personificação do poder é utilizado principalmente para falarmos de regimes totalitários, mas tal conceito pode ser utilizado em qualquer situação na qual haja uma associação explícita entre a instituição e a pessoa que está inserida na instituição.

É o que vemos na cidade de São Bento Abade. Uma cidade pequena e de difícil acesso -- há apenas uma estrada pavimentada em direção à cidade; todas as outras são estradas não pavimentadas --, mas com flagrante característica de personificação do poder, como mostrado na placa acima.

Para aqueles que viram a foto e ainda não identificaram em que parte da placa está a personificação do poder: está escrito "Administração 2001-2008". No entanto, os mandatos para prefeito são de apenas quatro anos; assim, o mandato começou em 2001 e foi até 2004; o mandato seguinte se iniciou em 2005 e vai até 2008.

Ora, se as datas estão corretas, qual o problema da placa? Ela indica que a atual prefeita, a Sra. Janete Rezende Silva (acusada de ter participado do esquema de superfaturamento das ambulâncias) foi eleita em 2000 e reeleita em 2004, com seu mandato terminando em 2008, como manda a lei.

Até aqui nenhum problema, não fosse o fato de a placa estar pintada desta forma desde janeiro de 2004. Naquele então eu também havia visitado a cidade, tendo visto a placa exatamente como ela está mostrada acima. Porém, naquela ocasião eu não estava com minha câmera fotográfica em mãos, não podendo ter tirado a foto. Apenas agora, mais de três anos e meio depois, é que pude retornar à cidade e, felizmente, estar com a câmera para poder fotografar tal placa.

Isto mostra que a prática política brasileira é baseada fortemente em pessoas, e não em instituições -- o que é ruim para o país, posto que os cidadãos passam a acreditar nas pessoas e não nas instituições. São estas últimas que deveriam efetivamente solucionar os problemas brasileiros, e não os primeiros -- caso contrário ficamos à mercê de um "salvador da pátria" que nunca virá. A placa deixa ainda patente outra prática comum na política brasileira -- a de "confundir" o público com o privado --, personalizando o poder político antes mesmo de ele ser exercido por alguém -- como foi o caso nesta cidade que, em janeiro de 2004, nove meses antes das eleições municipais, já mostrava como certa a reeleição da prefeita e sua permanência no cargo até o fim de 2008. Mais personificação do poder que esta só mesmo em regimes totalitários.

Referências bibliográficas:

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1998. Verbete “Totalitarismo”.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Site Cidades(R). Disponível em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=316080&r=2. Acessado em 23 de outubro de 2007.


8 de outubro de 2007

As relações da mídia com a política (IV)

Dando continuidade à série sobre as relações entre mídia e política, publico a segunda e última parte do resumo do segundo texto.

ESTRATÉGIAS DE CAMPANHA E FONTES DE INFORMAÇÃO NA ELEIÇÃO DE 1989
Lula, por um lado, ganhou vários votos através das fontes interpessoais -- como família, amigos e colegas -- e através de organizações -- como por exemplo a Igreja Católica, uniões de trabalhadores e associações de vizinhanças. Collor, por outro, utilizou-se de uma estratégia de marketing agressiva, tendo como principal aliado a televisão. Os estrategistas políticos de Lula utilizaram-se bastante da mídia de massa, particularmente a televisão, mas também um grande número de organizações de base que fizeram a campanha em nível pessoal.

As duas fontes mais usadas por quase todos os brasileiros foram discussões com membros da família e notícias na televisão. A educação fez pouca diferença tanto no uso da TV como principal fonte quanto no uso de conversas com a família. Entretanto, os com mais educação citaram mais freqüentemente como fonte os debates na TV e os jornais, enquanto que os com menos educação citaram mais freqüentemente notícias no rádio e líderes da Igreja.

Muitos brasileiros assistiram ao horário eleitoral gratuito. Os com educação primária, ou aqueles que moram em áreas rurais, eram os que menos assistiam. Entretanto, eram os que mais citavam o horário eleitoral gratuito como útil para a escolha do candidato. A tendência é que as pessoas prestassem atenção apenas no candidato que já haviam escolhido, "ignorando" os outros.

O horário eleitoral gratuito foi de extrema importância na definição do vitorioso. Os brasileiros realmente assistiam ao programa, o que pode ser comprovado pelo fato de o horário eleitoral ser a segunda maior fonte de informação sobre os candidatos. Contudo, mesmo assistindo, as pessoas questionaram a maneira que os programas foram usados. As campanhas tanto de Collor quanto do Lula tornaram-se bastante negativas.

Os debates foram a terceira fonte de informação sobre os candidatos. Entretanto, as regras dos mesmos, assim como restrições a participação -- ou recusa de participação -- e a edição seletiva de debates para uso em propagandas políticas, eram controversas. Foi-se confirmado empiricamente que o segundo debate realizado pela TV Globo foi manipulado em detrimento de Lula: após o mesmo, Lula, que estava subindo nas pesquisas, começou a cair e, ao final, perdeu a eleição.

HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO NO ESTADO EM 1990 E ELEIÇÕES LOCAIS
Pesquisas realizadas nas eleições locais em 1990 revelaram que as pessoas não estavam mais satisfeitas com o horário eleitoral gratuito, chegando até mesmo a serem contra sua exibição. O problema é que havia muitos candidatos para serem exibidos em pouco tempo, resultando em uma rápida apresentação de faces que diziam apenas algumas palavras. Desta forma, o horário eleitoral gratuito acabou sendo mal utilizado, com algumas pequenas exceções.

CONCLUSÕES
A primeira conclusão que os autores chegam é que o horário eleitoral gratuito conseguiu diminuir a manipulação por parte da televisão em favor de um determinado candidato. O desempenho tanto de Collor quanto do Lula no horário eleitoral favoreceram suas campanhas. Entretanto, o potencial de manipulação não foi neutralizado, como ficou claro na edição de imagens do segundo debate entre os dois candidatos.

Ficou claro também que o horário eleitoral gratuito só é válido para eleições presidenciais, ou então para governadores. Quando as eleições são locais, a quantidade de candidatos acaba prejudicando o processo, pois o tempo acaba ficando muito pequeno para cada candidato.

A terceira e última conclusão a que chegam os autores é que, além do horário eleitoral gratuito, também as diversas instituições interpessoais e organizacionais, como a Igreja e as comunidades locais, exerceram um grande peso na definição do voto da população.


As relações da mídia com a política (III)

Dando continuidade à série sobre as relações entre mídia e política, publico a primeira parte do resumo do segundo texto.

O CASO BRASILEIRO: INFLUENCIANDO O ELEITOR

Joseph Straubhaar, Organ Olsen e Maria Cavaliari Nunes

A democratização do Brasil pode ser comprovada através da criação do horário político gratuito, que garante a exposição dos partidos de maneira igualitária, além da garantia de que nem o governo nem a indústria da mídia irão fazer uso exclusivo da televisão.

Os três autores deste artigo partem do princípio de que as eleições presidenciais de 1989 foram marcadas pelo uso intensivo da televisão, mas não especificamente pelo fato de ter beneficiado um ou outro candidato, e sim pelo fato de que ambos tinha acesso ao horário eleitoral gratuito, e que foi este que permitiu uma maior exposição de todos os candidatos. Afinal de contas, mesmo com toda a "manipulação", que realmente aconteceu, em favor de Fernando Collor, por quê e como o Lula conseguiu atingir 47% dos votos?

Se por um lado vemos que a mídia é extremamente importante na área política, por outro temos de destacar que a mesma concentra-se nos efeitos presumidos do que em verificar como as pessoas percebem o que é passado pela mídia. Os autores, tendo este ponto em vista, pretendem derrubar algumas idéias que tendem a ver instituições da mídia, particularmente aquelas poderosas como a Rede Globo, como virtualmente onipotente na criação e manutenção de benefícios políticos a determinados candidatos.

TELEVISÃO: O MEIO DOMINANTE
A televisão é o meio de informação dominante no Brasil. Contudo, a comunicação interpessoal e/ou organizacional também é muito importante. A posição de domínio da televisão é decorrente da política de incentivos à mesma, durante o período militar. Obviamente que os militares utilizavam a televisão para controlar informações, através da censura. A partir de 1985, entretanto, a mídia pôde ter mais acesso na cobertura de assuntos políticos. A TV Globo "saiu na frente" no que se referiu a Tancredo Neves e Fernando Collor, apoiando os dois abertamente. Contudo, agora ela deve progressivamente dividir seu poder com outras redes de televisão.

A televisão existe para compensar a fraqueza existente nos outros meios de comunicação. São poucos rádios, poucos jornais, poucas revistas. Desta forma, o alcance da mídia impressa é praticamente limitado. Além disso, a televisão é a única que dá uma notícia nacional, tendo em vista que jornais e revistas têm caráter mais regional.

Uma grande forma de informação via televisão, na eleição de 1989, foi os diversos debates entre os candidatos, além do próprio horário eleitoral gratuito. Entretanto, alguns observadores perceberam o "tratamento especial" dado pela Rede Globo ao seu candidato, Fernando Collor de Melo, que veio a vencer a eleição.

A INFLUÊNCIA RELATIVA DA TELEVISÃO NA OPINIÃO PÚBLICA
Em uma pesquisa de opinião pública realizada em 1989, sobre quais as fontes de informação que o indivíduo mais usou para informar-se sobre as eleições, descobriu-se que, dos cinco primeiros, três itens estavam relacionados à televisão; contudo, dos três primeiros, duas fontes eram interpessoais e organizacionais.

Nota-se a importância da família, grupos da Igreja e vizinhos em formas de comunicação que não as de massa. Ainda, é importante destacar que a mentalidade das pessoas é formada juntando-se o que elas vêem na televisão com o que elas discutem entre si, na sua comunidade, no seu bairro, etc.; e o curioso é a interpretação que as pessoas dão para determinado assunto. Quando algo é exibido na TV, uma pessoa do norte / nordeste irá ter uma interpretação, tendo em vista suas próprias condições sociais, enquanto que uma pessoa do sul / sudeste poderá ter uma interpretação completamente diferente.

(Continua na próxima postagem.)


7 de outubro de 2007

As relações da mídia com a política (II)

Danto continuidade à nova série sobre mídia e política, coloco abaixo a segunda parte do resumo do primeiro texto falando sobre as eleições de 1989 para presidente.

AS NOTÍCIAS E AS PESQUISAS
O próprio Roberto Marinho, em uma entrevista ao New York Times, admitiu que estava dando mais visibilidade ao candidato que ele apoiava. Ele fazia isto através da inserção de notícias em seus telejornais com a presença freqüente de Fernando Collor de Melo. Ainda, o candidato aparecia freqüentemente em programas de primeira linha da programação da Rede Globo, como por exemplo no Globo Repórter e no Fantástico. Além disto, a TV Globo anunciava semanalmente o resultado de pesquisas de opinião, influenciando também o eleitorado.

O VENCEDOR ANTECIPADO
As pesquisas de opinião "encomendadas" pela Rede Globo davam Collor como vencedor desde abril. A partir daí, a Globo passou a fazer pesquisas do tipo "Quem será o concorrente de Collor à presidência?", dando a entender que um dos vencedores do primeiro turno já tinha sido determinado. Collor foi publicamente construído como o vencedor.

É claro que as pesquisas diretamente influenciam a decisão do eleitor, pois o mesmo pratica o chamado "voto útil", ou seja, o indivíduo pode não votar no candidato que gosta, caso este não tenha chance, mas irá votar contra aquele que ele não gosta.

MARKETING POLÍTICO
O orçamento para a campanha de Collor foi extremamente alto para os padrões da política brasileira. Sabendo que a corrupção governamental era considerada o grande mal da sociedade brasileira, ele buscou, desde o início da sua carreira de governador, criar a imagem de um homem sério, competente, incorruptível e que "caçava marajás". Para isto, contratou diversas empresas de propaganda, além de consultoria financeira e uma empresa especializada em pesquisas. E estas pesquisas não negavam sua popularidade.

Collor iniciou sua aparição na TV como convidado a participar do programa político gratuito de outro partido. "Repetiu a dose" em 1989, utilizando-se sempre de estratégias de marketing para cooptar a atenção das pessoas, como por exemplo com a utilização intensiva das palavras "caráter", "dignidade", "honra", "coragem" e "justiça". Batia sempre nas teclas da privatização e da eficiência. Sua vantagem nas pesquisas tinha por base: a sua associação com a juventude e com os jovens; a sua coragem e determinação; a luta contra os marajás; o sucesso no governo de Alagoas; e a oposição ao governo federal.

Sua propaganda foi produzida em todos os detalhes, indo desde seus gestos -- os dedos formando um "V" de vitória -- e do seu discurso ("Minha gente"), até às cores e à música. Foram produzidos também outdoors, panfletos, cartazes, etc.

O CENÁRIO DA REPRESENTAÇÃO
Por volta de junho de 1989, o cenário político onde a eleição se daria já estava formado. Novelas, notícias, pesquisas e as estratégias de marketing político foram os "maquinários" desta construção. Nas novelas, os políticos eram vistos de maneira negativa; o Estado foi construído para ser corrupto e ineficiente, e assim por diante.

Vale destacar, porém, que este cenário requeria uma permanente e complexa luta para sua manutenção. O cenário devia ser sempre renovado, recriado, defendido e modificado, para poder atingir seus objetivos. Collor venceu Lula no segundo turno.

CONCLUSÕES
Antes de tudo, por mais que o Brasil tenha uma audiência "ativa", não se deve confundir audiência "ativa" com audiência "crítica". Isto significa dizer que uma idéia geral só pode ser criada dentro dos limites estruturais do processo. Fica claro que as leis brasileiras são fracas no que diz respeito à propaganda eleitoral. Esta, contudo, é de fundamental importância, principalmente para os partidos pequenos.

O último aspecto a salientar é o da democracia. Será que existe mesmo democracia, ao analisarmos que um cenário político é construído pela mídia, especialmente pela televisão? Ainda, vale lembrar que o país é "televisivo", ou seja, a televisão está no centro da sociedade. A grande questão é fazer com que o desejo da maioria prevaleça sobre a “competência” de um cenário político representativo construído pela mídia.

Referências bibliográficas

LIMA, Venicio Artur de. Comunicacion y politica en America Latina: el caso brasileno. Brasilia: Ed Do Autor, 1993.



As relações da mídia com a política (I)

A partir de hoje, estarei iniciando uma série relacionando mídia e política. Colocarei dois resumos de dois textos falando especificamente das eleições de 1989 para presidente e a influência da mídia em tal eleição -- considerada paradigmática por todos que estudam o tema.

A TELEVISÃO BRASILEIRA NAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS DE 1989: CONSTRUINDO UM PRESIDENTE

Venício A. de Lima

As eleições presidenciais de 1989 foram um marco na história política do Brasil. Devemos levar em consideração não apenas o fato de que foram as primeiras eleições após 25 anos do golpe de Estado, e quase 30 anos após da última eleição presidencial. Além disso, alguns pontos merecem ser destacados, como por exemplo o fato de a eleição realizar-se em dois turnos, de ser permitido o voto de analfabetos, além da influência da televisão na exposição dos candidatos.

TELEVISÃO: O FATOR-CHAVE
O autor defende a idéia de que Fernando Collor de Melo elegeu-se presidente em 1989 através do cenário político de representação que foi construído na e pela mídia, especialmente através de novelas, notícias, pesquisas e marketing. Collor utilizou os meios disponíveis para identificar-se com o cenário político, fazendo o público acreditar que ele possuía o "currículo ideal" de um candidato. Ele passou a idéia de que era o único que poderia salvar o país.

MÍDIA E POLÍTICA CONTEMPORÂNEA
Pouco foi explorado em relação ao papel da mídia na política contemporânea. Prefere-se analisar as instituições políticas "clássicas", como partidos políticos, o Estado, ou então determinados tópicos como o autoritarismo e transições de regimes, enquanto que as comunicações são relegadas a segundo plano.

Esta mentalidade começou a mudar no fim dos anos 60 e início dos anos 70. O surgimento de uma mídia poderosa tornou possível um crescimento da mesma no campo dos processos eleitorais e políticos. Os homens entram em contato com o poder político através da televisão. É o mundo através do qual nós pensamos sobre política, sobre diversão, notícias, sobre tudo.

Argumenta-se que hoje a realidade é substituída por imagens criadas pela mídia. A televisão passa a ocupar a posição central como uma máquina do regime de representação, pois ela constitui a mais verdadeira fonte de notícias, informação e entretenimento. Além disto, a televisão desenvolveu características próprias, que lhe trazem grande audiência, como as novelas.

Como a mídia tanto constrói quanto reflete os diferentes cenários de representação em questões de classe, raça, gênero e identidade, ela é então capaz de "reconstruir" a política. A televisão define a agenda temática e estabelece os limites estruturais dentro dos quais todo o processo eleitoral será realizado. As novelas, notícias, comédias, e assim por diante é que determinam as chances de sucesso ou fracasso de um candidato. A mídia pode apresentar um candidato como mais ou menos capaz na execução do cargo a que se propõe.

A TV GLOBO E A POLÍTICA BRASILEIRA
A televisão é o principal meio de comunicação no Brasil. O número de televisores é muito maior que o número de rádios e/ou de jornais ou revistas em circulação. Das emissoras de TV abertas, a que tem maior abrangência em termos de território nacional, e a que tem a maior audiência, é a TV Globo.

Nas eleições de 1989, não é difícil identificar a posição do império Globo e seu papel importante na articulação de interesses de um setor significante da sociedade brasileira. As Organizações Globo deixaram claro que não apoiavam os candidatos progressistas, Brizola e Lula, e também exibiram um perfil do seu candidato ideal: politicamente conservador e "moderno" em política econômica, que favorecesse a privatização e a abertura total a investimentos e comércio exteriores. Em julho de 1989, Roberto Marinho deixou claro sua preferência por Collor.

Collor tinha laços com a Globo desde 1978, quando tornou-se presidente das Organizações Arnon de Mello, que é o maior grupo multimídia de Alagoas e que controla a TV Gazeta, afiliada da Rede Globo. Ele tinha, desta forma, laços comerciais e pessoais com o império Globo, e não foi surpresa determinadas ações tomadas pela Rede Globo no sentido de beneficia-lo.

AS NOVELAS
Segundo Venício A. de Lima, as novelas exibidas na Rede Globo, entre 1988 e 1989, contribuíram e muito para a consolidação da imagem de Fernando Collor. Basta lembrarmo-nos de que as novelas "gastam" mais ou menos quatro horas da programação diária da empresa; além disso, elas obtêm altos índices de audiência, a qual é composta de indivíduos das mais diversas classes sociais. Ainda, as novelas têm o imenso poder de constituir e organizar uma representação específica da realidade.

As novelas que mais causaram influência na população foram "Vale Tudo", "O Salvador da Pátria" e "Que Rei Sou Eu?". A história básica das três era simples: retratavam um Brasil aonde a corrupção era “gerenciada” por políticos, além de mostrar a própria política como um espaço social contaminado. A solução para tais problemas não viria de políticos tradicionais, pois os mesmos eram tão corruptos quanto aqueles que detinham o poder. Todos foram transformados em "marajás", ou seja, em indivíduos corruptos, gastadores, incompetentes e que não queriam trabalhar. No final da trama, contudo, surgia um "herói" jovem, desconhecido e moderno, um verdadeiro "salvador do país".

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas

LIMA, Venicio Artur de. Comunicacion y politica en America Latina: el caso brasileno. Brasilia: Ed Do Autor, 1993.


5 de outubro de 2007

Lembranças de 1848 (III)

Em três partes, apresentarei aqui as idéias principais de Tocqueville, filósofo francês, sobre a Revolução Francesa. Abaixo a última parte.

Tocqueville obteve aproximadamente 92% dos votos da sua região. Veio a saber que, dos seus colegas de Assembléia Nacional, a maioria absoluta era de monarquistas "convertidos" a republicanos, e não republicanos "natos", ou seja, eram pessoas que estavam tentando tirar algum proveito pessoal a partir da nova situação política da França.

Tocqueville analisa as eleições: segundo ele, os revolucionários erraram ao marcar as eleições gerais para tão depois da Revolução. Se tivessem realizado as eleições logo após a Revolução, não abririam espaço para a oposição, e teriam mantido o poder por mais tempo. Eles governavam com a maioria, mas a contragosto desta.

O resultado das eleições foi o esperado: os resultados foram majoritariamente contra o partido dos revolucionários. Estes achavam que a pátria era "tola", inimiga do seu próprio bem. A sociedade parisiense novamente se dividiu entre burgueses e povo; os proprietários eram quase sempre alvo de vandalismo por parte da população. Eram ameaçados e, para evitar sua destruição, abriam mão de aluguéis, ofereciam trabalho sem obter lucros, enfim, curvavam-se à tirania existente para poderem sobreviver. O desespero da burguesia, entretanto, transformara-se em coragem para lutar contra esta situação ridícula à qual a burguesia estava inserida.

A Assembléia Nacional reuniu-se em quatro de maio; achava-se que a mesma não seria instaurada, mas este "boicote" não aconteceu. Todos os parlamentares defendiam a República, mas de maneira diferente: uns precisavam dela para se defender dos seus opositores, e outros para atacarem seus opositores. A preocupação era com o dia seguinte, e não com um projeto em longo prazo.

Os membros da Assembléia Nacional eram os mesmos de antes; falavam bem uns dos outros, mas na verdade se detestavam; e, ainda, não tinham capacidade para pertencer à Assembléia. Aqueles mais revolucionários -- os montanheses -- dividiram-se em duas facções: os revolucionários da velha escola e os socialistas. Estes últimos eram os mais perigosos, pois estavam mais imbuídos do caráter da Revolução.

Outro ponto a destacar é que havia um número bem maior de grandes proprietários e de nobres nesta Assembléia Constituinte. Havia ainda um número grande de membros do partido religioso. O fato de haver sufrágio universal dedicava aos membros da Assembléia um caráter mais honesto, sincero e desinteressado, já que, teoricamente, os representantes do povo haviam sido escolhidos por todos, e não apenas por aqueles que possuíssem dinheiro.

Tocqueville diz que o prédio da Assembléia não era muito bom, pois não permitia que todos ouvissem e vissem o orador ao mesmo tempo: ou se via, ou se ouvia. Além disso, diz também que o que o levou a estar ali era a defesa da liberdade e da dignidade humana, não tendo nenhum objetivo pessoal por trás desta decisão. Ele gostava de desafios e aventuras, e era por isso que ali estava.

Referências bibliográficas:

Tocqueville, Alexis de. Lembranças de 1848. São Paulo, Companhia das Letras, 1991. Cap. 5.


Lembranças de 1848 (II)

Em três partes, apresentarei aqui as idéias principais de Tocqueville, filósofo francês, sobre a Revolução Francesa.

Na região da Normandia, Tocqueville nota que a percepção popular sobre os acontecimentos de Paris é um tanto quanto diferente: as pessoas não se preocupam muito com o que lá acontece, pelo fato de serem agricultores. Além disso, as notícias demoram a chegar a tal região. Entretanto, quando percebem que poderá haver aumento de impostos, além da paralisação do comércio e, principalmente, quando souberam que se atacava o princípio da propriedade, aí sim os habitantes desta região perceberam que era algo mais do que a queda de Luís Felipe.

Tocqueville nota que os agricultores daquela região se uniram, todos, para juntos lutarem contra medidas que porventura pudessem prejudicá-los. Mesmo assim, há uma certa resignação, no sentido de achar que a República é o único regime para a França. Contudo, os agricultores pretendem reagir à demagogia parisiense, e para tanto pretendem ir às eleições e votar em "inimigos" do poder central instalado em Paris. O voto era um meio menos arriscado de enfrentar este poder.

A estratégia de Tocqueville é diferente da estratégia da maioria dos outros candidatos, que ele chama de "ambulantes": ele se recusa a falar em público e a responder às perguntas feitas em relação às suas propostas. Publica uma circular, que é distribuída em todo aquele departamento, onde diz que, da mesma forma que defendeu as leis na Monarquia, assim o fará agora na República. Condena uma república ditatorial exercida em nome da liberdade. Participa de um “debate” entre ele e os outros concorrentes da região, no qual, segundo ele próprio, sai "triunfante".

Tocqueville afirma que é tanto pelos riscos quanto pelas glórias que um cargo na Assembléia Nacional trazia que ele estava ali se candidatando. Ganhara os agricultores com a circular e os operários com seu discurso em um jantar onde, segundo ele, vingara-se de um ex-colega que abusara do poder.

Com a aproximação das eleições gerais, as notícias vindas de Paris diziam que a mesma estava caindo nas mãos dos socialistas armados. Por isto, a guarda nacional estava de prontidão, no sentido de evitar qualquer manipulação eleitoral destes socialistas em relação à população votante. Também as províncias fortaleciam-se cada vez mais, em vista do perigo.

No dia da eleição, todos os votantes -- homens com mais de vinte anos -- puseram-se em fila, dois a dois, seguindo a ordem alfabética. Pediram para que Tocqueville fizesse um discurso, que foi feito sem problema algum e, após o mesmo, os homens votaram.

(Continua na próxima postagem.)

Referências bibliográficas:

Tocqueville, Alexis de. Lembranças de 1848. São Paulo, Companhia das Letras, 1991. Cap. 4.


2 de outubro de 2007

Lembranças de 1848 (I)

Em três partes, apresentarei aqui as idéias principais de Tocqueville, filósofo francês, sobre a Revolução Francesa.

Segundo Tocqueville, foi o próprio mau governo de Luís Felipe que permitiu o acontecimento da Revolução. Ele diz que não são só as grandes mudanças que causaram a Revolução, mas também o acaso -- ou as "causas secundárias" -- tem um papel importante nos acontecimentos da civilização humana. Tocqueville, então, enumera os vários fatores que, para ele, resultaram na Revolução: a "invasão" de Paris por parte de operários, vindos para trabalhar nas manufaturas; os benefícios materiais que esta população obtinha do governo; a idéia de que a pobreza poderia ser solucionada mudando-se a base da sociedade; o desprezo à classe governante; a centralização do poder em Paris; e instituições volúveis, que mudavam constantemente por serem parte de um período de revoluções (sete grandes revoluções em sessenta anos). Além disso, Tocqueville cita ainda a falta de experiência da oposição; o desaparecimento de antigos ministros; a hesitação dos generais; e, principalmente, a incapacidade de Luís Felipe em governar.

A incapacidade de Luís Felipe em governar durante a Revolução veio do fato de ele não ter previsto a mesma, por esta tê-lo pego de surpresa. Além disso, ele governava corrompendo o povo sem afrontá-lo; mudando o espírito da Constituição, não o que estava escrito; apagava o desejo dos revolucionários com benefícios materiais. Todos estes aspectos fizeram com que Luís Felipe não soubesse o que fazer, quando viu o chão ruir a seus pés.

A França passara, nos últimos sessenta anos, por vários regimes de governo, e esta mudança constante trazia instabilidade ao país. Assim, os objetivos de cada revolução não eram nunca atingidos, fazendo com que as pessoas achassem que uma nova revolução era necessária. E foi assim que nascera a Revolução de Fevereiro.

No dia seguinte à Revolução, ainda ouviam-se tiros; mas estes eram de triunfo, não de combate. As ruas vazias e os soldados sem armas mostravam quem era o "vencedor" da Revolução. Tocqueville destaca dois aspectos que chamaram sua atenção: o primeiro foi o caráter extremamente "popular" da Revolução, caráter este único e exclusivo, mas não principal; o segundo foi o fato de não haver rancor, por parte dos vencedores, em relação aos perdedores. Parecia que a Revolução havia sido feita à margem da burguesia e contra ela.

Como o povo detinha o poder, só se via pessoas armadas, guardando os lugares públicos; não havia soldado nem agente de polícia. Por isto, esperava-se atos de violência imensos por parte daqueles que nunca detiveram nada e agora, simplesmente, possuíam toda a França.

A burguesia, ao mesmo tempo em que perdia o poder, não perdia muita coisa; pois para ela era fácil apoderar-se novamente do mesmo. Afinal de contas, se o governo da burguesia era fraco e incerto, ela -- burguesia -- era inapreensível e invisível àqueles que querem acabar com ela, quando ela já não governa.

Diversas formas de acabar com a desigualdade surgiram, umas mais estranhas que as outras, e todas diferentes entre si. Entretanto, todas acabaram tomando o nome comum de socialismo, e desta forma a república torna-se apenas um meio para atingir tais objetivos. A idéia principal era acabar com a propriedade, pois era esta a causa de todos os males que atingiam as classes mais baixas, devido à desigualdade que trazia à sociedade.

Tocqueville irá mostrar a atitude dos parlamentares após a Revolução de Fevereiro. Ele diz que não sente vontade alguma de encontrar tais parlamentares, pois os mesmos tentavam tirar proveito da Revolução, através de sua própria vaidade. Tocqueville, então, retoma o contato com os políticos "vencidos", que são agora chamados de "ociosos", pois estes não pretendiam mais lutar, buscando apenas o bem-estar, acomodando-se a todos os regimes de governo, desde que estejam satisfeitos com o que conseguem dos mesmos.

Tanto proprietários quanto padres e burgueses apressam-se em encontrar "benefícios" trazidos pela nova ordem instaurada pela Revolução. Destacam agora o passado que antes tentavam esconder, inclusive exaltando membros da família que antes seriam mandados para a Bastilha. O rei Luís Felipe, entretanto, não foi mais exaltado: na verdade, caiu no esquecimento, sendo descartado até mesmo pelos seus piores inimigos, que o achavam incapaz de reagir à situação imposta pela Revolução.

Tocqueville, então, "pula" para a época pré-eleições gerais. Sua dúvida era: ele deveria participar dos acontecimentos políticos da época apenas como observador ou como agente? Esta dúvida não era só sua -- os antigos líderes dos partidos também não tinham a resposta para esta questão. Tocqueville diz que se sentia contido e oprimido no regime recém-destruído, encontrando no mesmo toda espécie de desengano pois, em sua visão, ele era honesto demais para a sociedade na qual vivia. Além disso, Tocqueville não tinha facilidade para falar em público e muito menos para liderar muitos homens juntos. Ele se diz mal interpretado em suas qualidades e defeitos, e conseqüentemente era posto abaixo do seu próprio nível natural. Diz ainda que os parlamentares da sua época podiam até agir honestamente, mas as coisas realizadas desta forma eram bem pouco honestas.

Finalmente, tendo em vista que, no novo regime, o caráter era mais importante do que a arte de falar bem ou de manejar os homens, e também que o seu espírito era tal que temia menos o perigo que a dúvida, Tocqueville resolve se candidatar a um cargo na Assembléia Nacional. Para tanto, parte imediatamente para a região da Normandia, com o intuito de angariar votos.

(Continua amanhã.)

Referências bibliográficas:

Tocqueville, Alexis de. Lembranças de 1848. São Paulo, Companhia das Letras, 1991. Cap. 1-3.


1 de outubro de 2007

Breve história da transição para a democracia no Brasil

Na semana passada exibi o filme "Para além do Cidadão Kane", que trata das relações espúrias entre o governo -- qualquer que seja ele -- e a mídia, especificamente a Rede Globo. Alguns alunos enviaram e-mails para mim pedindo mais informação sobre o regime militar e a abertura para a democracia, períodos que são retratados no filme. Sendo assim, abaixo coloco um pequeno resumo do período considerado de transição da ditadura para a democracia no Brasil, período este que se inicia em 1974 e termina em 1985 -- se considerarmos a eleição de um presidente civil, e não militar -- ou em 1989 -- se considerarmos a primeira eleição popular depois da ditatura militar.

A presidência do General Ernesto Geisel (1974-1979) caracterizou-se pela abertura política. Vinha o grupo militar dominante mantendo-se no poder e preservando as características essenciais do regime, mascarando o seu caráter autoritário e repressivo. Houve o término da repressão policial; a liberalização do sistema eleitoral -- permitindo-se a formação de novos partidos; a eliminação parcial da censura à imprensa; a suspensão dos atos institucionais e a anistia dos presos políticos.

Após a derrota nas eleições legislativas de novembro de 1974, o governo baixou um decreto, apelidado de Lei Falcão, elaborado pelo Ministro da Justiça, Armando Falcão, limitando drasticamente o acesso de candidatos ao rádio e à televisão, com o fim de evitar mais uma vitória oposicionista nas eleições municipais de 1976. A morte do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho, presos no DOI-CODI do II Exército, em São Paulo, acelerou o processo de redução da atuação dos organismos repressivos, a partir de 1976.

Em 1977, o MDB conseguiu rejeitar, no Congresso Nacional, um projeto de reforma judiciária apresentado pelo governo, tendo este fechado o Legislativo, aprovado a reforma por decreto e editado o chamado Pacote de Abril, um conjunto de esdrúxulas medidas eleitorais que instituíam a figura do senador biônico, a ser eleito não pelo povo, mas por um Colégio Eleitoral, que tinha a maioria de seus membros oriundos do partido governamental -- a ARENA. Deste modo, a abertura de Geisel pôde ser levada até o final de seu governo, com a revogação, em janeiro de 1979, do AI-5. O sucessor do Presidente Ernesto Geisel foi o General João Batista de Figueiredo, ex-Chefe do SNI e da Casa Militar do Governo Médici, que tomou posse em março de 1979, com mandato até 1985.

Com a finalidade de completar o projeto da abertura, o Presidente João Batista de Figueiredo foi eleito para exercer o mais longo mandato atribuído a um presidente brasileiro: seis anos. Foi um governo com reflexos diretos da crise econômica de 1981 a 1984, das brigas internas do grupo palaciano e da falta de habilidade política do Presidente.

Em agosto de 1979, foi aprovada a Lei da Anistia, pela qual foram anistiados os acusados de "crimes políticos e conexos", ou seja, tanto os adversários do regime militar quanto os opressores e torturadores. Ainda naquele ano foi aprovada a Reforma Partidária, extinguindo-se o bipartidarismo e permitindo-se a criação de vários partidos políticos. A ARENA passou a se chamar PDS (Partido Democrático Social), e do MDB surgiram cinco novos partidos: PMDB, PP, PT, PDT e PTB. O PDS, partido governamental, com os senadores biônicos, deteve a maioria no Congresso Nacional e, conseqüentemente, no Colégio Eleitoral.

Em novembro de 1980, foi aprovada emenda constitucional estabelecendo eleições diretas para Governador. Cisões internas dos grupos reacionários do regime levaram ao afastamento do General Golbery da Chefia da Casa Civil, substituído por Leitão de Abreu, que já havia ocupado o cargo no Governo Médici. Dois anos depois, realizaram-se eleições diretas para os governos estaduais, pela primeira vez, desde 1965, com o PDS ganhando em 12 Estados, o PMDB em 10 e o PDT em 1.

Em novembro de 1983, os partidos oposicionistas encetaram a campanha das "Diretas, Já!", visando a introdução de uma emenda constitucional determinando que as eleições presidenciais de 1984 fossem realizadas pelo voto popular, transformando-se no maior movimento de massa da História do Brasil. Sob esse clima, o Deputado Dante de Oliveira apresentou um projeto de emenda constitucional restabelecendo as eleições diretas para Presidente, não sendo aprovada no Congresso Nacional por não atingir a maioria de dois terços necessária para a modificação de matéria constitucional, permanecendo a escolha do futuro Presidente pela via indireta, por meio do Colégio Eleitoral.

Para a sucessão presidencial, o PMDB conseguiu impor ao partido a candidatura de Tancredo Neves para Presidente e José Sarney -- ex-Presidente do PDS -- para Vice, com o PDS escolhendo Paulo Maluf, ligado aos grupos mais conservadores do país e que contava com a simpatia do General Figueiredo. Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves para a Presidência da República e José Sarney para Vice-Presidente por 480 votos a favor, 180 contra e 26 abstenções.

Com o término do regime militar, iniciou-se a Nova República, em termos políticos, com a chamada transição democrática. A doença inesperada do presidente eleito, Tancredo Neves, antes de sua posse, e que o levou à morte, fez ascender à Presidência da República o Vice-Presidente José Sarney, que assumiu o governo com um razoável crédito de confiança do povo brasileiro.

Durante o seu governo, Sarney acabou de vez com a censura à imprensa, ampliou o pluripartidarismo e legalizou plenamente o sindicalismo e as grandes centrais sindicais: a CUT, ligada ao PT, e a CGT, ligada à esquerda do PMDB e ao PCB. Foram legalizados, também, os partidos de esquerda tradicionais, como o PCB e o PC do B, surgindo novos partidos, como o PSDB, formado por antigos membros do PMDB, de centro-esquerda, e o Partido Liberal (PL), organizado, principalmente, por empresários adeptos do neoliberalismo.

Em novembro de 1986, realizaram-se eleições simultâneas para Governador, Senado Federal, Câmara dos Deputados e Assembléias Estaduais, com o PMDB elegendo a maioria dos Governadores e tornando-se majoritário no Congresso Nacional, o qual seria, também, Assembléia Constituinte, encarregada de elaborar a nova Constituição brasileira, aprovada em 1988. A Carta Magna de 1988 apresentava as seguintes principais características:

  • Sistema presidencialista, com o Presidente eleito por quatro anos, por voto popular direto e eleição em dois turnos;
  • Consolidação dos princípios democráticos e defesa dos direitos individuais e coletivos dos cidadãos;
  • Assistencialismo social, ampliando os direitos dos trabalhadores;
  • Ampliação da autonomia administrativa e financeira das unidades da federação;
  • Amplo intervencionismo estatal.

Poder-se-ia dizer que a Carta Magna de 1988 apresentou-se amplamente democrática e liberal. O governo Sarney teve o grande mérito de consolidar o período de transição democrática, assegurando a campanha eleitoral e as eleições presidenciais de 1989, quando, pela primeira vez, em 29 anos, o presidente da República seria eleito diretamente pelo povo.

Em 1989, após quase 30 anos, o povo escolheu em eleições diretas o Presidente da República, tendo sido eleito Fernando Collor de Melo, que assumiu em 1990 e foi afastado do governo dois anos depois, com um inédito processo de impeachment conduzido pelo Congresso Nacional. O Vice Itamar Franco assumiu a presidência até 1994, quando ocorreram novas eleições que culminaram com a vitória do então ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso, que assumiu a presidência em 1995 e se reelegeu em 1998.