(Continuação da postagem anterior.)
III. TENDÊNCIAS DO SOCIALISMO. Dentro do Socialismo da Segunda Internacional delinearam-se as principais tendências políticas que deviam coexistir na social-democracia clássica até a Primeira Guerra Mundial e caracterizar ao mesmo tempo, pelo menos em parte, as orientações divergentes do Socialismo posterior. As diferenças de posição que se foram definindo a partir da disputa sobre o "revisionismo", entre o fim do século XIX e o início do século XX, mergulham em parte suas raízes na história anterior do Socialismo (por exemplo, o contraste entre reformistas e revolucionários já se havia dado na França em 1848), e, em parte, são provocadas pela inserção cada vez mais ampla do movimento socialista na luta política e sindical diária, dentro do quadro das estruturas políticas liberaldemocráticas dos maiores Estados industriais, e pela delonga da crise final de um capitalismo que, saído da grande depressão, iniciava uma nova fase expansiva. A dificuldade real era captada por Rosa Luxemburg, ao escrever que a vontade revolucionária, "as massas não a podem formar senão na luta contínua contra a estrutura existente e somente no seu contexto. A união da grande massa popular com um objetivo que vai além de todo o ordenamento atual, o da luta diária para a grande reforma do mundo, eis o grande problema do movimento socialdemocrático, que, portanto, deve atuar avançando durante o curso da sua evolução entre dois escolhos: entre o abandono do caráter de massa e o abandono do objetivo final, entre o recair na seita e o precipitar-se no movimento reformista burguês" (Reforma social ou revolução?, 1899).
A grande divisão foi, antes de tudo, entre o Socialismo declaradamente reformista que, considerando o sistema capitalista profundamente mudado, pugnava pela integração do movimento operário nas estruturas políticas e econômicas capitalistas com o propósito da sua gradual transformação em sentido socialista, pela via democrático-parlamentar, e, do outro lado, o Socialismo que considerava atual o modelo analítico do capitalismo elaborado por Marx e a perspectiva da crise geral do sistema e da revolução. A primeira posição teve sua elaboração teórica mais autorizada no "revisionismo" de E. Bernstein (Os pressupostos do socialismo e as junções da social-democracia, 1899). Derrotado formalmente no plano das decisões congressuais do partido social-democrático alemão e das resoluções da Internacional, o reformismo "revisionista" ia adquirindo, todavia, consistência orgânica e espaço na práxis real do movimento operário de todos os países industrialmente avançados e se tornou na Inglaterra, onde o marxismo nunca teve uma difusão de alta relevância, a teoria oficial da Fabian Society (G. B. Shaw e S. Webb, Ensaios fabianos sobre o Socialismo, 1899) e da maioria do partido laborista e do movimento sindical. É de lembrar que os primeiros ensaios "revisionistas" de Bernstein foram elaborados na Inglaterra e em estreita referência à situação inglesa. Analisadas as coisas num quadro temporário bastante longo, o Socialismo reformista, que avalia o contexto institucional do Estado liberal-democrático como o melhor terreno para a afirmação dos objetivos das classes trabalhadoras e que considera, implícita ou explicitamente, o "fim último" da abolição da forma mercatória dos produtos do trabalho e do trabalhador (o princípio mais fundamental do Socialismo marxista) como uma utopia a ser abandonada, tornou-se a alternativa histórica e amplamente preponderante no Socialismo ocidental.
A alternativa marxista "ortodoxa", que predominou na social-democracia "clássica" do partido alemão e da Segunda Internacional, e que teve em K. Kautsky, até a Primeira Guerra Mundial, o teórico mais orgânico, procurou harmonizar a letra do Socialismo marxista, aceito formalmente em sua globalidade, com uma concepção diferente e uma avaliação positiva "do Estado moderno, do papel do Parlamento, da função das liberdades políticas e civis herdadas do liberalismo burguês, da insubstituibilidade de um aparelho administrativo-burocrático centralizado (em aberta polêmica com a 'legislação direta') e do significado da democracia política como método para o conhecimento da realidade e verificação da vontade do corpo social" (M. C. Salvadori). O objetivo final do Socialismo era continuamente reafirmado, mas adiado para uma situação histórica nunca atual, de maturação decisiva das suas condições objetivas e subjetivas; o núcleo teórico radical era salvaguardado à custa do contínuo adiamento da práxis correspondente, até o momento em que as opções fundamentais se tornaram iniludíveis no período da guerra e da aguda crise social do pós-guerra, e a síntese efetuada pela maioria da social-democracia clássica, entre "ortodoxia" formal e "revisão" substancial, tornouse insustentável, abrindo um período atormentado de lacerações não só entre os continuadores da Segunda Internacional e os adeptos da nova Internacional leninista, mas também no campo do Socialismo de matriz não-leninista (Revisionismo (v.) e Social-democracia (v.)).
As outras duas alternativas, que se constituíram, com uma fisionomia autônoma, no pensamento socialista, foram as posições revolucionárias de esquerda que tiveram como maiores teóricos R. Luxemburg e V. I. Lenin. Em ambas as tendências, o nexo entre funções imediatas do movimento operário e revolução social se resolve, em princípio, na subordinação de toda a experiência do movimento operário ao objetivo final da conquista e do exercício direto do poder político; em ambas o Estado liberal-democrático é entendido no sentido originário de Marx e Engels, isto é, de Estado de Classe ("o Estado, ou seja, a organização política, e as relações de propriedade, ou seja, a organização jurídica do capitalismo, enquanto se tornam, com o sucessivo desenvolvimento, cada vez mais capitalistas e não cada vez mais socialistas, opõem à teoria da instauração gradual do Socialismo duas dificuldades insuperáveis", afirma R. Luxemburg em Reforma social ou revolução?; e é conhecida a elaboração de Lenin sobre a destruição revolucionária do Estado burguês e sobre a sua substituição pelo "Estado-comuna", à margem dos textos marxianos sobre a Comuna de 1871, contida em Estado e revolução, 1917). Mas em R. Luxemburg subsiste, transcrita em termos marxistas, a tendência "economicistarevolucionária" do sindicalismo revolucionário e do sindicalismo anárquico, sendo postuladas a continuidade entre a luta econômica imediata e a luta política revolucionária e privilegiada a ação direta dos organismos de base que surgem espontaneamente nos períodos mais agudos da luta de classe como alavanca insubstituível da transformação social. Lenin, pelo contrário, não obstante todo o valor dado aos sovietes durante a revolução de 1905 e 1917, defende "a subordinação incondicional de todos os movimentos econômicos, culturais e ideológicos do proletariado, ao movimento político dirigido pelo partido revolucionário. Seria essa orientação do marxismo, que considerava como primária a 'política', que havia de experimentar o triunfo do seu princípio em escala mundial na revolução bolchevique de 1917, e que determinou até hoje toda a estrutura e desenvolvimento do Estado soviético, com o totalitarismo decorrente do seu princípio político" (K. Korsch, Karl Marx, 1938). A oscilação entre a supremacia do partido e a primazia dos organismos básicos de conselho foi, de qualquer modo, uma característica do Socialismo revolucionário, várias vezes repetida em sua história (Leninismo (v.)).
(Continua na próxima postagem.)
III. TENDÊNCIAS DO SOCIALISMO. Dentro do Socialismo da Segunda Internacional delinearam-se as principais tendências políticas que deviam coexistir na social-democracia clássica até a Primeira Guerra Mundial e caracterizar ao mesmo tempo, pelo menos em parte, as orientações divergentes do Socialismo posterior. As diferenças de posição que se foram definindo a partir da disputa sobre o "revisionismo", entre o fim do século XIX e o início do século XX, mergulham em parte suas raízes na história anterior do Socialismo (por exemplo, o contraste entre reformistas e revolucionários já se havia dado na França em 1848), e, em parte, são provocadas pela inserção cada vez mais ampla do movimento socialista na luta política e sindical diária, dentro do quadro das estruturas políticas liberaldemocráticas dos maiores Estados industriais, e pela delonga da crise final de um capitalismo que, saído da grande depressão, iniciava uma nova fase expansiva. A dificuldade real era captada por Rosa Luxemburg, ao escrever que a vontade revolucionária, "as massas não a podem formar senão na luta contínua contra a estrutura existente e somente no seu contexto. A união da grande massa popular com um objetivo que vai além de todo o ordenamento atual, o da luta diária para a grande reforma do mundo, eis o grande problema do movimento socialdemocrático, que, portanto, deve atuar avançando durante o curso da sua evolução entre dois escolhos: entre o abandono do caráter de massa e o abandono do objetivo final, entre o recair na seita e o precipitar-se no movimento reformista burguês" (Reforma social ou revolução?, 1899).
A grande divisão foi, antes de tudo, entre o Socialismo declaradamente reformista que, considerando o sistema capitalista profundamente mudado, pugnava pela integração do movimento operário nas estruturas políticas e econômicas capitalistas com o propósito da sua gradual transformação em sentido socialista, pela via democrático-parlamentar, e, do outro lado, o Socialismo que considerava atual o modelo analítico do capitalismo elaborado por Marx e a perspectiva da crise geral do sistema e da revolução. A primeira posição teve sua elaboração teórica mais autorizada no "revisionismo" de E. Bernstein (Os pressupostos do socialismo e as junções da social-democracia, 1899). Derrotado formalmente no plano das decisões congressuais do partido social-democrático alemão e das resoluções da Internacional, o reformismo "revisionista" ia adquirindo, todavia, consistência orgânica e espaço na práxis real do movimento operário de todos os países industrialmente avançados e se tornou na Inglaterra, onde o marxismo nunca teve uma difusão de alta relevância, a teoria oficial da Fabian Society (G. B. Shaw e S. Webb, Ensaios fabianos sobre o Socialismo, 1899) e da maioria do partido laborista e do movimento sindical. É de lembrar que os primeiros ensaios "revisionistas" de Bernstein foram elaborados na Inglaterra e em estreita referência à situação inglesa. Analisadas as coisas num quadro temporário bastante longo, o Socialismo reformista, que avalia o contexto institucional do Estado liberal-democrático como o melhor terreno para a afirmação dos objetivos das classes trabalhadoras e que considera, implícita ou explicitamente, o "fim último" da abolição da forma mercatória dos produtos do trabalho e do trabalhador (o princípio mais fundamental do Socialismo marxista) como uma utopia a ser abandonada, tornou-se a alternativa histórica e amplamente preponderante no Socialismo ocidental.
A alternativa marxista "ortodoxa", que predominou na social-democracia "clássica" do partido alemão e da Segunda Internacional, e que teve em K. Kautsky, até a Primeira Guerra Mundial, o teórico mais orgânico, procurou harmonizar a letra do Socialismo marxista, aceito formalmente em sua globalidade, com uma concepção diferente e uma avaliação positiva "do Estado moderno, do papel do Parlamento, da função das liberdades políticas e civis herdadas do liberalismo burguês, da insubstituibilidade de um aparelho administrativo-burocrático centralizado (em aberta polêmica com a 'legislação direta') e do significado da democracia política como método para o conhecimento da realidade e verificação da vontade do corpo social" (M. C. Salvadori). O objetivo final do Socialismo era continuamente reafirmado, mas adiado para uma situação histórica nunca atual, de maturação decisiva das suas condições objetivas e subjetivas; o núcleo teórico radical era salvaguardado à custa do contínuo adiamento da práxis correspondente, até o momento em que as opções fundamentais se tornaram iniludíveis no período da guerra e da aguda crise social do pós-guerra, e a síntese efetuada pela maioria da social-democracia clássica, entre "ortodoxia" formal e "revisão" substancial, tornouse insustentável, abrindo um período atormentado de lacerações não só entre os continuadores da Segunda Internacional e os adeptos da nova Internacional leninista, mas também no campo do Socialismo de matriz não-leninista (Revisionismo (v.) e Social-democracia (v.)).
As outras duas alternativas, que se constituíram, com uma fisionomia autônoma, no pensamento socialista, foram as posições revolucionárias de esquerda que tiveram como maiores teóricos R. Luxemburg e V. I. Lenin. Em ambas as tendências, o nexo entre funções imediatas do movimento operário e revolução social se resolve, em princípio, na subordinação de toda a experiência do movimento operário ao objetivo final da conquista e do exercício direto do poder político; em ambas o Estado liberal-democrático é entendido no sentido originário de Marx e Engels, isto é, de Estado de Classe ("o Estado, ou seja, a organização política, e as relações de propriedade, ou seja, a organização jurídica do capitalismo, enquanto se tornam, com o sucessivo desenvolvimento, cada vez mais capitalistas e não cada vez mais socialistas, opõem à teoria da instauração gradual do Socialismo duas dificuldades insuperáveis", afirma R. Luxemburg em Reforma social ou revolução?; e é conhecida a elaboração de Lenin sobre a destruição revolucionária do Estado burguês e sobre a sua substituição pelo "Estado-comuna", à margem dos textos marxianos sobre a Comuna de 1871, contida em Estado e revolução, 1917). Mas em R. Luxemburg subsiste, transcrita em termos marxistas, a tendência "economicistarevolucionária" do sindicalismo revolucionário e do sindicalismo anárquico, sendo postuladas a continuidade entre a luta econômica imediata e a luta política revolucionária e privilegiada a ação direta dos organismos de base que surgem espontaneamente nos períodos mais agudos da luta de classe como alavanca insubstituível da transformação social. Lenin, pelo contrário, não obstante todo o valor dado aos sovietes durante a revolução de 1905 e 1917, defende "a subordinação incondicional de todos os movimentos econômicos, culturais e ideológicos do proletariado, ao movimento político dirigido pelo partido revolucionário. Seria essa orientação do marxismo, que considerava como primária a 'política', que havia de experimentar o triunfo do seu princípio em escala mundial na revolução bolchevique de 1917, e que determinou até hoje toda a estrutura e desenvolvimento do Estado soviético, com o totalitarismo decorrente do seu princípio político" (K. Korsch, Karl Marx, 1938). A oscilação entre a supremacia do partido e a primazia dos organismos básicos de conselho foi, de qualquer modo, uma característica do Socialismo revolucionário, várias vezes repetida em sua história (Leninismo (v.)).
(Continua na próxima postagem.)
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