25 de junho de 2008

Diferenças conceituais (VIII)

(Continuação da postagem anterior.)

IV. PROBLEMAS ATUAIS DO SOCIALISMO. A cisão do movimento socialista internacional que se seguiu à revolução soviética, à medida que o novo Estado ia adquirindo, nas décadas de 1920 e 1930, a sua configuração jurídica, política e econômica definitivas, foi cristalizando o Socialismo e o comunismo em duas culturas políticas profundamente diferentes e muitas vezes hostis, mesmo que ao período de choque frontal, em que os socialistas foram tratados pelas lideranças leninistas como "social-traidores" e "social-fascistas", se tenha seguido uma fase de aliança e de colaboração durante a luta antifascista e a resistência. Não faltaram as formas intermediárias e as tentativas de superar o cisma que se verificou no movimento operário, mas, na realidade, foram elaboradas, a partir da década de 1930 e especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, dois modelos completamente diferentes de Socialismo, ambos muito distantes das formas previstas pelo Socialismo do século passado e da formulação utópica do Manifesto de Marx e Engels ("No lugar da velha sociedade burguesa, com suas classes e seus antagonismos de classe, entra uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos"). No Ocidente, os governos regidos pelas social-democracias, na Alemanha, na Inglaterra, na Bélgica e nos países escandinavos, promoveram algumas nacionalizações e a instauração de uma economia mista no quadro de um "capitalismo organizado", com redistribuicão de renda e formas de segurança social para as classes trabalhadoras que o "Estado assistencial" (Welfare State) tornou possíveis. Ao contrário da social-democracia clássica, as social-democracias contemporâneas são partidos populares que abandonaram a idéia da divisão da sociedade em classes contrapostas e o Socialismo como abolição da propriedade privada (as declarações mais explícitas foram as da social-democracia alemã no programa de Bad Godesberg, 1959) (Reformismo (v.) e v. Social-democráticos). Na União Soviética e nos países em que se instaurou a ditadura do partido "marxista-leninista" (identificada ideologicamente com a "ditadura do proletariado"), o Socialismo, de fase de transição, transformou-se em formação social autônoma, caracterizada pelo esvaziamento das formas originárias da democracia de base pela concentração autoritária dos poderes por parte do aparelho burocrático do Estado e do partido, e pelo reproduzir-se de profundas desigualdades e agudos conflitos sociais, não obstante a "desestalinização" e as tentativas de liberalização, substancialmente fracassadas, de sistemas político-econômicos, aos quais hoje é freqüentemente aplicada a fórmula de "Socialismo real", para sublinhar a sua discordância com as expectativas do Socialismo teórico.

Surge, portanto, um dilema que N. Bobbio ilustrou nos seguintes termos: "chocamo-nos com essa contradição, que é a verdadeira pedra de tropeço da democracia socialista (não se confunda com a social-democracia): pelo método democrático o Socialismo é inatingível; mas o Socialismo não alcançado por via democrática não consegue encontrar o caminho para a transição de um regime de ditadura ao regime de democracia. Nos Estados capitalistas, o método democrático, mesmo em suas melhores explicações, bloqueia o caminho para o Socialismo; nos Estados socialistas, a concentração do poder tornada necessária para uma direção unificada da economia torna extremamente difícil a introdução do método democrático". O problema seria o de conjugar os conteúdos socialistas com as técnicas jurídico-políticas que derivam da tradição liberal-democrática. Confirmando também aqui a consolidada diferença entre culturas socialistas e comunistas anteriormente mencionada, é completamente diferente a forma como é proposto o problema na literatura marxista que rejeita o "Socialismo real". Citamos, por exemplo, a introdução de R. Rossanda num congresso de 1977 sobre as "sociedades pós-revolucionárias": "Se se trata de formações sociais, então a luta é entre 'poderes' e seus sistemas de compensação... Se se trata de formações capitalistas de tipo novo, então a questão não está numa exortação à democracia e aos direitos civis. Está na retomada da luta de classes nesses países".

Os problemas mencionados tornam-se ainda mais urgentes desde que, na década de 1970, ambos os modelos de Socialismo entram em crise: o Welfare State, promovido pelas social-democracias, não consegue manter suas promessas diante da crise econômica; o "Socialismo real", por sua vez, é obrigado a contar cada vez mais com seus aparelhos militares para manter o status quo. Nem é possível afirmar que o propósito de alguns partidos comunistas ocidentais de elaborar uma "terceira via" eurocomunista tenha até agora esboçado um modelo alternativo suficientemente definido de Socialismo (v. Eurocomunismo).

Outra ordem de problemas concerne ao âmbito da validade possível de qualquer modelo socialista. O Internacionalismo (v.) substancialmente eurocêntrico do século passado já foi abandonado na fundamentação da Internacional leninista que tentou, pelo menos em princípio, unir, sob o signo do antiimperialismo, a luta do proletariado nos países industriais, a aspiração à independência dos povos oprimidos dos países coloniais e a defesa da URSS como "pátria do Socialismo". A recente evolução do Socialismo demonstrou, de forma cada vez mais evidente, o peso das histórias nacionais, da diversidade das situações econômicas, da pluralidade das tradições culturais e das ideologias. Após a Segunda Guerra Mundial, ao lado dos modelos apresentados pelas social-democracias européias e pelo Socialismo soviético, se delinearam as realidades dos Estados de nova independência do Terceiro Mundo que, embora adotando o Socialismo, têm perseguido o objetivo da modernização por meio dos instrumentos do partido único, do fortalecimento das elites burocráticas e militares, da integração das massas com base no tradicionalismo cultural e religioso. No mundo comunista, ao Socialismo soviético se contrapuseram, além disso, o Socialismo da Iugoslávia, fundado na Autogestão (v.), e o radicalismo comunista da China (Maoísmo (v.)). A teoria das "vias nacionais para o Socialismo" (aceita como princípio também pela União Soviética, mas corrigida em 1968 pela tese da "soberania limitada" dos Estados socialistas do próprio bloco) toma ciência dessa situação, mas deixa em aberto o problema do internacionalismo e dos modos de uma ação comum entre Socialismos fortemente divergentes e, às vezes, abertamente contrastantes.

(Continua na próxima postagem.)

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