28 de maio de 2008

A democracia na América (VI)

(Continuação da postagem anterior.)

Outros pontos que diferenciam o Senado da Câmara de Representantes são os seguintes: 1) sistema de eleição: os membros da Câmara de Representantes são escolhidos diretamente através de eleição popular, enquanto que os membros do Senado são escolhidos pela Câmara de Representantes estaduais; 2) duração do mandato: o mandato dos representantes dura dois anos, e o dos senadores dura seis anos; 3) atribuições: a Câmara de Representantes tem funções exclusivamente legislativas e não participa do judiciário, a não ser acusando funcionários públicos, enquanto que o Senado é, além de corpo legislativo, um corpo judiciário que julga os delitos políticos indicados pela Câmara de Representantes. O Senado participa, ainda, da assinatura dos tratados concluídos pelo presidente, bem como da escolha dos membros do poder judiciário.

Em relação ao poder executivo, Tocqueville diz que o presidente é eleito, com direito a reeleição, sendo vigiado pelo Senado no que diz respeito tanto à assinatura de tratados internacionais quanto na distribuição de empregos. O executivo tem como força principal o veto presidencial, mantendo assim sua liberdade frente ao legislativo.

Tocqueville lista algumas diferenças entre o presidente dos Estados Unidos e o rei da França. A primeira delas é referente ao poder do executivo, que nos Estados Unidos é limitada -- pois o presidente divide este poder com os governadores dos Estados --, enquanto que na França o poder está em uma só pessoa. Outra diferença é que o presidente não cria as leis, apenas executa-as, enquanto que o rei não só cria as leis como as põe em prática. Com isso, decorre o fato de que "o rei da França está, pois, em pé de igualdade com o legislativo, que não pode agir sem ele, como não poderia ele agir sem o legislativo. O presidente é situado ao lado do legislativo, como um poder inferior e dependente". Vale ainda lembrar que "o poder do presidente dos Estados Unidos só se exerce na esfera de uma soberania restrita, enquanto que o do rei, na França, age no círculo de uma soberania completa".

Um ponto que Tocqueville destaca para provar a independência e a força do poder executivo na América é o fato de que, mesmo com o presidente perdendo a maioria nas duas assembléias legislativas, ele não precisa deixar o poder. O autor diz que não é necessário haver uma "ligação" entre poderes executivo e legislativo, na América, para a criação das leis e a execução das mesmas, como ocorre na Europa. Lá, o rei participa da criação da lei, além de executá-la, e por isso, ao perder a maioria, o rei perde a capacidade para governar -- ocorrendo uma "paralisia política".

Tocqueville diz que o "espírito de comunidade" se dissolve ao se aproximar a época da eleição do presidente. É o que ele chama de "crise da eleição". Segundo ele, as facções aumentam sua atividade, objetivando eleger um presidente; a disputa por prevalência de uma idéia sobre outras é tão acirrada que faz com que as pessoas esqueçam-se dos outros assuntos, ocupando-se apenas da eleição. Além da própria eleição, Tocqueville fala da reeleição, período onde o próprio presidente não governaria mais levando-se em consideração os interesses do Estado, e sim no da sua própria reeleição; ao invés de resistir às paixões, o presidente aplica toda a sua administração em benefício próprio, e quanto mais próximo estamos da reeleição, mais o interesse individual sobrepuja o interesse geral. Isto torna a influência corruptora dos governos eletivos mais extensa e mais perigosa.

Tocqueville passa, então, para o poder judiciário. Segundo ele, "para fazer os cidadãos obedecerem às leis ou repelir as agressões de que seriam alvo, tinha pois a União particular necessidade dos tribunais". Obviamente, a União não poderia utilizar-se de um tribunal estadual, pois quando houvesse disputas entre a União e este Estado, o tribunal daria provavelmente ganho de causa ao Estado. É por este motivo que os americanos criaram a Suprema Corte, que aplicaria as leis da União e decidiria certas questões de interesse geral que fossem de antemão definidas. Conforme já foi dito, os membros dessa Suprema Corte seriam escolhidos pelo presidente, com concordância do Senado.

Segundo Tocqueville, "ao [se] criar o tribunal federal, desejara-se tirar aos tribunais dos Estados o direito de resolver, cada qual à sua maneira, questões de interesse nacional, e chegar assim a formar um corpo de jurisprudência uniforme para a interpretação das leis da União". A Suprema Corte é chamada para resolver litígios quando a disputa envolve dois Estados entre si, ou ainda quando os habitantes de um Estado entram em litígio com os habitantes de outro Estado, ou até mesmo contra outro próprio Estado. Também a própria União pode ser processada. Ainda, quando uma lei estadual for inconstitucional, será a Suprema Corte que a julgará. Vale lembrar que os tribunais federais agem sobre o indivíduo, e não sobre os Estados como instituições jurídicas.

Falando sobre a Constituição, Tocqueville levanta alguns aspectos do por quê a Constituição americana é melhor do que outras constituições. Entre os pontos principais, ele destaca o fato de que, em outras confederações, os membros poderiam obedecer ou não às leis impostas pelo governo federal, enquanto que na América os Estados consentiram com a criação de leis por parte do governo federal e com a aplicação destas leis pelo próprio governo federal. Outro ponto destacado é o fato de que a União governa os indivíduos, não os Estados. Os outros governos federais governavam povos, enquanto que a União americana governa indivíduos.

Ao explicar o por quê de o sistema federativo ter utilidade especial para a América, Tocqueville diz: "Cada cidadão dos Estados Unidos, transporta, por assim dizer, o interesse que lhe inspira sua pequena república ao amor da pátria comum. Defendendo a União, ele defende a prosperidade crescente do seu cantão, o direito de dirigir os seus negócios, a esperança de fazer prevalecer ali planos de melhoramentos que devem fazer com que ele próprio enriqueça: coisas, todas essas, que, de ordinário, tocam mais os homens que os interesses gerais do país e a glória da nação".

(Continua na próxima postagem.)

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