13 de dezembro de 2007

Democracia na América Latina (I)

O objetivo da autora é fazer uma breve análise sobre alguns artigos que tratam da temática transição e consolidação democrática, tema debatido em um painel da Conferência Anual da Sociedade de Estudos Latino-Americanos do Reino Unido, painel esse ocorrido em 2001. Ao mesmo tempo, pretende levantar um pequeno debate acerca da necessidade de se estudar o papel do estado nesses mesmos processos, bem como a função da classe política em construir um estado democrático e não apenas uma sociedade democrática.

Segundo ela, nas décadas de 1970 e 1980 diversos autores buscaram fazer análises sobre os processos, respectivamente, de transição e de consolidação da democracia nos países latino-americanos. Os trabalhos referentes à transição basearam-se nas idéias de criação e/ou reforma de instituições, no papel das elites políticas e na construção de pactos, enquanto aqueles referentes à consolidação têm sua atenção voltada ao papel da sociedade civil nesse processo, bem como leva em consideração os fatores econômicos que influenciam o mesmo (Tedesco 2004, 31).

Levando-se em consideração os trabalhos do segundo tipo, a democracia é, nas palavras de Przeworski (citado em Tedesco 2004, 31), uma "incerteza organizada", onde os atores não sabem o que pode acontecer, ou então sabem o que é possível acontecer, mas não sabem como isso se sucederá, ou ainda sabe o que é possível e como pode acontecer, mas não o quê. No entanto, Tedesco levanta a seguinte questão: de que a democracia na América Latina não é uma "incerteza organizada", já que o estado não é capaz de manter a igualdade dos indivíduos perante a lei e, conseqüentemente, alguns são beneficiados em detrimento de outros -- o que não garante a incerteza para todos, já que alguns têm certeza de como as coisas funcionarão para si próprios. A autora cita novamente Przeworski, quando este autor diz que "(...) o passo decisivo em direção à democracia é a devolução do poder de um grupo de pessoas para um conjunto de regras", o que, segundo Tedesco, não aconteceu na América Latina, já que algumas pessoas se utilizam de contatos pessoais com membros da classe política, por exemplo, para obterem benefícios para si mesmas. Não há, nos estados latino-americanos, um balanço entre "perdas e ganhos", balanço este fundamental à vida democrática, já que o estado não conseguiu garantir a igualdade de todos perante a lei.

No âmbito econômico, as reformas instauradas nos países da região foram criadas por tecnocratas "de cima para baixo", sem a devida participação popular. O argumento utilizado para esse isolamento foi a idéia de que o envolvimento popular em um momento de transição poderia ser ruim internamente, com o retorno dos militares ao poder, e também externamente, com o perigo de fuga de capitais internacionais que, à época, eram fundamentais para a manutenção das reformas. "O discurso do governo era de que ‘não havia alternativas às reformas’. Ao tentar isolar a implementação das reformas, os governos tenderam a tratar questões políticas, econômicas e sociais como compartimentos separados" (Tedesco 2004, 32). Como conseqüência desse tratamento diferenciado dado a essas três esferas, "a classe política tentou ignorar as conseqüências políticas e sociais das reformas econômicas" (Tedesco 2004, 32) ao acreditar que as mesmas poderiam ser divididas em duas: primeiramente, aplicar-se-iam reformas macroestruturais, cujo objetivo era atingir estabilidade, e em seguida seriam aplicadas reformas na microeconomia, juntamente com alterações políticas institucionais que garantiriam o bom funcionamento político, econômico e social do país.

"Essa concepção de dois conjuntos diferentes de reformas a serem aplicados sequencialmente foi errônea" (Tedesto 2004, 33). Segundo ela, essa concepção estava errada, em primeiro lugar, porque ambas as reformas buscavam alterar as relações sociais e as instituições estatais, e por isso deveriam ser aplicadas ao mesmo tempo. Em segundo lugar, essa visão é otimista por acreditar que as reformas que viessem em segundo lugar não entrariam em conflito com as que vieram primeiro: "esse argumento pressupõe que a implementação das reformas de primeira geração obteve sucesso e ignorou os conflitos que poderiam ter surgido como conseqüência das reformas" (Tedesco 2004, 33). Essa diferença temporal entre a aplicação de reformas econômicas e reformas estruturais no estado trouxe como conseqüência a inadequação deste último em lidar com os novos problemas advindos da reforma econômica, já que o estado estava "acostumado" a lidar com um tipo de problema e, de repente, se viu obrigado a utilizar suas antigas estruturas para solucionar novos problemas advindos da reforma econômica, o que, por sua vez, enfraqueceu ainda mais o novo, porém já frágil, estado democrático. "A idéia de seqüência -- tratando primeiro com os militares, depois com a economia e finalmente com a qualidade da democracia -- negligenciou o papel necessário do estado-instituição na organização das vidas tanto pública quanto privada dos grupos e dos cidadãos individuais" (Tedesco 2004, 33). Durante as reformas econômicas, o estado foi reduzido, ao invés de ser reorganizado; a conseqüência lógica disso foi a diminuição da capacidade estatal de exercer as funções que vinha exercendo anteriormente, no que concerne à população. O estado intervencionista passou a ser associado ao autoritarismo, e devia, portanto, ser jogado fora e substituído por um novo modelo estatal. Como conseqüência, o estado foi incapaz de satisfazer as demandas da população, o que contribuiu ainda mais para o aumento da desigualdade social e da concentração de renda nas mãos de poucos. A democracia, nesse sentido, é relegada a segundo plano, como um instrumento para obtenção de dirigentes, em estilo schumpeteriano, já que os indivíduos estariam mais preocupados com seus problemas econômicos que políticos.

(Continua na próxima postagem.)


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