31 de março de 2008

Ciência e política, duas vocações (I)

Max Weber propõe-se a discutir sobre a vocação para a política através do Estado. Este Estado é definido através do seu meio de existência, que é a coação física. Caso a violência não estivesse presente, não existiria também o Estado. O Estado, portanto, é a única fonte do "direito" à violência. A política será então o conjunto de esforços visando à participação do poder ou à influência na divisão desse poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado.

Contudo, apesar de o Estado basear-se na violência, ele é, antes de tudo, uma relação de dominação de um homem sobre outro homem. Esta dominação é legitimada através de três idéias puras: a primeira é a que diz que um homem admite ser dominado por outro devido à tradição e aos costumes; a segunda baseia-se no carisma do dominador, ou seja, em características especiais como devoção e confiança nesta pessoa; por fim, a terceira idéia de legitimidade é fundada na idéia de crença na validez de um estatuto legal (uma eleição, por exemplo).

Dentre estas três idéias, a que mais serve-nos para explicar a vocação para a política é a segunda. É o carisma interior de um chefe ou profeta que faz com que outros homens sigam-no não por obediência ou por costume, mas pela fé. E, caso este líder esteja realmente comprometido, irá viver para seu trabalho e realizará uma grande obra. Contudo, não é apenas este homem que define o processo político: antes, é necessário verificar a natureza dos meios de ação destes homens políticos.

A dominação, seja ela tradicionalista, carismática ou legalista, depende de um estado-maior administrativo -- que irá garantir que as atividades desenvolvidas pelos dominados estejam de acordo com a vontade do dominador -- e também dos meios materiais de gestão. Este estado-maior administrativo, todavia, não irá obedecer ao chefe apenas pelas questões de legitimidade acima citadas. Antes de tudo, interesses pessoais influenciam esta dominação: retribuição material e prestígio social. Desta forma, o salário e a dignidade dos servidores são bons exemplos para os dois tipos de recompensa esperada, e o temor de perder estas recompensas é o que liga o estado-maior administrativo aos detentores do poder.

O estado-maior administrativo divide-se em duas categorias: na primeira, o próprio estado-maior é possuidor dos instrumentos de gestão, ou seja, possuem edifícios, recursos financeiros, material de guerra. A segunda é exatamente o oposto: o estado-maior é privado dos meios de gestão. Por isto, sempre é importante determinar se o detentor do poder dirige e organiza a administração ou se a administração está nas mãos de pessoas economicamente independentes do poder.

Chama-se de agrupamento organizado "segundo o princípio das ordens" o agrupamento político nos quais os meios materiais de gestão são, total ou parcialmente, propriedade do estado-maior administrativo. Isto implica dizer que o soberano exerce seu poder através da dependência dos súditos e do uso da coação exercida pelo exército que ele comanda. Por isto, nota-se que o Estado moderno conseguiu privar os funcionários e trabalhadores de quaisquer meios de gestão. Isto significa dizer que o Estado é um agrupamento de dominação de caráter institucional que monopoliza, no seu território, o uso legítimo da violência física como instrumento de domínio e que reúne, nas mãos do seu dirigente, os meios materiais de gestão.

Ao longo deste processo de monopólio empreendido pelo Estado moderno, surgiu uma nova categoria: a dos "políticos profissionais". Eram pessoas dispostas não a ser senhores, mas sim influenciar estes mesmos senhores. Colocavam-se à disposição dos príncipes dando conselhos e recebiam em troca o seu ganha-pão, além de conteúdo moral para suas vidas. É a partir daqui que poderemos definir o que é viver "da" política e viver "para" a política.

Em geral faz-se as duas coisas: vive-se da e para a política. Quem vive "para" a política transforma-a em fim de sua vida, ou seja, trabalha para a política seja porque gosta do poder, seja porque encontra um equilíbrio pessoal em favor de uma "causa" que dá significado à sua vida. Contudo, a diferença principal é o aspecto econômico. Supõe-se que quem vive para a política já está estabilizado financeiramente, não dependendo da remuneração pelas suas atividades políticas. Desta forma, um capitalista é um grande candidato a homem político, pois já tem seu sustento garantido pela sua atuação econômica. Isto implica dizer que aquele que depende da remuneração pelos seus trabalhos vive da política e aquele que não depende vive para a política. Por isto, ou a atividade política é feita de maneira "honorífica", e neste caso só pode ser feita por pessoas economicamente independentes, ou é aberta a pessoas sem fortuna, exigindo neste caso remuneração.

Esta remuneração, em nossos dias, transformou-se em empregos de toda espécie, seja em partidos, em jornais ou na administração do Estado -- e estes empregos são distribuídos pelos chefes de partido a seus partidários. Isto explica o por quê de as lutas partidárias não serem lutas apenas para execução de metas objetivas, e sim rivalidades para controlar a distribuição de empregos. E atualmente as próprias pessoas comuns ajudam a aumentar esta rivalidade, pois querem garantir seu futuro através de empregos estáveis distribuídos por estes partidos.

(Continua na próxima postagem.)


24 de março de 2008

Sobre Max Weber (V)

(Continuação da postagem anterior.)

Poder, na visão weberiana, é a chance de um homem, ou um número de homens, "realizar seus próprios desejos na ação comunitária, mesmo contra a vontade dos outros". A base para que tal poder seja exercido pode variar consideravelmente, de acordo com o contexto social em questão. Ainda, a origem de tal poder não pode ser restrita a uma só; os homens não aspiram ao poder apenas para enriquecer. "O poder, incluindo o poder econômico, pode ser avaliado 'por si mesmo'. Muito freqüentemente, a aspiração ao poder é também condicionada pela 'honra' social que ele contém."

O interesse de Weber na natureza do poder e da autoridade, assim como sua preocupação com a racionalização, levaram-no a pesquisar o modo de funcionamento das grandes empresas modernas. A organização burocrática é a marca da era moderna. As burocracias são organizadas de acordo com princípios racionais; os escritórios obedecem a uma ordem hierárquica baseada em regras impessoais; os governantes têm sua área de ação delimitada pela alocação metodológica de áreas de jurisdição; promoções são feitas de acordo com qualificações especializadas. É apenas através da centralização do poder político que recursos econômicos podem ser mobilizados. A organização burocrática tornou-se o padrão para a política, tecnologia e economia modernas, e ela é tecnicamente superior a todas as outras formas de administração.

Weber também viu os pontos negativos da burocracia. O principal deles é a impossibilidade de se tratar casos individuais, pois a burocracia iguala todos. Ocorre, portanto, uma despersonalização das ações humanas, ou seja, são removidos o amor, o ódio e qualquer outra atitude pessoal, irracional e incalculável da execução das tarefas. A cultura moderna não pode ter emoções, além de ser estritamente profissional.

A burocratização e racionalização cada vez mais intensas pareciam ser inevitáveis para Weber. O desempenho de cada trabalhador seria mensurado matematicamente; cada homem tornar-se-ia uma pequena peça na máquina. A civilização tornar-se-ia mais perfeita, mais racional, e suas bases seriam muito mais mecanizadas. Mas o quê seria dela?

Weber aponta a alienação como resultado desta burocratização e racionalização crescentes. Ele não acredita no estágio futuro como o mundo da liberdade, ou seja, a alienação não é uma transição para algo melhor. Mesmo permitindo-se acreditar no surgimento de um líder carismático que tiraria a humanidade do curso de sua própria criação, Weber acreditava que o futuro seria uma "jaula de ferro", ao invés de ser o "Jardim do Éden".

Weber acreditava que a expropriação dos meios de produção dos trabalhadores era resultado não do capitalismo em si, mas sim da crescente produção racionalizada e coordenada centralizadamente. Além disto, Weber acreditava que não só os trabalhadores perderam seus meios de produção, mas também os cientistas perderam os meios de pesquisa, os administradores perderam os meios de administração, os guerreiros perderam os meios da violência. E isto não por causa do capitalismo, e sim pela crescente racionalização e burocratização da sociedade. Estas expropriações caracterizariam tanto sistemas socialistas quanto capitalistas. O ser humano, na visão weberiana, não conseguiria se engajar em ações sociais significativas se ele não se juntasse a uma organização de grande porte, na qual ele só seria admitido se sacrificasse seus desejos pessoais e na qual realizaria tarefas específicas.

O mundo moderno foi deixado pelos deuses. O homem racionalizou e tornou calculável e previsível o que antes era governado pela sorte, sentimentos, paixões e pelas convicções pessoais. Esta é a visão de Weber.

Weber buscou traçar o caminho, em seus estudos da sociologia das religiões, pelo qual o homem trocou o procedimento mágico pelo racional na relação do homem com o divino. A ética protestante é o resultado desta racionalização.

Também no campo do direito Weber documentou a racionalização da humanidade. Ele traçou o desenvolvimento da autoridade política dos reis, endeusados por um carisma hereditário, até a dominação fria do Estado moderno, "reinando" dentro dos limites legais e com leis racionalmente escritas.

Até na música Weber notou traços de racionalização. As notas concisas da música moderna -- a padronização rigorosa e a coordenação de uma orquestra sinfônica moderna -- é muito mais "racional" do que a espontaneidade e inventividade das músicas tribais asiáticas.

Weber foi enfático ao opor-se à idéia de que a humanidade seguiu o rumo da História guiada por alguma força dirigente. Ele afirmou que tudo o que foi feito teve por principal objetivo atingir um desejo pessoal. É interessante notar que, quando falava da racionalização e da burocratização da sociedade moderna, Weber "jogava para o alto" sua atenção analítica e dizia que a humanidade estaria presa, no futuro, em uma jaula de ferro criada por ela mesma. É neste sentido que falamos do "desencantamento do mundo" exibido por Weber.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COSER, Lewis A. Masters of sociological thought: ideas in historical and social context. Fort Worth, Texas: Harcourt Brace Jovanovich, 1977.

WEBER, Max. "A política como vocação". In _____. Ciência e política: duas vocações. São Paulo, Cultrix, 1993. Pág. 53-124.

_____. "Conceito de ação social". In _____. Economia e sociedade. Brasília, EDUnB, 1998. Pág. 15-27.

_____. "Os tipos de dominação". In _____. Economia e sociedade. Brasília, EDUnB, 1998. Pág. 139-167.


20 de março de 2008

Sobre Max Weber (IV)

(Continuação da postagem anterior.)

É importante notar em Weber que ele define a autoridade tomando por base tanto os líderes quanto os seguidores, e não apenas os líderes, como seus contemporâneos faziam. A autoridade do líder só existe se os seguidores realmente acreditarem no mesmo.

Weber não se ateve ao significado que os atores impõem aos seus respectivos relacionamentos, ou seja, ele não se limitou ao estudo dos tipos ideais de ação social. Ele via tais ações sociais como forma de compreender as mudanças históricas. Ele percebeu que a mudança de uma ação de fundo tradicional para uma de fundo racional era crucial para a evolução humana. Ele mostrou que a ação racional dentro de um sistema de autoridade racional-legal era o núcleo da moderna e racionalizada economia, isto é, era o núcleo do sistema capitalista. É apenas neste sistema que os indivíduos realizavam a comparação custo-benefício de uma maneira racional. Para Weber, a racionalização da ação econômica só poderia ser feita quando o indivíduo abandonasse conceitos tradicionais de preços e taxas justas, e quando ele passasse e buscar satisfazer seus próprios interesses. Tal racionalização era baseada na ética protestante, que rompeu com o tradicionalismo e incutiu nos homens a idéia do trabalho racional, metodológico e rigoroso.

Esta posição de Weber vem do fato de que ele recusava-se a ver, nas idéias, simples reflexos de interesses materiais. As diferentes esferas da vida têm uma relativa autonomia, apesar de se influenciarem mutuamente. Não há uma harmonia preestabelecida entre o conteúdo de uma idéia e os interesses materiais daqueles que se tornam seus realizadores; apenas uma "afinidade eletiva" pode surgir entre os dois. Um exemplo de "afinidade eletiva" pode ser dado: as idéias calvinistas e as pretensões de certos burgueses, no século XVII.

Weber era fascinado pelas dinâmicas das mudanças sociais, e tentou mostrar que as relações entre um sistema de idéias e estruturas sociais eram multiformes e variadas, e que as conexões casuais existiam em ambas as direções, e não só da infraestrutura para a superestrutura.

O conceito weberiano para "classes" é muito próximo ao conceito marxista; qual seja, é uma categoria de homens que "têm em comum um componente causal específico em suas chances na vida de modo que este componente é representado exclusivamente por interesses econômicos na posse de bens e oportunidades para se obter renda, e é representado sob as condições do mercado de trabalho". A diferença é que Weber acrescenta os grupos estamentais.

Estes grupos estamentais são baseados nos modelos de consumo dos indivíduos, ao invés de basearem-se no lugar dos indivíduos no mercado ou no processo de produção. Tais grupos são normalmente comunidades, que são mantidas juntas através de idéias de estilo de vida próprios e pela estima social e pela honra oferecida por outros. Um grupo estamental só existe se os outros estão de acordo em relação ao prestígio dos seus membros, o que faz com que tais membros distingam-se dos outros na forma de "eles" e "nós".

Dentro de um grupo estamental, seus membros não precisam, necessariamente, estar dentro da mesma classe, na concepção marxista. Desta forma, um membro mais pobre do grupo pode exercer uma influência muito grande, quando por exemplo eles têm medo de perder seu status. O comportamento político pode, portanto, ser influenciado por pessoas que, na visão marxista, fazem parte do proletariado, mas que, na visão weberiana, fazem parte de um grupo estamental importante.

A sociedade, para Weber, está dividida não só em classes, mas também em grupos sociais estratificados. Os membros de um podem ou não ser membros do outro, e seus interesses -- os interesses de uma classe ou de um grupo -- podem ou não ser os mesmos.

Com esta dupla classificação da estratificação social, Weber fornece a base para o entendimento das formas pluralistas da sociedade moderna. Além disso, ele ajuda a explicar o por quê de, em alguns casos, esta sociedade estar dividida entre os que "têm" e os que "não têm".

Também na análise de poder da sociedade, Weber adotou uma postura pluralista. Ele viu que não são só os aspectos econômicos que garantem o poder a alguém. Por exemplo, homens que comandam grandes organizações burocráticas podem adquirir uma grande quantidade de poder econômico mesmo se forem apenas trabalhadores assalariados.

(Continua na próxima postagem.)


19 de março de 2008

Sobre Max Weber (III)

(Continuação da postagem anterior.)

Um tipo ideal é uma construção analítica que serve ao investigador como uma ferramenta de mensuração para encontrar similaridades, bem como desvios, em casos concretos. Ele fornece o método básico para um estudo comparativo.

Não se espera que um tipo ideal baseie-se em valores morais. E Weber não os cria baseando-se em médias estatísticas. O tipo ideal envolve ações típicas de conduta relacionada a determinado assunto, e ele nunca corresponde à realidade concreta: está sempre um passo adiante. O tipo ideal é composto por certos elementos da realidade e forma um todo preciso e coerente, que não pode ser encontrado como tal na realidade.

Os tipos ideais permitem aos pesquisadores construírem hipóteses, ligando-as com as condições que colocaram o fenômeno ou o evento em evidência, ou com as conseqüências que seguem o seu surgimento. Como Julian Freund diz, "sendo irreal, o tipo ideal tem o mérito de nos oferecer um mecanismo conceitual com o qual podemos mensurar o desenvolvimento real e clarear os elementos mais importantes da realidade empírica."

Os três tipos ideais de Weber distinguem-se pelos níveis de abstração. Primeiro estão os tipos ideais baseados em particularidades históricas, como as "cidades ocidentais", "a ética protestante" ou o "capitalismo moderno". Refere-se a fenômenos que aparecem apenas em períodos históricos específicos e em áreas culturais particulares. O segundo tipo envolve elementos abstratos da realidade social, como "burocracia" ou "feudalismo" -- encontrados em contextos históricos e culturais. Por último, há um terceiro tipo ideal, o qual Raymond Aron chama de "reconstruções racionais de um tipo particular de comportamento". Todas as proposições na teoria econômica são, para Weber, deste tipo.

Ao contrário do que é dito, Weber acredita na casualidade sociológica e histórica, mas tal casualidade é expressa em termos de probabilidade. Tal probabilidade, entretanto, não possui nada em comum com a "vontade própria" ou com a impossibilidade de previsão das ações humanas. Tal probabilidade deriva dos resultados das ações racionalmente tomadas pelos homens.

Este mesmo tipo de probabilidade é usado nas definições criadas por Weber. A probabilidade é definida por expectativas normais e racionais, que teoricamente seriam tomadas pelos homens.

É importante notar que há, para Weber, uma diferença entre a casualidade sociológica e a casualidade histórica. No primeiro caso, é assumido o estabelecimento de uma relação regular entre A e B, não do tipo "A torna B impossível", e sim do tipo "A é mais ou menos favorável do que B". Já a casualidade histórica determina as circunstâncias únicas que colaboraram com o surgimento de um evento. É importante esta divisão porque, por exemplo, a casualidade histórica perguntará "Quais as causas da revolução bolchevique?", enquanto que a casualidade sociológica envolve questões sobre a economia, a demografia, ou até causas sociais específicas a todas as revoluções ou a um tipo ideal de revolução.

As questões para causas históricas podem surgir através dos "experimentos mentais", como Weber chamava. É algo do tipo "O que teria acontecido se ...?". As casualidades sociológicas são encontradas de maneira semelhante. Só que, além do experimento mental, pode-se fazer um estudo comparativo com outras situações, e então chegar a uma conclusão. Deve-se lembrar que não encontramos a conclusão, e sim uma das conclusões.

É curioso notar que Weber realizou suas pesquisas baseando-se em explicações amplas e estruturais, e não na pessoa atuante. Seu método é posto em prática em todas as suas análises substantivas, seja quando ele fala sobre a queda do Império Romano, seja quando fala sobre a racionalização do mundo moderno.

A discussão weberiana sobre relações de autoridade -- porque os homens acham que têm autoridade sobre outros, além da legitimidade em ser obedecido -- ilustra o uso dos "tipos ideais" na análise e classificação das ações sociais.

Weber definiu três tipos ideais de autoridade: a carismática -- quando a autoridade é devida a alguém por sua extraordinária virtuosidade, seja ética, heróica ou religiosa; a autoridade tradicional -- quando a autoridade é devida a alguém por acreditar-se na santidade da tradição. Este tipo não se baseia em regras impessoais, e sim na vontade da própria pessoa; e, por fim, a autoridade racional-legal -- que se sustenta em bases racionais e depende de regras impessoais que foram legalmente definidas e/ou contratadas.

Deve-se lembrar que estes são "tipos puros", como em todo o trabalho de Weber. Isto significa dizer que, na vida real, eles podem aparecer misturados.

(Continua na próxima postagem.)


18 de março de 2008

Sobre Max Weber (II)

(Continuação da postagem anterior.)

Durante os anos de guerra, Weber publicou seus estudos religiosos e sociológicos. Logo após a guerra, publicou sua obra-prima, Economia e Sociedade. A série de leituras intitulada História Econômica Geral foi publicada postumamente.

Weber manteve-se sempre dentro de seus próprios conceitos políticos, no sentido de que não pendeu para nenhuma linha ideológica. Não era nem de direita, nem de esquerda: fazia -- e defendia -- o que achava ser correto. Weber procurava a verdade, custe o que custasse. Falava e fazia as coisas independentemente se o resultado lhe traria problemas ou não.

Max Weber concebeu a sociologia como uma ciência compreensiva da ação social. Em seu foco analítico nos atores humanos individuais, ele diferiu de muitos dos seus predecessores, cuja sociologia era concebida em termos sócio-estruturais. O foco de Weber estava nos significados subjetivos que os atores humanos anexam às suas ações nas suas mútuas orientações dentro de contatos sócio-históricos específicos.

Weber distinguiu quatro grandes tipos de ação social: a ação racional orientada a fins; a ação racional orientada por valores; ações com motivação emocional; e, por último, ações realizadas tendo por base a tradição.

Estes tipos de ação social permitiram que Weber fizesse distinções tipológicas sistemáticas, como por exemplo a distinção entre os tipos de autoridade. Além disso, serviram também como base para a investigação weberiana do curso do desenvolvimento ocidental em uma perspectiva histórica.

A conclusão de Weber é que a sociedade ocidental, que era seu foco de estudo, realiza ações orientadas a fins, e que esta mesma civilização já passou pelos outros "três estágios": tradição, emoções e racionalidade orientada por valores. Para Weber, seja na política, na economia ou até mesmo nas relações pessoais, a aplicação eficiente dos meios objetivando algum fim tornou-se predominante e substituiu outras formas de ação social.

Weber, entretanto, não analisas a história de maneira materialista ou idealista. A última unidade de análise weberiana continua sendo o agente concreto, e não suas idéias. "Conceitos como 'Estado', 'associação', 'feudalismo' e outros designam certas categorias da interação humana. Assim, é tarefa da sociologia reduzir estes conceitos a ações 'compreensíveis', que sejam, sem exceção, ações com a participação individual dos homens."

Weber rejeitava tanto os historicistas quanto os positivistas. Contra estes, Weber argumentou que os homens, diferentemente dos objetos, podem ser observados não só pelo seu comportamento, mas também por motivações internas; e, contra aqueles, Weber disse que o método científico, seja o objeto de estudo os homens ou objetos, sempre passa pela abstração e pela generalização.

De acordo com Weber, as diferenças entre as ciências naturais e as sociais nascem das diferenças de intenções do investigador, e não da teórica impossibilidade de aplicarem-se métodos científicos e generalizantes à ação humana. A diferença não está nos métodos de investigação, e sim nos diferentes interesses dos cientistas. O cientista social está preocupado tanto com generalizações do comportamento humano quanto nas qualidades particulares de cada um, e o objeto de pesquisa varia de acordo com os valores de cada pesquisador.

Se por um lado o conhecimento sobre a natureza vem "de fora", ou seja, é algo exterior ao homem, por outro, quando o pesquisador analisa as ações humanas, ele pode tentar descobrir os motivos daquela ação através da interpretação das ações e palavras humanas. Isto é chamado de "entendimento interpretativo". Tal método, entretanto, só é válido se ele puder ser incorporado em estruturas teóricas que contenham explicações satisfatórias.

Um cientista social dificilmente irá realizar algum trabalho sem ser influenciado pelos seus próprios valores. Weber argumenta, entretanto, que tais valores devem ser os do cientista, e não os do cidadão comum. Além disto, o cientista pode avaliar as conseqüências prováveis do curso da ação, mas não deve fazer julgamento de valor.

Weber foi o criador dos "tipos ideais". Ele fez isto porque o cientista poderia se "perder" em seu trabalho. Por exemplo, quando o conceito científico é muito geral, o cientista provavelmente irá esquecer pontos fundamentais e intrínsecos àquele conceito. Por outro lado, se ele usa a conceituação tradicional dos historiadores e particulariza o fenômeno em pauta, o cientista não dá espaço para a comparação com outros fenômenos correlatos. Daí a utilização de "tipos ideais".

(Continua na próxima postagem.)


17 de março de 2008

Sobre Max Weber (I)

Há algum tempo atrás foi publicada neste blog uma série de artigos sobre Karl Marx. Damos início, a partir de hoje, a uma série de artigos falando sobre Max Weber, o contraponto liberal a Karl Marx.

Max Weber nasceu em 1864, época de grandes acontecimentos tanto na Alemanha quanto no mundo. Sua família era claramente burguesa. Seu pai trabalhava para o governo em Berlim e era herdeiro de uma pequena fortuna da família, além de fazer parte da sociedade política que apoiava Bismarck. Sua mãe também vinha de uma família tradicional mas, se por um lado seu pai era fascinado por política, por outro sua mãe tinha o mesmo interesse pela religião.

Weber cresceu em um ambiente familiar burguês. Historiadores e políticos de renome da época eram costumeiros em sua casa. Ele foi um garoto precoce e, aos catorze anos, escrevia textos repletos de referências a Homero, Virgílio e Cícero. Entretanto, o clima em sua casa não era muito bom, por causa do excesso de autoridade do pai e da vontade da mãe de inicia-lo em assuntos religiosos.

Por motivos de treinamento militar, mudou-se para a casa dos tios, onde também havia um "duelo" entre política e religião. Entretanto, diferentemente dos seus pais, seus tios conseguiram fazer com que Weber interessasse-se pelos dois assuntos. Seu tio o tinha como um pupilo, e incentivava os estudos políticos do sobrinho. Sua tia conseguiu fazê-lo interessar-se por religião através de exemplos práticos dentro de casa.

Quando voltou à sua casa, as coisas estavam diferentes. Weber passou a gostar cada vez menos de seu pai, por causa da maneira que o mesmo tratava sua mãe.

Weber obteve muito sucesso no início de sua carreira acadêmica. Escreveu uma tese que serviu também para o pós-doutorado. Substituiu seu próprio professor na Universidade de Berlim e ensinou economia da Universidade de Freiburg.

Contudo, seu casamento com Marianne Schnitger foi um fracasso. Se por um lado eles obtiveram sucesso intelectual e moral, por outro Weber só se satisfez em um caso extraconjugal antes da Primeira Guerra Mundial.

O sucesso de Weber foi tão grande que sua casa virou "ponto de encontro" da nata acadêmica de Heidelberg, mesmo sendo ainda bastante jovem. Weber participava também da política, através da publicação de vários "papers".

Foi nesta época que Weber viu seu mundo desmoronar. Por causa de uma discussão, Weber expulsou seu pai da sua casa, e o mesmo veio a morrer apenas um mês depois deste episódio. Weber demorou cinco anos para recuperar-se.

Parecia que Weber estava acabado. Não conseguia se concentrar nem para ler. Entretanto, tão misteriosamente quanto apareceu, a doença sumiu. Weber readquiriu confiança em si mesmo e voltou a produzir e a lecionar. Lentamente, restabeleceu o contato com amigos e colegas acadêmicos.

Para coroar seu retorno, foi-lhe oferecida a leitura de um texto em um Congresso de Artes e Ciências em Saint Louis, nos EUA. Foi nesta época que Weber visitou aquele país, de onde tirou subsídios para muitos de seus trabalhos subseqüentes.

O apogeu de Weber situa-se entre 1905 e 1914. É desta época a grande maioria de seus escritos e de suas análises. É nesta época também que a casa de Weber em Heidelberg torna-se o centro dos acontecimentos intelectuais ricamente estimulantes e variados.

Durante a Primeira Guerra Mundial, Weber foi responsável por administrar nove hospitais na região de Heidelberg. Fez análises militares sobre a guerra submarina. Saiu da administração dos hospitais em 1915, e passou a criticar a guerra e a liderança alemã. Por causa disto, passou a ser perseguido por crime de lesa-majestade. O nacionalista de ontem tornara-se o opositor de hoje.

Em 1918, Weber deu aula na Universidade de Viena e, no ano seguinte, na de Munique. Seu papel político aumentou muito nos seus últimos três anos de vida: escreveu vários "papers", memorandos e artigos para jornais; foi membro fundador do Partido Democrático Alemão; foi conselheiro na delegação alemã que discutiu o Tratado de Versalhes; foi atuante no trabalho preliminar para se escrever uma nova Constituição; orientou assembléias estudantis e grupos acadêmicos; e estabeleceu contatos próximos com a social-democracia. Chegou a ser indicado como candidato a presidente, mas os conservadores não aceitaram devido à sua anterior oposição à guerra.

(Continua na próxima postagem.)


15 de março de 2008

Retomando

Após um longo período ausente devido a intensos compromissos profissionais, este blog acadêmico voltará à ativa. A partir de amanhã espera-se que o fluxo de postagens retorne ao seu normal, contribuindo com o desenvolvimento intelectual de todos aqueles que visitem este endereço.

Obrigado pela sua visita!