30 de abril de 2008

Liberalismo (III)

(Continuação da postagem anterior.)

CONSIDERAÇÕES SOBRE O LIBERALISMO E A DEMOCRACIA

O liberalismo é uma ideologia, um sistema de idéias e prescrições, enquanto a democracia é uma forma igualitária de condução da sociedade. A democracia é um método, que diz respeito à forma como as pessoas irão participar nas decisões coletivas. O liberalismo é bem mais amplo, pois não se restringe apenas à forma como as pessoas participarão das decisões coletivas, mas também diz respeito à própria forma como as pessoas irão conduzir suas vidas.

Vale destacar também que a liberdade, defendida pelo liberalismo, deve ser vista como uma característica individual, ou seja, cada indivíduo deve ter a sua própria liberdade para fazer aquilo que bem entender. A liberdade, nesse caso, pode ser associada a sentimentos como medo, crença e interesse, no sentido de serem individuais. Já a democracia é existente fora do indivíduo e, por isso mesmo, é um conceito coletivo.

O critério meritocrático (de distinção) é uma das bases do liberalismo: todos os indivíduos têm o mesmo ponto de partida e se diferenciam devido ao esforço individual de cada um, não se considerando o resultado final. Já a democracia baseia-se no critério igualitário, onde o ponto de partida de cada indivíduo é ignorado, e a ênfase está no ponto de chegada de todos -- a igualdade.

O indivíduo, para o liberalismo, é abstrato, pois é formalmente igual a todos os outros. Porém, de forma alguma isso acontece na realidade -- conforme já dito anteriormente, o que importa para o liberalismo é o ponto de partida (a igualdade), e os resultados são diferentes devido ao esforço próprio de cada um. Dessa forma, não há homogeneidade social, com conseqüente estratificação da sociedade. Já para a democracia o indivíduo não é abstrato, é real, pois é no âmbito democrático que todos se expressam e onde há espaço igual para a manifestação comum das diferenças entre cada indivíduo.

RELAÇÃO ENTRE LIBERALISMO E DEMOCRACIA

"O pressuposto filosófico do Estado liberal (...) é a doutrina dos direitos do homem elaborada pela escola do direito natural: doutrina segundo a qual o homem, todos os homens, indiscriminadamente, têm por natureza e, portanto, independentemente de sua própria vontade, e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um, certos direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à felicidade -- direitos esses que o Estado, ou mais concretamente aqueles que em um determinado momento histórico detêm o poder legítimo de exercer a força para obter a obediência a seus comandos devem respeitar, e portanto não invadir, e ao mesmo tempo proteger contra toda possível invasão por parte dos outros. Atribuir a alguém um direito significa reconhecer que ele tem a faculdade de fazer ou não fazer algo conforme seu desejo e também o poder de resistir, recorrendo, em última instância, à força (própria ou dos outros), contra o eventual transgressor, o qual tem em conseqüência o dever (ou a obrigação) de se abster de qualquer ato que possa de algum modo interferir naquela faculdade de fazer ou não fazer."

O jusnaturalismo é considerado o pressuposto "filosófico" do liberalismo porque ele serve para fundar os limites do poder à base de uma concepção geral e hipotética da natureza do homem que prescinde de toda verificação empírica e de toda prova histórica.

Como diz Locke: o estado de natureza é um estado de perfeita liberdade e igualdade, governado por uma lei da natureza que "ensina a todos os homens, desde que desejem consultá-la, que, sendo todos iguais e independentes, ninguém deve provocar danos aos demais no que se refere à vida, à saúde, à liberdade ou às posses".

O Estado liberal surge como uma "associação política" que deve conservar "os direitos naturais e não prescritíveis do homem". "(...) Os indivíduos têm direitos que não dependem da instituição de um soberano e a instituição do soberano tem a principal função de permitir a máxima explicitação desses direitos compatível com a segurança social. O que une a doutrina dos direitos do homem e o contratualismo é a comum concepção individualista da sociedade, a concepção segundo a qual primeiro existe o indivíduo singular com seus interesses e com suas carências, que tomam a forma de direitos em virtude da assunção de uma hipotética lei da natureza, e depois a sociedade".

"O acordo que dá origem ao Estado é possível porque, segundo a teoria do direito natural, existe na natureza uma lei que atribui a todos os indivíduos alguns direitos fundamentais de que o indivíduo apenas pode se despir voluntariamente, dentro dos limites em que esta renúncia, concordada com a análoga renúncia de todos os outros, permita a composição de uma livre e ordenada convivência".

(Continua na próxima postagem.)

29 de abril de 2008

Liberalismo (II)

(Continuação da postagem anterior.)

O liberalismo, ao nível da organização social e constitucional da convivência, sempre estimulou, como instrumentos de inovação e transformação social, as instituições representativas (isto é, a liberdade política, mediante a participação indireta dos cidadãos na vida política e a responsabilidade do governo diante das assembléias e/ou dos eleitores) e a autonomia da sociedade civil como autogoverno local e associativo ou como espaço econômico (mercado) e cultural (opinião pública) no interior do Estado não diretamente governado por ele.

Quanto aos conteúdos ético-políticos, estes foram vivenciados pelo liberalismo de maneiras diferentes, de acordo com os diversos movimentos culturais que a ele se relacionam cronologicamente (a Renascença, o racionalismo, o utilitarismo, o historicismo). A defesa do indivíduo contra o poder (quer do Estado, quer da sociedade) foi, porém, sempre uma constante, a fim de ressaltar o valor moral original e autônomo de que o próprio indivíduo é portador.

A concepção liberal de sociedade e economia é essencialmente competitiva, visto estar orientada a colocar os indivíduos na condição máxima de auto-realização, de onde adviria um bem para toda a sociedade. Acredita na competição e no conflito, visto somente estes poderem selecionar aristocracias naturais e espontâneas, elites abertas, capazes de impedir a mediocridade do conformismo de massa, administrada por uma rotina burocrática.

O Estado mínimo defendido pelo liberalismo garante a liberdade de ter poder sobre a coerção estatal. Ou seja, o Estado é um "mal necessário" que pode ser questionado a qualquer momento pelo indivíduo. O que garante tal questionamento é a própria "liberdade liberal" que o Estado mínimo tem de garantir aos indivíduos. Além disso, essa "liberdade liberal" tem como base a razão; sendo assim, os indivíduos detêm o controle da própria vida, dos seus assuntos econômicos e da vida política.

DEMOCRACIA

Definição clássica: governo de muitos, governo do povo. É considerada uma má forma de governo, pois se considera que é um "governo de vantagem para os pobres" e estes formariam uma "multidão incapaz". Como pode governar bem "aquele que não recebeu instrução nem conheceu nada de bom e de conveniente e que desequilibra os negócios públicos intrometendo-se sem discernimento, semelhante a uma torrente caudalosa?".

Definição moderna: inicia-se com Maquiavel (O Príncipe). Maquiavel diz que "todos os Estados, todos os domínios que tiveram e têm império sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados". No caso da república, Maquiavel as subdivide em repúblicas aristocráticas (governo de poucos) e repúblicas democráticas: estas últimas são aquelas onde o poder não está concentrado nas mãos de um só, mas é distribuído variadamente por diversos órgãos colegiados. Vale lembrar, contudo, que a república não é democracia; mas no seu caráter peculiar de "governo livre", de regime antiautocrático, encerra um elemento fundamental da democracia moderna na medida em que por democracia se entende toda a forma de governo oposta a toda forma de despotismo.

Definição contemporânea: Nos países de tradição democrático-liberal, por democracia é entendido um método ou conjunto de regras de procedimento para a constituição de um governo e para a formação das decisões políticas (ou seja, das decisões que abrangem a toda a comunidade) mais do que uma determinada ideologia.

As definições de democracia tendem a resolver-se e a esgotar-se em um elenco, mais ou menos amplo, de "regras do jogo" ou de "procedimentos universais", que são os seguintes:

1) O órgão político máximo, a quem é assinalada a função legislativa, deve ser composto de membros direta ou indiretamente eleitos pelo povo, em eleições de primeiro ou segundo grau;
2) Junto ao supremo órgão legislativo, deverá haver outras instituições com dirigentes eleitos, como os órgãos da administração local ou o chefe de Estado (tal como acontece nas repúblicas);
3) Todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem distinção de raça, de religião, de censo e de sexo, devem ser eleitores;
4) Todos os eleitores devem ter voto igual;
5) Todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente possível, isto é, em uma disputa livre de partidos políticos que lutam pela formação de uma representação nacional;
6) Devem ser livres também no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais alternativas;
7) Tanto para as eleições dos representantes como para as decisões do órgão político supremo vale o princípio da maioria numérica, se bem que podem ser estabelecidas várias formas de maioria segundo critérios de oportunidade não definidos de uma vez para sempre;
8) Nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições.

Definição do Bobbio: "uma das várias formas de governo, em particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, ou melhor, da maior parte, como tal se contrapondo às formas autocráticas, como a monarquia e a oligarquia".

(Continua na próxima postagem.)

28 de abril de 2008

Liberalismo (I)

Corrente de idéias ou conjunto de convicções políticas que têm como foco principal a defesa e preservação das liberdades individuais na sociedade. As idéias liberais começaram a tomar corpo nos séculos XVI e XVII, época de lutas pela tolerância religiosa nos Estados nacionais, que então se formavam. Segundo o liberalismo, a religião é um assunto privado e não é função do Estado impor uma crença qualquer aos cidadãos. O liberalismo se caracteriza justamente como a luta contra a afirmação do Estado absoluto, com posicionamentos aparentemente diferentes nos diversos países, conforme a maior ou menor atuação a nível institucional dos princípios do absolutismo. Essa corrente de idéias transformou-se em doutrina política, caracterizada pela limitação dos poderes do Estado. As fronteiras deste Estado, para os primeiros teóricos liberais, como Locke ("indivíduo-trabalho-propriedade"), são definidas pelo respeito aos direitos naturais dos indivíduos. Por volta de 1800, o liberalismo passou a estar associado às idéias de livre mercado e de laissez-faire, principalmente à diminuição do papel do Estado na esfera econômica. Essa tendência se reverteu no fim do século XIX, com o surgimento do "novo liberalismo" (distinto do que hoje se conhece como "neoliberalismo"), comprometido com a reforma -- embora limitada -- da sociedade e com legislações voltadas para aspectos sociais.

Ambas as perspectivas estão presentes nos debates contemporâneos. Alguns, como Hayek, reportam-se às idéias da economia clássica do século XVIII; outros sustentam os princípios da economia mista e do Estado de bem-estar social. Apesar dessas discordâncias, os liberais têm em comum a valorização das liberdades individuais em detrimento do aumento do poder do Estado. Os liberais são ativos defensores do governo constitucional, dos direitos civis e da proteção à privacidade.

O liberalismo possui duas "faces" e duas "estratégias": uma, que enfatiza a sociedade civil como espaço natural do livre desenvolvimento da individualidade, em oposição ao governo; outra, que vê no Estado, como portador da vontade comum, a garantia política, em última instância, da liberdade individual.

O liberalismo não pode ser sempre considerado como a "ideologia da burguesia". Historicamente, a burguesia capitalista nem sempre foi liberal e nem sempre os liberais foram defensores desta burguesia. Ao contrário, o liberalismo surgiu muito mais devido a reivindicações aristocráticas do que burguesas: considerar que o liberalismo é a ideologia da burguesia não ressalta todas as reivindicações de liberdade política provenientes da aristocracia e que foram decisivas (na Inglaterra e na França) para destruir o poder absoluto do príncipe, que muitas vezes na Europa, no período do despotismo iluminado, encontrou apoio justamente na burguesia pré-capitalista e resistência na nobreza de toga ou na burguesia da administração. Esta origem aristocrática e não burguesa do liberalismo precisa ser evidenciada, justamente para a compreensão de alguns aspectos mais significativos do liberalismo contemporâneo: este confia totalmente, contra a democracia populista, na dialética entre elites abertas e espontâneas e, contra a democracia administrada, no momento de luta ou de confrontação política.

Além disso, se o liberalismo político, principalmente na Inglaterra, identificou-se com o liberalismo econômico, precisamos reconhecer também que nem toda a burguesia européia foi livre-cambista, já que muitas vezes aproveitou-se das vantagens oferecidas pelo protecionismo do Estado, forçando freqüentemente os liberais livre-cambistas ou os livre-cambistas não-liberais a ficarem na oposição.

Liberalismo segundo a definição do Bobbio: "concepção de Estado na qual o Estado tem poderes e funções limitadas, e como tal se contrapõe tanto ao Estado absoluto quanto ao Estado que hoje chamamos de social".

Liberalismo antigo: "O objetivo dos antigos era a distribuição do poder político entre todos os cidadãos de uma mesma pátria: era isso que eles chamavam de liberdade" (Benjamin Constant).

Liberalismo moderno: "O objetivo dos modernos é a segurança nas fruições privadas: eles chamam de liberdade às garantias acordadas pelas instituições para aquelas fruições" (Benjamin Constant).

O liberalismo antigo contrasta com o liberalismo moderno, pois não é mais possível usufruir toda a liberdade. Por isso, segundo Benjamin Constant, "não podemos mais usufruir a liberdade dos antigos, que era constituída pela participação ativa e constante no poder coletivo. A nossa liberdade deve, ao contrário, ser constituída pela fruição pacífica da independência privada".

(Continua na próxima postagem.)

25 de abril de 2008

Legitimidade (II)

(Continuação da postagem anterior.)

4. Legitimidade-"crença" e legitimidade-"poder"

Independentemente de a legitimidade ser objetivista ou subjetivista, há um ponto em comum entre estas duas tendências: ambas são baseadas na crença.

A tendência subjetivista, usada e propagada por Weber, baseia-se na crença psicológica, ou seja, o indivíduo crê, ele mesmo, na capacidade do governo, legitimando-o, enquanto que a objetivista, que foi objeto de estudo de Rousseau, é baseada na crença social, isto é, o indivíduo crê não por si mesmo, mas porque é forçado a crer.

Entretanto, para melhor analisarmos a legitimidade, devemos tomar por base a ideologia de governo, ou seja, a crença que os governantes têm neles mesmos, ao invés de basearmo-nos na crença dos governados.

Contudo, se utilizarmos esta proposição para analisarmos a legitimidade, poderemos não obter uma descrição satisfatória da mesma, pois devemos também analisar a perspectiva de baixo para cima. Isto significa que não adianta analisarmos a ideologia dos governantes se não levarmos em consideração os sentimentos dos governados.

É aí que surge um novo mecanismo para conceituarmos legitimidade: em termos de poder. Surge, então, o papel da credibilidade no governo. Um governo será considerado legítimo quando usa outras formas de poder (coerção econômica, violência, etc.). Aqui vemos que o componente psicológico de crença continua latente, mas não como uma fé cega, e sim de credibilidade. Acreditamos no governo porque ele dá mostras de que tem capacidade para desempenhar suas funções, e não simplesmente porque acreditamos.

Esta, contudo, também não é uma das melhores idéias para conceituar-se legitimidade. Afinal de contas, que é a legitimidade senão a experiência da validade de certa ordem normativa? Por exemplo, alguém se curva diante do poder partindo do conhecimento de que haverá represálias em caso de desobediência.

Por fim, poderíamos dizer que devemos analisar a legitimidade através da situação de poder, e neste sua variedade. Situações de poder definidas pela coerção ou pela influência não deixam muito espaço para os sentimentos de legitimidade. Situações de autoridade sem consentimento denota uma relação de poder sublegítima. Apenas situações caracterizadas pela autoridade baseada no livre consentimento podem ser compatíveis com sentimentos conscientes de legitimidade.

Podemos, pois, dizer que a análise de Rousseau baseia-se na visão de justificativa do poder oferecida pelos governantes, enquanto Weber baseia-se na autoridade legítima em favor dos governados.

5. A emergência da teoria social: o nascimento da idéia de problema social no Iluminismo

A teoria social que conhecemos atualmente origina-se no Iluminismo, baseada em quatro vertentes à mesma relacionados: a preocupação com os determinismos que afetam os processos sociais, a lógica da pesquisa lockiana, que adota o método científico de estudar a sociedade, a separação de Estado e sociedade e, por fim, o impulsionamento da emancipação.

Este último trata da "libertação do homem da tutela que ele mesmo se impôs", segundo Kant, o que significa que o homem pode criticar as instituições que ele mesmo criou para tomar suas decisões por ele. Isto gerou uma nova desconfiança quanto à legitimidade dessas instituições.

Esses quatro fundamentos foram os responsáveis pelas mudanças radicais de pensamento do século XVIII, levando os pensadores da época a questionar dogmas religiosos, o objetivismo moral, e que levou Rousseau à reorganização da teoria do contrato social.

Mesmo que diversas, as teorias quanto a validade das disposições sociais exibem mentalidade reformistas, pregando a "eliminação da reverência no âmbito das atitudes sociais", pelo "hábito de exigir resultados", como definiu Charles Fraenkel, originando a idéia de que existam os chamados "problemas sociais". Estes são os males e deficiências provenientes de instituições criadas pelo homem, e por isso mesmo, reformáveis através da intervenção da razão crítica. A teoria social moderna nada mais é do que isso, a abordagem crítica e científica dos problemas sociais e, entre eles, a questão da legitimidade.

No século XVIII, as críticas quanto à legitimidade ficaram ainda presas ao tradicionalismo. Montesquieu mostra claramente isso, quando coloca entre as formas legítimas de poder uma ilegítima: o despotismo.

A teoria social aprofunda e expande a compreensão crítica do fenômeno da legitimidade e da ilegitimidade, debatendo os fundamentos sociais dos padrões de autoridade política existentes ou ideais. Amplia a pesquisa sobre a legalidade de práticas e instituições sociais, expandindo o conhecimento sobre a legitimidade, dando novas concepções para se formar o sentimento de validade.

Legitimidade (I)

A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE NA TEORIA SOCIAL

1. Rousseau e Weber como típicos teóricos da legitimidade

Dois pensadores destacam-se no estudo da legitimidade: Jean-Jacques Rousseau e Max Weber. Suas idéias sobre o assunto, entretanto, são bem diferentes uma da outra, e ambos podem ser tomados como os representantes máximos, cada qual da sua forma, de abordar o assunto.

As duas visões são diferentes entre si: enquanto uma busca explicar a legitimidade do ponto de vista da crença, a outra busca explicá-la através do poder. Weber enquadra-se na primeira perspectiva, enquanto Rousseau foi o mais expressivo defensor da segunda.

2. O conceito de legitimidade: legitimidade-norma e legitimidade-poder

O conceito de legitimidade origina-se da filosofia do direito. A palavra legitimus, do latim clássico, significava "legal, em conformidade com as leis". Ou seja, o conceito antigo era diferente do que se tinha agora.

Na Idade Média, o conceito de legitimidade muda, passando a significar que legítimo era aquilo que estava de acordo com os costumes, antes de estar de acordo com a lei.

Também na Idade Média este conceito aproximou-se do poder. Isto se deveu ao fato de o governo direto no mundo antigo ter dado lugar à autoridade imperial. Com isto, era necessário analisar se a delegação de autoridade aos papas e imperadores era verdadeira, ou seja, se este poder era válido. No século XIV, estabeleceu-se a diferença entre o que significava ilegalidade e o que significava ilegitimidade.

Posto isto, fica evidente que a filosofia medieval definiu a noção de legitimidade como qualidade do direito ao governo. Ficou também aprovado que o que atinge a todos tem de ser aprovado por todos, ou seja, deu sustentação à idéia de consentimento popular.

Já na época contemporânea, os teóricos restauraram o conceito de norma, ou seja, a legitimidade é algo definida por lei, e não baseada no jusnaturalismo clássico. Outro aspecto da época contemporânea é a introdução do conceito de poder legítimo.

3. Teorias de legitimidade: subjetivismo e objetivismo

Existem duas vertentes do conceito de legitimidade: a subjetivista e a objetivista.

Na primeira vertente, a legitimidade de um governo é dada ao mesmo porque as pessoas sujeitas a este governo confiam na capacidade do mesmo. As pessoas têm convicção de que é correto e apropriado acatar e obedecer às autoridades.

Contudo, há um ponto bastante importante a ressaltar neste tipo de legitimidade: ela só irá existir se as ações do governo forem compatíveis com o conjunto de valores sustentados pelos diversos grupos existentes na sociedade, ou seja, não adianta ter convicção na capacidade de um governo se suas atitudes são contrárias àquelas que a sociedade normalmente tomaria.

Já no modo objetivista, o que importa não é a experiência no governo que conta, e sim os valores sociais e culturais existentes. A sociedade legitima o governo por conveniência, e não por achá-lo capaz. Esta conveniência tanto pode ser espontânea, no caso de a sociedade estar satisfeita com suas condições de vida e, por isto, legitimar o governo, ou pode ser forçada, quando o governo obriga a sociedade a legitimá-lo.

Todavia, existe um problema nesta aproximação: ela faz com que, de certa forma, estejamos distantes do governo, no sentido de que a legitimação subjetivista é espontânea e a objetivista, de uma forma ou de outra, é forçada, pois a legitimidade passada não é natural, é baseada em algo externo à sociedade.

(Continua na próxima postagem.)

24 de abril de 2008

Presidencialismo / Parlamentarismo (II)

(Continuação da postagem anterior.)

5) A assembléia no governo

Geralmente, países recém saídos de ditaduras irão adotar o parlamentarismo. Entretanto, deve-se tomar cuidados para não cair-se no assembleísmo. Por assembleísmo entenda-se sistemas ditos parlamentaristas, mas onde: o gabinete não lidera a legislatura; o poder não é unificado, mas ao contrário disperso e atomizado; a responsabilidade desaparece inteiramente; a disciplina partidária passa de medíocre a inexistente; o primeiro-ministro e o seu gabinete não têm condições de atuar de forma rápida e decisiva; as coalizões raramente resolvem seus desacordos e nunca têm garantia de apoio legislativo; e os governos nunca podem agir e falar com uma só voz, claramente.

Se por um lado o fato de derrubarem-se todo ano (ou mais freqüentemente ainda) chanceleres é algo ruim, por outro é bom para aqueles na "lista de espera", pois esta instabilidade abre uma oportunidade para ingressar no gabinete.

6) Estabilidade e eficiência

Nem sempre um governo estável e eficiente. Da mesma forma, não é porque um governo é instável que será ineficiente. Assim, para existir governabilidade é necessária existir capacitação estrutural. Isto significa dizer que não são apenas as pessoas que contam cálculo final do desempenho.

Da mesma forma, dependendo da capacidade de um governo, é preferível que ele seja ineficiente: quanto menor sua efetividade, menores os danos causados à sociedade. É óbvio que um governo ineficiente pode prejudicar a sociedade, através do esbanjamento de recursos.

É claro que um governo estável terá mais tempo de implementar suas políticas governamentais. Assim, alguém que passa quarenta anos no governo mudando de cargos terá uma estabilidade pessoal indiscutível, mas isto não significa que ele trouxe melhorias àquele país. Provavelmente esta pessoa ficou quarenta anos através de manobras e da força de sua facção dentro do partido, e não devido ao seu desempenho.

7) A eleição direta do primeiro-ministro

O problema de ter-se eleições diretas para primeiro-ministro é que o primeiro-ministro assim eleito não pode ser substituído e depende do apoio ou falta de apoio recebido do eleitorado. Isto significa que o chanceler não pode ser derrubado, nem pode ser objeto de negociação.

A desvantagem é a rigidez do cargo, pois o primeiro-ministro fica no cargo pelo período para o qual foi eleito. É claro que, em uma situação onde o primeiro-ministro não tenha o apoio da maioria do parlamento, ele pode dissolver o parlamento para poder governar.

Semipresidencialismo

1) O protótipo francês

Para definirmos semipresidencialismo, poderíamos dizer que é um sistema misto com tendência ao presidencialismo. Isto não significa que tenham várias características em comum; ao contrário, há apenas uma característica comum tanto ao presidencialismo quanto ao semipresidencialismo, que é a existência de um presidente eleito pelo povo – ou, ao menos, não eleito pelo parlamento.

No semipresidencialismo, o presidente precisa dividir seus poderes com um primeiro-ministro, e este, por sua vez, precisa garantir um contínuo apoio parlamentar. Esta configuração de "duas cabeças" é necessidade básica para a existência do semipresidencialismo.

No caso da França, temos, pelo lado do costume (a prática constitucional) o presidente, e pelo lado da lei (o texto constitucional escrito) o primeiro-ministro. As oscilações refletem o status majoritário de um em relação ao outro.

Como fica o caso da "maioria dividida", já explicada no presidencialismo norte-americano? O que (ou como) fazer quando a maioria que elege o presidente não é a mesma maioria que controla o parlamento?

Existem três respostas. A primeira é o conflito aberto entre o presidente e o chanceler apoiado pelo parlamento. A segunda diz que o semipresidencialismo não é a junção do presidencialismo com o parlamentarismo, e sim uma alternância entre estes dois sistemas. Assim, o sistema é presidencialista quando a maioria do presidente está em consonância com a maioria do Parlamento; e parlamentarista quando está em dissonância.

Estas duas respostas, contudo, são incompletas. A melhor resposta é aquela que diz ser o semipresidencialismo um sistema misto, flexível, cuja "cabeça principal" oscila à medida que mudam as combinações da maioria. Assim, se a maioria apoia o presidente, este aplica a prática constitucional; com uma maioria dividida, quem predomina é o primeiro-ministro, apoiado pela sua própria maioria parlamentar, utilizando-se da constituição formal. Assim, reforça-se a autoridade de quem tiver maioria.

2) Pontos de semelhança e diferença

Como países semipresidencialistas, podemos classificar, em realidade, quatro países (além da França): a República de Weimar (Alemanha de 1919-1933, Portugal, Sri Lanka e Finlândia).

Existem ainda três outros países que poderiam ser classificados como semipresidencialistas: a Irlanda, a Islândia e a Áustria. Contudo, estes países demonstram ser muito mais parlamentaristas do que semipresidencialistas, contendo apenas poucas características deste último.

3) A definição dos sistemas semipresidencialistas

Um sistema será considerado semipresidencialista se as seguintes características puderem ser aplicadas conjuntamente: primeiro, o chefe de Estado (presidente) é eleito por votação popular – de forma direta ou indireta –, com um mandato determinado; segundo, o chefe de Estado compartilha o poder executivo com um primeiro-ministro, em uma estrutura dupla de autoridade com os três seguintes critérios de definição: 1) apesar de ser independente do parlamento, o presidente não pode governar sozinho, precisando de um governo; 2) o primeiro-ministro e o parlamento independem do presidente, tendo em vista que dependem do parlamento, pois precisam da sua maioria; 3) a estrutura dupla de autoridade permite diferentes equilíbrios e a oscilação de prevalências do poder dentro do Executivo, desde que tenham "autonomia potencial".

Aqui vale lembrar a diferença entre eleição popular direta (ou procedimento análogo), no caso do presidencialismo, enquanto que no semipresidencialismo o presidente é eleito pelo voto popular, direta ou indiretamente. Isto é importante para evitar os efeitos da televisão e dos meios de comunicação de massa.

Qual o melhor?

O melhor sistema é aquele que adapta-se a determinado país. Há uma certa tendência em achar que o melhor sistema político é o do outro, e não o nosso próprio. É óbvio que tanto o presidencialismo quanto o parlamentarismo puros são ruins, assim como os sistemas mistos fornecem argumentos positivos. Contudo, isto não significa que o semipresidencialismo seja o melhor.

Poderíamos dizer que o semipresidencialismo leva vantagem em relação ao presidencialismo por saber lidar melhor com maiorias divididas. Também, para países presidencialistas que querem mudar seu sistema, o melhor é mudar para o semipresidencialismo, pois o mesmo tem aspectos semelhantes ao presidencialismo. O parlamentarismo, neste caso, é dar um passo no escuro.

No caso de países parlamentaristas, caso desejem mudar também deveriam voltar-se ao semipresidencialismo, ao invés do semiparlamentarismo (sistemas de primeiro-ministro).

Contudo, não estou dizendo que o semipresidencialismo é o melhor sistema, apenas o mais aplicável. Isto porque o semipresidencialismo deixa-nos com alguns problemas por resolver, além de ser um sistema um tanto quanto frágil, devido ao problema de maiorias divididas (apesar de o semipresidencialismo tratar deste problema de maneira melhor que o presidencialismo).

23 de abril de 2008

Presidencialismo / Parlamentarismo (I)

Presidencialismo

1) Definição

Assim como os sistemas eleitorais são divididos em majoritários e proporcionais, os sistemas políticos são divididos em presidencialistas e parlamentaristas.

Um sistema político só será presidencialista se o presidente:

- For escolhido em eleição popular;
- Não puder ser demitido de seu mandato por votação parlamentar;
- Chefiar ou de alguma outra forma dirigir os governos que nomeia.

Por eleição popular entenda-se o presidente eleito pela população, ou pelo parlamento apenas quando nenhum candidato receber a maioria absoluta dos votos populares. Uma eleição indireta é aquela na qual é eleito um colégio eleitoral com a função específica de eleger o presidente.

Com exceção dos EUA, todos os países presidencialistas têm problemas. Por isto, iremos analisar o presidencialismo norte-americano.

2) O protótipo norte-americano

O que existe hoje é uma efetiva separação de poderes entre presidente e Congresso, pois o executivo está afastado do apoio parlamentar. Desta maneira, o parlamento não pode interferir nos assuntos internos, e o presidente não pode dissolver o parlamento.

Nos últimos quarenta anos, tem ocorrido o "governo dividido", ou seja, um presidente sem apoio da maioria dos parlamentares. Isto ocorre por interesses partidários, tendo em vista que, para o Congresso controlado pelos democratas, colaborar com um presidente republicano é contribuir para que ele faça o seu sucessor. Por outro lado, um presidente minoritário (no Congresso) que procura restaurar um governo sem divisão é levado a opor-se ao Congresso, atribuindo-lhe a responsabilidade pelas dificuldades políticas que enfrenta.

Assim, o presidencialismo norte-americano ainda funciona devido: à falta de adesão a princípios ideológicos; a partidos fracos e indisciplinados; e a uma vida política centrada nos interesses locais. Desta forma, o sistema norte-americano funciona porque os americanos estão determinados em fazê-lo funcionar, ou seja, aprovar leis que provoquem desagrado é uma atividade arriscada para os ocupantes de cargos eletivos. Portanto, o sistema funciona porque Congresso e presidente não querem ser lembrados como pessoas que estragaram o país.

3) A experiência latino-americana

A maioria dos sistemas presidencialistas encontra-se na América Latina por dois motivos: primeiro, influência dos EUA; segundo, o próprio contexto histórico favoreceu a escolha do presidencialismo, pois os países europeus tinham reis e monarquias, sendo portanto parlamentaristas. Contudo, é também na América Latina que o sistema está mais instável.

Um dos motivos de os sistemas presidencialistas latino-americanos terem tantos problemas, além da má estrutura econômica, é que eles possuem sistemas partidários ruins. Assim, os presidentes ficam em uma oscilação constante e instável entre o abuso do poder e a deficiência de poder. Além disto, existem problemas de governabilidade que o sistema gera e/ou deixa de resolver.

4) Parlamentarismo como remédio?

O parlamentarismo só pode funcionar se tiver como base partidos de formato parlamentar, isto é, organizações relativamente coerentes e/ou disciplinadas. É esta "indisciplina partidária" que causa o governo dividido.

Por isto, a mudança de presidencialismo para parlamentarismo, ao invés de melhorar a situação, poderia torná-la pior, pois os países latino-americanos não têm partidos disciplinados, que são condição básica para um bom funcionamento parlamentarista.

A visão de que o parlamentarismo, uma vez instaurado no Brasil, transformaria a atuação política dos partidos atuais é incorreta, pois os partidos devem adequar-se de dentro para fora e não de fora para dentro. Por isto, a simples mudança para parlamentarismo não resolveria os problemas atuais brasileiros.

Parlamentarismo

1) Tipos de parlamentarismo

No parlamentarismo não há a divisão de poder entre Executivo e Legislativo, como ocorre no presidencialismo. Contudo, não é apenas esta a classificação usada para definir sistemas parlamentaristas.

Existem vários modelos, entre os quais destaco: o parlamentarismo no qual o executivo prepondera sobre o parlamento (o primeiro acima de desiguais); o segundo modelo que possui controle partidário (o primeiro entre desiguais); e o terceiro modelo (o primeiro entre iguais).

Devido a tantas variações parlamentaristas, o mesmo pode dar tão errado quanto o presidencialismo. Para o parlamentarismo funcionar, é necessário a disciplina nos partidos.

2) A partilha do poder

De acordo com a definição dada anteriormente, o primeiro-ministro inglês é o primeiro acima de desiguais, pois ele verdadeiramente governa e tem toda a liberdade de escolher e demitir ministros, que lhe são "subordinados". Desta forma, caso algum ministro do seu gabinete receba um voto de não-confiança, apenas o ministro cairá, e o primeiro-ministro permanecerá no cargo. Além disto, ele pode mudar livremente os membros do gabinete, tendo portanto mais poder que seus ministros.

Já no caso alemão, o chanceler é uma figura menos preeminente, mas, de qualquer forma, é também o primeiro entre desiguais. Neste caso, caso algum ministro receba um voto de não-confiança, todo o gabinete cai, incluindo o primeiro-ministro. Tem tanto poder quanto seus ministros, os quais são escolhidos juntamente com ele próprio.

Por fim, em um governo parlamentarista ordinário, o primeiro-ministro é o primeiro entre iguais, e sua precedência é relativa.

3) Variedades de primeiro-ministro

O melhor forma do sistema de primeiro-ministro é a representada pelo modelo inglês. A maioria é formada por um único partido, nunca por uma coalizão, e caso algum deputado vote contra a orientação partidária ele é considerado de oposição. Para este modelo funcionar, temos de levar em consideração três fatores: eleições por voto pluralitário; bipartidarismo; e forte disciplina partidária.

Por outro lado, o modelo de primeiro-ministro mais fraco é o alemão. Um dos motivos é que a Alemanha possui três partidos, e não dois; além disto, realizam-se coalizões entre os partidos e não existe eleição majoritária. Além disto, o chanceler eleito não precisa ser o líder do seu partido.

Contudo, isto não significa que o modelo inglês seja melhor que o alemão. O sistema alemão consegue corrigir sua fraqueza através do voto construtivo de não-confiança – um chanceler não pode ser derrubado por um voto parlamentar de não-confiança, a não ser que seu sucessor já tenha sido designado. Ainda, temos o fato de que o parlamento designa só o chanceler, não todo o governo. Isto deixa claro que ele está acima do seu governo – o primeiro entre desiguais.

4) O parlamentarismo que funciona bem

Para funcionar bem, o parlamentarismo precisa ter dois aspectos: o governo ser efetivo e, ao mesmo tempo, estável. Existem, é claro, países com sistemas multipartidários, com governos de coalizão, que são estáveis e razoavelmente efetivos. Mas estes países tiveram seu êxito devido às políticas seguidas ou às qualidades pessoais da sua liderança, e não a um tipo determinado de estrutura política.

Por isto, quanto menos parlamentarista um sistema for, melhor ele apresentar-se-á. Isto significa dizer que o parlamentarismo incorpora em sua plenitude o princípio da soberania do parlamento, não sendo nunca "puro".

(Continua na próxima postagem.)

22 de abril de 2008

Sistemas majoritários e proporcionais

1.1. Premissas

Os sistemas eleitorais determinam a forma como os votos traduzem-se em assentos, e deste modo vão afetar o comportamento do eleitor. Dito isto, existem dois principais sistemas eleitorais vigentes: o majoritário e o proporcional.

Nos sistemas majoritários, o candidato vitorioso é o que obtém mais votos; é o único a ganhar a eleição. Além disto, os eleitores canalizam seus votos em uma alternativa, ou seja, votam em pessoas.

Nos sistemas proporcionais, exige-se apenas um número mínimo de votos, e todos aqueles que estão acima deste número mínimo são eleitos. Assim, os eleitores não são obrigados a concentrar seus votos, e geralmente os candidatos estão em listas organizadas pelos partidos.

Desta forma, nos sistemas majoritários quem obtém a maioria (absoluta ou relativa) ganha, enquanto que nos sistemas proporcionais existe uma certa proporção.

Podemos dizer, portanto, que nos sistemas majoritários o vitorioso é o único a ganhar, enquanto que nos proporcionais a votação ocorre em uma eleição para dois ou mais representantes e produz dois ou mais vencedores.

Temos de ressaltar, contudo, que se temos um parlamento em que as duas casas, alta e baixa, são eleitas mediante sistemas diferentes, isto não quer dizer que trate-se de um sistema misto.

1.2. Sistemas majoritários

Depois de diferenciarmos os sistemas majoritários dos proporcionais, vamos ao estudo do primeiro tipo.

Dentro dos sistemas majoritários, existem duas concepções de maioria: a maioria absoluta e a relativa. Maioria absoluta é aquela na qual o vencedor tem mais de 50% dos votos válidos, enquanto que na maioria relativa (ou proporcional) não é necessário que o vencedor tenha mais da metade dos votos. Isto significa dizer que o vencedor atingiu o maior número de votos, representando a escolha da maior maioria.

Quando há necessidade de maioria absoluta, geralmente recorre-se ao sistema de dois turnos, o qual admite no segundo turno apenas os dois candidatos mais votados no primeiro.

Existe também a votação alternativa, na qual os eleitores são solicitados a enumerar todos os candidatos na ordem de sua preferência. Os menos "votados" são eliminados, e as preferências redistribuídas até que surja um vencedor com maioria absoluta. Este é um autêntico sistema majoritário.

1.3. Quando a maioria recebe uma vantagem

Existem outros tipos de sistemas majoritários. Um exemplo foi o sistema Sáenz Peña, usado na Argentina até 1962. Neste sistema, dois terços dos lugares disputados eram dados à lista com o maior número de votos, e o terço restante era dado à segunda maior votação. Este sistema produzia uma maioria esmagadora.

Outro tipo foi o usado no Paraguai até 1992: dois terços dos lugares eram reservados ao partido com maior votação, e o terço final distribuído proporcionalmente a todos os outros partidos. Neste caso, um terço do arranjo eleitoral atende ao critério de proporcionalidade.

Contudo, caso o vencedor não tenha uma vantagem de dois terços -- por exemplo, uma vantagem de 55% --, então a solução será fazer coalizões (alianças) partidárias, para que a maioria seja garantida.

Quando existem poucos partidos (pluralismo limitado), não há vantagens no recurso da vantagem dada à maioria. Esta só é importante quando há uma grande fragmentação partidária, obrigando os partidos a formarem alianças. Teoricamente, estas alianças, se vencedoras, irão formar um governo de coalizão. O único problema aparece caso os partidos voltem à sua posição original depois das eleições.

1.4. Sistemas proporcionais

O modelo mais puro de sistema proporcional é aquele no qual os eleitores enumeram os candidatos de acordo com suas preferências; aqueles que estão acima do quociente eleitoral são redistribuídos em uma "segunda rodada", e assim sucessivamente, até que as cadeiras disponíveis sejam completadas. Este é o voto singular transferível.

Afastando-se deste modelo puro, encontramos três outras variantes: o método do "maior resíduo"; a fórmula da "maior média"; e o sistema Sainte-Laguë.

O sistema de "maior resíduo" beneficia os partidos menores. Após a atribuição dos representantes por quota, através da divisão do número de votos pelo número de representantes, os assentos remanescentes são distribuídos pelos partidos com os maiores resíduos.

O sistema de "maior média" é menos fiel à proporcionalidade, porque favorece os partidos maiores. Contudo, é o sistema proporcional mais comum.

O sistema "Sainte-Laguë" é intermediário entre os dois primeiros, no que diz respeito à proporcionalidade, e é usado apenas na Suécia e na Noruega.

Com relação à proporcionalidade, podemos dizer que quanto maior o universo eleitoral maior a proporcionalidade. Isto significa dizer que, quando menor o universo eleitoral, maior o desperdício de votos, isto é, o número de votos que perdem-se por estarem abaixo do quociente eleitoral, ou do mínimo necessário para vencer a eleição.

Os sistemas proporcionais necessitam de listas de nomes propostos aos eleitores. Estas listas podem ser fechadas (os candidatos são eleitos na ordem determinada pelo partido) ou abertas (quando não há uma ordenação predeterminada, e os eleitores têm possibilidade de manifestar sua preferência).

Há ainda duas outras fórmulas: a "lista livre" e o "voto limitado". Na "lista livre", o eleitor tem tantos votos quantos são os representantes a serem eleitos. Assim, o eleitor pode utilizar seus votos em favor do mesmo candidato, ou a candidatos de partidos diferentes. O "voto limitado" é aquele que atribui mais de um voto a cada eleitor.

Os sistemas majoritários têm um grande problema que é a fácil manipulação, e o defeito dos sistemas proporcionais é que eles permitem um número excessivo de partidos. Para isto, foi criado o quociente eleitoral, isto é, um limite mínimo para a representação eletiva. Desta forma, partidos que não atinjam este quociente mínimo estão fora da disputa eleitoral.

1.5. A eleição em dois turnos

A eleição em dois turnos pode ser considerada um sistema em si própria. Primeiro, porque os eleitores podem reorientar suas escolhas com base no resultado do primeiro turno; segundo, porque permite arranjos tanto majoritários quanto proporcionais.

Contudo, ele não é totalmente majoritário nem totalmente proporcional. No primeiro caso, não é majoritário porque não tem o poder coercitivo deste sistema. Assim, no primeiro turno os eleitores votam a seu bel-prazer, de acordo com sua preferência, como na representação proporcional. Ele também não é proporcional, pois tal objetivo seria desafiado pelos grandes universos eleitorais com representação múltipla.

18 de abril de 2008

Partidos e sistemas partidários brasileiros (V)

(Continuação da postagem anterior.)

Perfil da ARENA

A maioria dos deputados veio dos setores de agricultura (Minas e Centro-Oeste), profissões (Rio Grande do Sul, Norte e Rio), ensino (Rio e Rio Grande do Sul) e comércio-bancos-finanças (Norte). Exibe mais localismo, mas menor nível educacional. Os deputados arenistas do Rio Grande do Sul, Minas e Rio tiveram carreiras mais longas e chegaram à Câmara mais velhos, em contraste com os colegas do Centro-Sul e Nordeste. Ocuparam tanto cargos administrativos quanto eleitorais.

Perfil do MDB

O MDB era formado principalmente por advogados, homens de negócio e funcionários públicos. Contrariamente à ARENA, seus componentes tinham mais condições para a mobilização e comunicação política. Tinha um baixo localismo, mas o nível educacional era mais alto.

Seus integrantes têm carreiras mais curtas e chegaram à Câmara mais novos que os arenistas, e possuem mais cargos eletivos do que administrativos, comparando-se com a ARENA.

Considerações Sobre o Bipartidarismo Brasileiro

Em um primeiro momento, o sistema partidário pode ser considerado hegemônico, pois a ARENA dominava a Câmara. Depois, podemos classificar o sistema como predominante, pois o domínio da ARENA diminuiu mas ainda era majoritário.

Contudo, a sociedade brasileira conscientizou-se durante o período, e escolheu o partido de oposição para expressar seus sentimentos. Isto fez com que a representação do governo na Câmara fosse reduzida nas eleições de 1970, quando o critério mudou de número da população para o número de eleitores.

O Retorno ao Pluripartidarismo, 1980

No segundo semestre de 1978, foi aprovado um plano de governo extinguindo o AI-5 e propondo uma reforma partidária. Esta reforma aconteceria "de cima para baixo", como das outras vezes.

A maioria maciça dos deputados de ambos os partidos apoiavam o retorno ao sistema pluripartidário. Contudo, durante o ano de 1979, houve uma mudança nos planos: o partido do governo, que seis meses antes era menos favorável à reformulação partidária, agora queria dissolver os partidos e apressar a reforma. E a oposição, que era favorável, à reforma, agora era radicalmente contra.

O problema era que na ARENA havia duas facções: uma "fiel" ao governo e outra "dissidente". Mas estes eram dissidentes em nível estadual, e não conseguiriam formar outro partido em nível nacional. Este novo partido não seria de oposição, e sim de apoio moderado.

Houve uma tentativa de reestruturar um novo PTB, mas não foi concretizada esta idéia. Tentou-se criar também o PP, baseado em arenistas dissidentes e emedebistas moderados. Contudo, com a morte inesperada de Petrônio Portella, o governo conseguiu esvaziar o PP em Minas, mas sua atuação no resto do País conseguiu torná-lo um partido de extensão quase nacional, faltando representação em apenas 4 estados.

O PT surgiu da idéia da criação de um partido "de baixo para cima". O objetivo era esquecer as soluções ditas trabalhistas e utilizar as idéias sindicalistas para fortalecer o partido. O único problema ocorreu quando elementos da "Convergência Socialista" tentaram tomar conta das reuniões e impor sua linha ideológica ao novo partido.

Até então, o ex-MDB já tinha perdido 70 dos seus 189 integrantes para a formação do PP, PTB e PT, fora os que foram para o partido do governo. Com isto, o PMDB ficou reduzido.

O novo partido do governo, o PDS, nasceu fortalecido, pois 89,3% de seus integrantes eram da ARENA. Assim, perdeu bem menos que o ex-MDB, dividido em 4 facções. Assim, o governo consegue uma maioria na Câmara, ainda que apertada.

Considerações Sobre o Novo Pluripartidarismo

A nova organização político-partidária após 1979 obedeceu primariamente a fatores históricos, além do fundo político. Ela seria classificada como pluralismo moderado, com a existência de 4 partidos predominantes.

Vale ainda relembrar que o sistema multipartidário foi extinto e o bipartidarismo implantado em 1965 em função da necessidade de estabilizar o sistema político e assegurar uma ampla maioria disciplinada no Legislativo para garantir a continuidade dos programas.

Assim, embora tivesse maioria no Congresso, esta não era tão obediente. O sistema pluralista foi adotado não porque era melhor, mas porque o bipartidarismo era ruim na época, pois a polarização entre governo e oposição faria com que as votações tornassem um plebiscito. Com o pluripartidarismo, o governo objetivou fragmentar a oposição e obter vitórias mais fáceis.

17 de abril de 2008

Partidos e sistemas partidários brasileiros (IV)

(Continuação da postagem anterior.)

Os Partidos Conservadores

O PSD era o principal partido brasileiro. Manteve-se no poder durante quase todo o período 1946-64. Baseou-se nas máquinas políticas estaduais que enraizaram-se com o Estado Novo.

Observamos que seus integrantes eram advogados, profissionais de saúde, funcionários públicos e dos setores comércio-bancos-finanças. Estes deputados representavam interesses agrários, mas não ocupavam-se destes setores.

Tinham níveis de educação e localismo altos, carreiras muito longas (pois entraram na política muito jovens), e chegaram à Câmara já mais velhos. No Norte e Nordeste predominavam os cargos administrativos, enquanto que em Minas e no Centro-Sul predominavam os cargos eletivos.

Outro grande partido conservador foi a UDN. Era um partido liberal-burguês de ampla penetração nos setores industriais e de classe média. Contudo, encontramos advogados, profissionais da saúde e outros profissionais, além de fazendeiros, ao invés de predominarem elementos da burguesia nacional.

Os níveis de educação e localismo são bem altos, com carreiras de duração mediana e idades medianas. Além de deputados, eram também administradores e secretários estaduais, além da administração federal.

O PR é o mais antigo dos partidos, pois foi fundado em 1870. Após dominar a política durante a República Velha, se não fosse pelo AI-2 teria sido extinto.

Era composto por ocupantes da antiga política coronelista; tinha níveis de educação e localismo muito altos; e carreiras muito longas e mais administrativas.

Por fim, o PL tinha em seus quadros jornalistas, médicos e outros profissionais, com um nível de educação baixo e localismo alto, em sua maioria passaram por carreiras longas e por vias eleitorais.

Considerações Sobre o Pluripartidarismo

Embora o Brasil tivesse até 13 partidos representados na Câmara dos Deputados em 1963, não podemos considerar este um sistema de pluralismo polarizado, e sim de pluralismo moderado.

Isto significa que, apesar de vários partidos oficialmente existentes, apenas três ou quatro tinham significância no cenário político. A coligação PSD/PTB sempre esteve no poder, com o presidente eleito e maioria no Congresso. Nas duas vezes que a UDN esteve no governo, ela não dispunha de maioria. Além disto, houve uma polarização natural da sociedade brasileira. Esta polarização foi reforçada pela representação proporcional, e dividiu-se entre situação versus oposição.

A estrutura de oportunidades políticas neste período visava a constituir uma coligação de estados dentro do partido para conseguir a indicação como candidato à presidência da República, sendo o cargo de governador de estado da maior importância como trampolim.

O Sistema Bipartidário, 1966-1979

Apesar de o sistema ser pluralista após 1945, podemos dizer que a disputa ficava entre o PSD/PTB e a UDN. Esta bipolarização foi oficializada com a criação do AI-2, criando assim um partido da situação e outro de oposição.

Foi estabelecido que, para estabelecer-se, cada partido deveria ter no mínimo um terço de cada casa. Poderiam ser criados, em teoria, até três partidos, tarefa visivelmente difícil. Assim, vários deputados foram "convidados" a integrarem temporariamente o MDB (oposição), ao invés de integrarem o novo partido governista, a ARENA.

Esta reorganização causou problemas para a ARENA, pois os integrantes dos ex-partidos tinham visões diferentes, o que causou instabilidade crônica no partido em diversos estados.

A ex-UDN foi a que mais dividiu-se: 90% foi para a ARENA e o resto para o MDB. O ex-PTB dividiu-se um pouco menos: 70 deputados foram para o MDB e 34 para a ARENA. O ex-PSD dividiu-se mais eqüitativamente: 65% para a ARENA e 35% para o MDB. Em relação aos outros ex-partidos menores, a grande maioria foi para a ARENA, pois "fora do governo não havia salvação". A exceção foi o PSB, onde 2/3 foram para o MDB.

(Continua na próxima postagem.)

16 de abril de 2008

Partidos e sistemas partidários brasileiros (III)

(Continuação da postagem anterior.)

Partidos Progressistas

No PTB, três facções podem ser distinguidas: os sindicalistas, os ideólogos-doutrinários e a ala pragmática-getulista. Vargas foi o presidente de honra até sua morte; após, a liderança dividiu-se entre as três facções.

Apesar de ser chamado de "o partido dos trabalhadores", o PTB era formado em sua maioria por representantes da classe média e alta. Seus níveis de educação e localismo foram baixos. Os petebistas tinham carreiras curtas e chegaram à Câmara muito jovens. Além de cargos de deputados, outros cargos comuns foram o de prefeitos e cargos federais.

Em geral, o estilo do PTB foi muito eficaz em termos de promover rapidamente seus membros ao Congresso Nacional ainda muito jovens. Este estilo de recrutamento político devia-se à expansão muito rápida e ao fato de o partido ter sido beneficiado pela proscrição do PCB em 1948. Em 1959-60 houve um racha no PTB. Seus dissidentes saíram do partido e formaram o MTR, Movimento Trabalhista Renovador, e elegeram 3 deputados e um senador.

Outro partido progressista importante foi o PSP. Era formado por agricultores, profissionais da saúde, comércio-bancos-finanças, jornalistas e até militares. Seus níveis de educação e localismo foram baixos. Seus integrantes tinham carreiras medianas e chegaram à Câmara em idades medianas. Aproveitaram mais ou menos em igualdade os cargos eletivos e administrativos.

Um terceiro partido progressista importante foi o PST. No início era formado exclusivamente por agricultores; depois passou a alinhar-se mais com o trabalhismo e o populismo das áreas urbanas do Centro-Sul. Seus níveis de educação e localismo foram baixos. Seus integrantes tinham carreiras longas e bastante institucionalizadas nas administrações federal, estadual e municipal.

O penúltimo dos partidos progressistas é o PTN. Tinha uma forte base no estado de São Paulo. Seu perfil ocupacional conta com advogados, profissionais de saúde, comércio-bancos-finanças e jornalistas. Tem nível educacional baixo e localismo mediano. Apresenta recrutamento lateral, porém mais por vias eletivas, concentrando-se nas assembléias estaduais, nas administrações federais e estaduais e em cargos eletivos locais.

O último partido progressista, o PRT, foi a menor agremiação do período. Geralmente este partido apoiava o PSP em coligação. Seus integrantes eram oriundos dos setores indústria-transporte e jurídico, tinham um localismo alto e nível educacional baixo, sem carreiras prévias e chegaram à Câmara dos Deputados em idades muito avançadas.

Os Partidos Ideológicos

O PCB foi o primeiro partido ideológico a se formar. Em princípio, o partido fazia oposição a Vargas, mas depois passou a apoiá-lo com o "queremismo". Com a queda de Vargas, lançou seu próprio candidato a presidente da República, mas voltou à sua origem oposicionista devido ao cerco do governo Dutra.

Seus integrantes eram, na sua maioria, operários do setor indústria-transportes, além de profissionais da saúde e imprensa. O nível educacional era baixo e não tinham raízes locais. A carreira foi curta, entraram para a política mais jovens do que todos.

O desaparecimento do PCB não fortaleceu o PSB. Neste partido, a maioria dos deputados vinha da burguesia nacional, além de advogados e professores. Tinham um alto grau de localismo e um baixo nível de educação, além de carreiras curtas e entrada na política em idades avançadas. Usufruíram mais de cargos eletivos do que administrativos.

O PDC apresentava advogados e militares em seus quadros. Os dados de carreira política e idade sugerem indivíduos que rapidamente escalaram cargos administrativos até chegas à Câmara. O partido estava constituindo uma base popular rapidamente devido à sua intensa mobilização entre os jovens, além da ação comunitária.

O PRP tinha baixos níveis de educação e localismo. Seu perfil ocupacional era singular: jornalistas e indústria-transportes mas, diferentemente do PCB, não eram operários e sim empresários do setor. Seus deputados tinham carreiras longas, através de cargos eletivos.

O último partido ideológico foi a ED, mas não teve grande expressão no cenário político brasileiro.

(Continua na próxima postagem.)

14 de abril de 2008

Partidos e sistemas partidários brasileiros (II)

(Continuação da postagem anterior.)

Os Partidos da Década de 1930

Os partidos tiveram um período tumultuado no início da década de 1930. A política dos governadores decaiu e começa o reaparecimento da mentalidade de partido nacional. Os primeiros esforços foram em direção a uma reforma no sistema eleitoral, pois de acordo com o vigente não era possível formar partidos nacionais eficazes.

João Cabral, um dos juristas que dedicaram-se à questão, propôs a representação proporcional, a instituição do voto secreto e da Justiça Eleitoral. O Partido Democrático Nacional foi fundado com o objetivo de fazer a reforma política, mas não pelas reformas sociais, pois sua cúpula representava elementos da elite.

Mantiveram-se os partidos estaduais, que lançavam chapas contra os de oposição, formados pelos derrotados da eleição de 1930. Além disto, foram instituídas a representação proporcional, a Justiça Eleitoral, o voto secreto e o voto feminino.

Todavia, ainda existiam problemas para a formação de partidos eminentemente nacionais. Ao sistema de representação proporcional, opunha-se o sistema de representação profissional, de cunho fascista. Desta forma, havia dois tipos de partidos: aqueles permanentes e os transitórios, que formavam-se apenas para disputar as eleições. Outro problema era que qualquer um poderia ser candidato, independentemente de ter ou não partido: bastava apenas um abaixo-assinado com um número mínimo de assinaturas.

O problema não era a falta de partidos, pois existia um oficial em cada Estado e mais dois ou três de oposição, também em cada Estado. Porém, dentro deste sistema partidário que procurava aparentemente manter a sobrevivência de antigos hábitos políticos, havia uma nova força que defendia os direitos dos trabalhadores e da classe trabalhadora. Havia representantes do chamado partido Socialista Brasileiro distribuídos em cada Estado.

Apesar de o Partido Socialista ter uma representação reduzida, ele contribuiu para a evolução do sistema partidário em dois aspectos: elaborar um programa realmente nacional, sem interesses estaduais, e concentrar sua ação partidária nas necessidades concretas do povo, ao invés de ficar apenas no debate teórico. Devido ao debate em torno da questão social, surgiram duas correntes: uma esquerdista, a Aliança Nacional Libertadora e a outra de direita, a Ação Integralista Brasileira.

Em 1937, houve um aquecimento em torno do sistema partidário, devido às eleições de 1938. De um lado, o candidato "semi-oficial" José Américo de Almeida, e do outro candidato de oposição Armando Salles de Oliveira. Embora a candidatura de José Américo não organizasse um partido político formalmente, esta campanha foi uma tentativa de mobilizar o eleitorado em duas correntes. Contudo, estas atividades partidárias tiveram seu fim com a imposição do Estado Novo.

A Experiência Multipartidária: 1945-1965

Em 1943, surgiram manifestações em favor do retorno do sistema democrático constitucional e das eleições. Este desejo foi manifestado também dentro das Forças Armadas.

Vargas, então, regulamentou as eleições para 2 de Dezembro de 1945. Contudo, antes desta regulamentação, a movimentação partidária já havia recomeçado. Pode-se perceber quatro grupos distintos: políticos do período pré-1930; dissidentes dos golpes de 1930 e/ou 1937; a esquerda socialista; e alguns representantes das oligarquias rurais do Nordeste.

Desta frente anti-getulista, surgiu a União Democrática Nacional (UDN). Contudo, vários outros integrantes desta frente deixaram-na para a criação de outros partidos, tais como o PR, o PCB, o PSP, o PL, o PSB e a ED.

As forças getulistas iniciaram, então, a criação do PSD. Além deste, foi criado também o PTB, para angariar apoio a Vargas e Dutra entre as massas populares dos grandes centros industriais.

(Continua na próxima postagem.)

11 de abril de 2008

Partidos e sistemas partidários brasileiros (I)

Neste trabalho, iremos analisar o sistema partidário do Império, da República Velha, o período de multipartidarismo (1945-1965), o momento de bipartidarismo (1966-1979) e a volta ao multipartidarismo, a partir de 1980. Serão analisados sua formação, evolução histórica, composição e interação com sistemas partidários. (1)

Facções e Partidos no Império

Já antes da Independência, havia duas tendências políticas: uma nacionalista (com brasileiros natos como maioria) e outra que apoiava a coroa portuguesa e o domínio da colônia.

Durante o Primeiro Reinado, havia quatro facções (não partidos), a saber: o grupo patriota (que apoiava o governo) e os três de oposição -- os moderados, os exaltados e os revolucionários. No período da Regência começaram a aparecer as primeiras organizações partidárias.

Foi aproximadamente entre 1837-1838 que os partidos Conservador e Liberal passaram a existir definitivamente. O partido Liberal foi criado com a vitória do Ato Adicional e o Conservador pela lei da interpretação.

Uma das primeiras ações do partido Liberal foi a luta contra o absolutismo de D. Pedro I. Esta luta foi o embrião do federalismo. O Partido Liberal caracterizou-se pela luta pelos interesses da burguesia urbana, do capitalismo comercial e dos intelectuais progressistas.

Entretanto, com a ineficácia dos gabinetes liberais, o partido Conservador consegue uma maioria na legislatura de 1838, defendendo os interesses agrários do açúcar e do café. Isto deveu-se também à união dos liberais de direita com os antigos restauradores da esquerda em defesa dos interesses da lavoura.

O equilíbrio entre os partidos estava atingido. Os liberais conseguiram o federalismo com o Ato Adicional e os conservadores corrigiam seus excessos com a Lei da Interpretação e a Criação do Conselho de Estado. Com a Maioridade, este equilíbrio é rompido, e segue-se um período de conciliação, no qual o liberal confundia-se com o conservador.

Neste período foi feita uma reforma no sistema eleitoral, que objetivava vincular o representante a um eleitorado circunscrito. Teve o objetivo de quebrar a homogeneidade dos partidos e dificultar a formação de maiorias maciças.

Em 1861, a Câmara dividiu-se em três grupos: conservador, liberal e moderado. Este último era uma subdivisão do grupo conservador, e juntou-se com o grupo liberal para formar o partido Progressista.

O último partido a formar-se no período Imperial foi o Republicano. Este novo partido teve suas bases econômicas ligadas às novas condições da lavoura do café. Com a decadência do café no Rio e a ascensão do mesmo em Minas e em São Paulo, era necessária uma nova organização política, cuja bandeira era o federalismo.

O Manifesto Republicano, lançado em 1870, sofreu uma grande influência do positivismo na ideologia republicana. Este Manifesto não era mais avançado do que o programa do partido Liberal reformado em 1868, mas tinha um componente diferente: a questão federal. Isto em muito contribuiu para a queda do Império.

Partindo de um sistema inicial de facções, o sistema partidário do Império aproxima-se de um sistema bipartidário, com alternância no poder. Contudo, fica evidente a tendência de faccionismo interno nos dois partidos.

Os Partidos Estaduais da República Velha

As duas principais correntes de opinião no início da era republicana eram o federalismo e o antipartidarismo. Havia uma hostilidade aos partidos nacionais muito evidente entre os representantes da primeira geração republicana.

Em 1910 surge o partido Conservador Nacional, que surgiu após a vitória do marechal Hermes para presidente da República. Em 1913, Rui Barbosa cria o partido Republicano Liberal, que objetivava manter a chamada oposição acesa e coesa reunindo derrotados da campanha espalhados por vários estados.

No final da República, é criada outra chapa oposicionista, baseada nos estados de Minas e Rio Grande do Sul, contra a situação dominada por São Paulo. A Aliança Liberal lança a chapa de Getúlio Vargas contra a chapa de Júlio Prestes.

Em 1922 cria-se o partido Comunista, que teria uma influência crescente na vida partidária do país nos anos vindouros, apesar de na época não ser representado no Congresso Nacional.

Temos, pois, no período republicano, um sistema partidário composto de vários núcleos estaduais. Cada estado possuía um partido Republicano (PRP -- Paulista, PRM -- Mineiro, etc.), que era uma composição de núcleos regionais alternando-se no poder.

Em nível nacional temos a chamada "república do café com leite", a qual era liderada pelos dois estados mais poderosos da época: São Paulo e Minas Gerais. Isto acontecia devido ao modelo agro-exportador que vigorava no período, além de certos aspectos político-eleitorais que eram contra o surgimento de partidos nacionais.

Com o aumento de eleitores, juntamente com a adoção do voto descoberto, além da influência de coronéis interioranos, aumenta-se também a corrupção eleitoral e a fraude nas eleições.

A manipulação dos votos nos grandes estados facilitava a hegemonia dos grupos situacionistas estaduais. A divisão distrital era feita pela situação estadual. Por isto, caso algum candidato "por fora" vencesse as eleições, a situação poderia recorrer ao "reconhecimento dos poderes" controlado pela liderança do governo na Câmara dos Deputados nos últimos dias da legislatura finda, para depurar estes desafiadores.

Na prática, a República Velha tem uma política partidária "fluída", com as sobras dos partidos Conservador e Liberal. Evolui para um partido hegemônico, fracionado nos núcleos estaduais, que se não fosse pela manipulação teria perdido a eleição de 1929, devido ao tenentismo e aos acontecimentos econômicos da época (decadência do café e crise econômica mundial).

(1) Trabalho publicado em 1999.

(Continua na próxima postagem.)

10 de abril de 2008

Grupos de pressão e grupos de interesse (IV)

(Continuação da postagem anterior.)

Empresas Multinacionais

Um poderoso grupo de pressão é o constituído por empresas multinacionais. Para ter-se uma idéia, foram criadas leis nos EUA que dão a impressão de que nem industriais nem operários poderiam mais apresentar seus interesses particulares como sendo de interesses gerais da nação.

O objetivo da política americana de "ajuda externa" era pura e simplesmente "promover os interesses nacionais dos Estados Unidos". Tais interesses eram a manutenção (no Brasil) de um governo ou sociedade compatível com os interesses de segurança americanos no hemisfério, além da proteção e expansão dos investimentos e interesses comerciais norte-americanos.

Para exemplificar a questão, durante 1961-1964 o Brasil recebeu, em média, 100 milhões de dólares por ano. À época de Goulart, todos os créditos foram supridos por razões políticas. E, nos cinco primeiros anos de governo militar, o Brasil recebeu, em média, 2 bilhões de dólares.

Além das empresas multinacionais, também o BIRD, a AID e o FMI, entre outros, fazem parte do aparato internacional criado para promover a expansão do capitalismo. Obviamente que estes organismos também exercem influência.

Segundo Luciano Martins, as multinacionais deverão reorganizar seu pacto político com as elites locais da América Latina. Isto ocorrerá tendo em vista a nova organização político-econômica mundial, que exige uma menor intervenção americana na América Latina.

Portanto, a associação das corporações multinacionais com as elites subdesenvolvidas tende a engendrar estruturas sociais que expressar-se-ão politicamente através da formação de uma espécie de "corporativismo" internacional, no seio do qual a estrutura de renda tenderá a nivelar-se à estrutura de status, mas não à estrutura de poder.

No período de 1960 a 1972, várias grandes empresas brasileiras foram compradas por multinacionais, desnacionalizando o parque industrial brasileiro. Esta onda de compras e fusões, além de elevar o lucro das multinacionais, garantiu a elas uma posição estrutural que lhes possibilita exercer considerável poder econômico e não-econômico sobre a performance da economia brasileira.

Isto ocorre porque, com a empresa multinacional dominando muitas vezes as indústrias mais importantes, ela pode influenciar o desempenho da economia nacional.

Como conseqüência, a progressiva desnacionalização industrial tende a diminuir a soberania econômica dos países em que instalam-se as empresas multinacionais, e o governo brasileiro passou de maneira crescente a criar grandes empresas nacionais como arma ou defesa contra a penetração estrangeira.

Além do poder econômico, as grandes multinacionais possuem também poder não-econômico. Um exemplo disto foi o Chile. Quando surgiram suspeitas da implantação de um sistema socialista no Chile, houve a ordem de que todas as multinacionais deveriam sustar o crédito, novos capitais e auxílio técnico. Se possível, deveriam fechar.

Com esta grande influência multinacional, foram criadas algumas regras que deveriam ser seguidas pelos governos e pelas multinacionais. Entre estas regras destacam-se as de que os EUA deveriam criar um poder social de controle sobre as multinacionais; que as leis antitruste fossem aplicadas vigorosamente; que os governos passassem a trocar informações; e que as atitudes políticas das multinacionais fossem consideradas ilegais.

Para exemplificar, tomemos em consideração o Pacto Andino, que definiu normas e regras para a entrada de multinacionais em seus países. Contudo, o Peru afrouxou estas regras e permitiu que empresas européias e japonesas entrassem mais facilmente em seu território. Isto ocorreu porque o governo peruano e o americano tinham divergências em alguns assuntos. A penetração das empresas européias e japonesas fez o governo americano reconsiderar suas idéias.

Assim, o governo peruano entrou taticamente no jogo oligopólico, jogando um imperialista contra o outro. O objetivo foi apenas o de escolher o melhor sócio dentre eles e/ou ampliar o poder de barganha em relação a todos. Portanto, se por um lado as elites peruanas inegavelmente ampliaram seu poder de barganha submetendo as empresas a um projeto sócio-econômico de integração nacional, por outro as fórmulas adotadas para a consecução deste objetivo foram suficientemente flexíveis para comportarem amplas soluções de compromisso.

Desta forma, atualmente não ocorre mais a negociação entre Estados-nação, e sim diretamente entre o Estado local latino-americano e a empresa multinacional. O que ocorre é que todas as políticas adotadas na América Latina tendem a reforçar o papel do Estado.

Conclusão

Com a evidência da existência de grupos de pressão e de interesse no Brasil, abre-se um leque de novos estudos possíveis, como por exemplo um estudo geral e abrangente de um ou vários grupos e, posteriormente, do grau de influência que possam exercer na adoção ou modificação de medidas governamentais.

9 de abril de 2008

Grupos de pressão e grupos de interesse (III)

(Continuação da postagem anterior.)

Grupos de Pressão no Brasil

No Brasil é evidente a existência de grupos de pressão de diversos tipos (comerciais, industriais, agropecuários, etc.). Sua força varia com as circunstâncias e o poder de agressividade dos seus dirigentes.

Nehemias Gueiros disse, em 1958, ser o lobbying "uma atividade correta e corregedora, espécie de higiene da lei". Ele queria que o lobbying fosse "legalizado", desde que os advogados apenas postulassem junto aos legisladores e comissões técnicas, e limitassem-se à contribuição na redação de textos, sem o uso de outros elementos de persuasão.

Não é apenas o legislativo, contudo, que sofre a pressão de interesses. Também o executivo e judiciário sofrem esta pressão. E esta pressão pode ser benéfica.

Todavia, é óbvio que existem grupos de pressão nocivos, como o que estava dando lucros a estes grupos em detrimento dos pequenos. Isto ocorreu em 1960. Isto demonstra que os grupos de pressão têm uma ação praticamente irresistível.

Influência dos Grupos de Pressão

É praticamente impossível determinar o grau de influência real atingido em cada caso pelos grupos de pressão. Pode-se apenas definir suas técnicas e modos de ação, mas se eles tiveram êxito ou não já é mais complicado, devido à complexidade das relações. Além disto, não é possível determinar todos os fatores em jogo.

Os poderes executivo e legislativo são os que sofrem maiores influências dos grupos de pressão. Isto ocorre porque ambos têm a obrigação de promover o interesse público geral, e não de decidir litígios, como o poder judiciário. Portanto, estão definindo interesses contraditórios. Segundo David B. Truman, isto explica o por quê de existirem leis ambíguas.

Como a função básica do Estado é prover subsídios para ações positivas (tais como subsídios à agricultura, à indústria, etc.), este mesmo Estado passa a responder por uma fração dos riscos corridos pelo setor privado. Isto significa dizer que vários grupos acham que o governo é uma caixa de seguros universal.

Com a intromissão política na economia, os grupos prejudicados tentam anular ou retardar a aplicação das medidas que lhes são prejudicáveis, dizendo que outros grupos deveriam bancar o sacrifício. Neste aspecto, a posição do governo não é fácil, pois se ele limita-se a buscar o equilíbrio destas forças, corre o risco de produzir a "estagnação pluralista"; se ele atende a alguns grupos e não outros, é acusado, no mínimo, de protecionista; se o Estado coloca-se acima destes interesses e toma uma decisão por si próprio, pode haver outros grupos que vêem com outros olhos e apresentam outras soluções, discordando daquelas do governo.

A partir dos estudos realizados até agora, chegou-se à conclusão de que o legislativo é o que mais deixa-se influenciar pelos grupos de pressão, enquanto o executivo consegue superar sua influência e tornar-se o intérprete de todos, ou do interesse público.

Isto ocorre simplesmente porque os parlamentares sucumbem mais facilmente à lisonja, aos cálculos das vantagens eleitorais e ao sentimento de identificação com os interesses destes grupos. Por outro lado, à medida que o presidente tornou-se independente do controle legislativo, adquiriu capacidade para falar em nome de todos, da nação. Assim, o presidente trabalha (ou tenta trabalhar) em função dos interesses duradouros e dos valores permanentes.

Mas o que é interesse público e o que é interesse dos grupos? Fica difícil distinguir. Como exemplo, na Constituição de 1946 havia um artigo que autorizava a União a intervir no domínio econômico, tendo por base o "interesse público". O que eram tais interesses ficava, obviamente, subordinada à interpretação oficial das realidades nacionais e das necessidades do momento, passando pelo jogo de forças presentes e pelas preferências ideológicas do governo.

O custo das pressões exercidas pelos grupos de interesses são excessivamente altas em todos os aspectos. Por isto, "as exigências dos grandes interesses totalizam muito mais do que a nação pode agüentar", disse a comissão parlamentar de 1950 que analisou o lobbying nos EUA.

Deve-se lembrar que quanto mais fracos forem os partidos políticos, mais forte é a influência dos grupos de pressão, e quanto maior o êxito destes, mais confusa tende a tornar-se a política governamental. É por este motivo que o executivo tem de trabalhar de maneira independente, sem subordinar-se a nenhum grupo.

Encontra-se, pois, na maior coesão e disciplina partidárias, em eleições honestas, no mais amplo sufrágio, no livre exercício das liberdades civis e públicas e no livre uso dos modernos meios de comunicação o corretivo mais eficiente contra a influência excessiva exercida por determinados grupos.

(Continua na próxima postagem.)

8 de abril de 2008

Grupos de pressão e grupos de interesse (II)

(Continuação da postagem anterior.)

Grupos de Pressão na Grã-Bretanha e na França

Na Inglaterra, os grupos de pressão existiam pelo menos desde o século XVIII. Eram numerosos, maciços, bem organizados e altamente eficientes. Pode-se até mesmo dizer que eles são mais poderosos na Inglaterra do que nos EUA.

Admite-se como prática normal que membros do Parlamento aceitem remuneração para promover determinados interesses. Segundo Samuel H. Beer, desde 1780 existem representantes que mantiveram relações desta espécie com pessoas ou órgãos alheios à Casa.

Tal acontecimento tinha suporte pelo fato de que, desta forma, permitir-se-ia que a atenção do Parlamento concentrasse-se nas questões públicas. Assim, um ministério permanece ou cai, na Inglaterra, em virtude de suas realizações legislativas e administrativas, e não porque deixou-se influenciar por algum grupo. Em 1948 foi dito que todos os projetos de lei importantes originavam-se do governo, e que os poderes dos membros individualmente são rigidamente limitados.

Na França, a atuação dos grupos de pressão acentuou-se a partir de 1951. Apesar de o lobbying não ser oficialmente organizado, em 1955 Maurice Duverger disse que "o lobbying oficioso é muito ativo e, sem dúvida, muito eficaz".

Bernard E. Brown disse que os grupos de pressão franceses eram mais importantes do que aqueles da Inglaterra e/ou dos EUA, pois a fraqueza dos governos franceses oferecia aos grupos privados maiores oportunidades de modificar o curso da ação política em seu próprio favor.

Georges Burdeau vai mais longe, dizendo que os grupos "são o próprio poder". Ele diz que quem toma as decisões são estes grupos, e que o governo apenas "põe o selo do processo legal". Diz ainda que é grande o número destes grupos, que visam apenas a obter certas vantagens materiais dos governantes.

Um fator que beneficia os grupos de pressão é a entrada dos órgãos consultivos no governo. Estes órgãos, segundo Burdeau, iriam defender interesses privados. Além deles, as comissões parlamentares também seriam fachadas para as operações dos grupos de pressão.

Em 1958 foram lançados três livros sobre o assunto. O primeiro deles, escrito por J. D. Stewart, diz que o Parlamento não é apenas o reflexo dos eleitores, pois aí desenvolveu-se uma forma de representação de grupos que supera os corpos eleitorais distribuídos geograficamente, e que faz pesar muito mais fortemente a influência dos interesses especiais na balança legislativa do que a de qualquer agregado irrelevante de eleitores ocasionais.

Stewart diz que a maioria da população é politicamente apática, e sua única atividade política é votar. Isto facilitaria o trabalho dos grupos de pressão, que são invariavelmente consultados na fase de preparo das leis. Aí está o perigo do lobbying encoberto inglês, em comparação com o lobbying "limpo" (inspecionado) dos EUA.

O segundo livro foi escrito por S. N. Finer. O autor distingue os grupos "auto-orientados", mais poderosos, e os grupos "promocionais", que representam causas e não interesses econômicos. O livro não estuda apenas a atuação dos grupos de pressão no tocante ao Parlamento, mas também no tocante à administração e aos partidos políticos.

O terceiro e último livro, escrito por Jean Meynaud, contém uma análise sistemática dos grupos de pressão na França. Discute seu poder relativo, analisa suas táticas e avalia sua posição no sistema político francês.

Grupos de Pressão na Alemanha

Vários dirigentes e deputados federais alemães estão ligados a diversos grupos de interesses. Os líderes destes grupos de interesses têm grande influência nos partidos políticos, através de contatos pessoais com os seus dirigentes, contribuições financeiras e livre propaganda nas publicações dos grupos de interesses.

O partido no poder em 1959 (UDC) mantinha quatro comitês. O último, de política econômica, era importantíssimo, pois além de trabalhar com a política econômica, era o elo de ligação dos líderes dos partidos e os líderes dos grupos de interesses econômicos, religiosos e sociais.

Cada grupo de interesse mantém elementos na capital, que mantêm contato com líderes partidários e governamentais, e exercem pressão sobre eles para obter seu apoio.

A UDC recebia relativamente pouco das mensalidades de seus membros. O grosso da arrecadação vinha das contribuições externas provenientes, em sua maior parte, da comunidade dos negócios.

Esta situação é única, pois a UDC mantinha contato com vários grupos de pressão. Assim, tinha as mãos relativamente livres em relação às múltiplas pressões destes grupos. Seus líderes mais astutos manobraram de modo a manter em xeque as diferentes pressões.

Os outros partidos são em grande parte apoiados apenas por um grande grupo de interesses, ou por alguns deles.

O apoio atual dado pela elite econômica ao governo é inspirado mais em interesses econômicos do que em considerações políticas ou ideológicas. Os grupos querem, portanto, assegurar ao máximo sua influência real e potencial sobre a opinião pública.

Táticas de Influência Usadas pelos Grupos de Pressão

Em geral, os grupos de pressão tentam influir através da conversa entre pessoas, sem ocupar posições políticas de responsabilidade. Contudo, pode haver casos onde o grupo decida entrar na luta política, para a conquista do poder.

As técnicas já são conhecidas: vão desde o contato direto dos agentes dos grupos interessados com os representantes do governo até as ações coletivas e as formas mais sutis de propaganda e formação de uma opinião pública favorável às reivindicações dos grupos, ou as contribuições para as campanhas eleitorais de candidatos sabidamente favoráveis a determinados interesses.

(Continua na próxima postagem.)