2 de outubro de 2007

Lembranças de 1848 (I)

Em três partes, apresentarei aqui as idéias principais de Tocqueville, filósofo francês, sobre a Revolução Francesa.

Segundo Tocqueville, foi o próprio mau governo de Luís Felipe que permitiu o acontecimento da Revolução. Ele diz que não são só as grandes mudanças que causaram a Revolução, mas também o acaso -- ou as "causas secundárias" -- tem um papel importante nos acontecimentos da civilização humana. Tocqueville, então, enumera os vários fatores que, para ele, resultaram na Revolução: a "invasão" de Paris por parte de operários, vindos para trabalhar nas manufaturas; os benefícios materiais que esta população obtinha do governo; a idéia de que a pobreza poderia ser solucionada mudando-se a base da sociedade; o desprezo à classe governante; a centralização do poder em Paris; e instituições volúveis, que mudavam constantemente por serem parte de um período de revoluções (sete grandes revoluções em sessenta anos). Além disso, Tocqueville cita ainda a falta de experiência da oposição; o desaparecimento de antigos ministros; a hesitação dos generais; e, principalmente, a incapacidade de Luís Felipe em governar.

A incapacidade de Luís Felipe em governar durante a Revolução veio do fato de ele não ter previsto a mesma, por esta tê-lo pego de surpresa. Além disso, ele governava corrompendo o povo sem afrontá-lo; mudando o espírito da Constituição, não o que estava escrito; apagava o desejo dos revolucionários com benefícios materiais. Todos estes aspectos fizeram com que Luís Felipe não soubesse o que fazer, quando viu o chão ruir a seus pés.

A França passara, nos últimos sessenta anos, por vários regimes de governo, e esta mudança constante trazia instabilidade ao país. Assim, os objetivos de cada revolução não eram nunca atingidos, fazendo com que as pessoas achassem que uma nova revolução era necessária. E foi assim que nascera a Revolução de Fevereiro.

No dia seguinte à Revolução, ainda ouviam-se tiros; mas estes eram de triunfo, não de combate. As ruas vazias e os soldados sem armas mostravam quem era o "vencedor" da Revolução. Tocqueville destaca dois aspectos que chamaram sua atenção: o primeiro foi o caráter extremamente "popular" da Revolução, caráter este único e exclusivo, mas não principal; o segundo foi o fato de não haver rancor, por parte dos vencedores, em relação aos perdedores. Parecia que a Revolução havia sido feita à margem da burguesia e contra ela.

Como o povo detinha o poder, só se via pessoas armadas, guardando os lugares públicos; não havia soldado nem agente de polícia. Por isto, esperava-se atos de violência imensos por parte daqueles que nunca detiveram nada e agora, simplesmente, possuíam toda a França.

A burguesia, ao mesmo tempo em que perdia o poder, não perdia muita coisa; pois para ela era fácil apoderar-se novamente do mesmo. Afinal de contas, se o governo da burguesia era fraco e incerto, ela -- burguesia -- era inapreensível e invisível àqueles que querem acabar com ela, quando ela já não governa.

Diversas formas de acabar com a desigualdade surgiram, umas mais estranhas que as outras, e todas diferentes entre si. Entretanto, todas acabaram tomando o nome comum de socialismo, e desta forma a república torna-se apenas um meio para atingir tais objetivos. A idéia principal era acabar com a propriedade, pois era esta a causa de todos os males que atingiam as classes mais baixas, devido à desigualdade que trazia à sociedade.

Tocqueville irá mostrar a atitude dos parlamentares após a Revolução de Fevereiro. Ele diz que não sente vontade alguma de encontrar tais parlamentares, pois os mesmos tentavam tirar proveito da Revolução, através de sua própria vaidade. Tocqueville, então, retoma o contato com os políticos "vencidos", que são agora chamados de "ociosos", pois estes não pretendiam mais lutar, buscando apenas o bem-estar, acomodando-se a todos os regimes de governo, desde que estejam satisfeitos com o que conseguem dos mesmos.

Tanto proprietários quanto padres e burgueses apressam-se em encontrar "benefícios" trazidos pela nova ordem instaurada pela Revolução. Destacam agora o passado que antes tentavam esconder, inclusive exaltando membros da família que antes seriam mandados para a Bastilha. O rei Luís Felipe, entretanto, não foi mais exaltado: na verdade, caiu no esquecimento, sendo descartado até mesmo pelos seus piores inimigos, que o achavam incapaz de reagir à situação imposta pela Revolução.

Tocqueville, então, "pula" para a época pré-eleições gerais. Sua dúvida era: ele deveria participar dos acontecimentos políticos da época apenas como observador ou como agente? Esta dúvida não era só sua -- os antigos líderes dos partidos também não tinham a resposta para esta questão. Tocqueville diz que se sentia contido e oprimido no regime recém-destruído, encontrando no mesmo toda espécie de desengano pois, em sua visão, ele era honesto demais para a sociedade na qual vivia. Além disso, Tocqueville não tinha facilidade para falar em público e muito menos para liderar muitos homens juntos. Ele se diz mal interpretado em suas qualidades e defeitos, e conseqüentemente era posto abaixo do seu próprio nível natural. Diz ainda que os parlamentares da sua época podiam até agir honestamente, mas as coisas realizadas desta forma eram bem pouco honestas.

Finalmente, tendo em vista que, no novo regime, o caráter era mais importante do que a arte de falar bem ou de manejar os homens, e também que o seu espírito era tal que temia menos o perigo que a dúvida, Tocqueville resolve se candidatar a um cargo na Assembléia Nacional. Para tanto, parte imediatamente para a região da Normandia, com o intuito de angariar votos.

(Continua amanhã.)

Referências bibliográficas:

Tocqueville, Alexis de. Lembranças de 1848. São Paulo, Companhia das Letras, 1991. Cap. 1-3.


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