5 de setembro de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (VII)

(Continuação da postagem anterior.)

TERCEIRA PARTE: O PARLAMENTO RUSSO DE 1995

De acordo com a nova Constituição da Federação da Rússia, promulgada em 1993, a Assembléia Federal – o parlamento – é um órgão representativo e legislativo, formado por duas câmaras – o Conselho Federal e a Duma. Ao Conselho Federal pertencem dois representantes de cada unidade federativa, dos órgãos representativos e do Executivo. A Duma é composta por 450 deputados e é eleita por quatro anos.

Tendo em vista esta nova organização institucional, o grande acontecimento político de 1995 foi a realização, em dezembro, de eleições parlamentares federais. A população votou na oposição, como forma de mostrar seu descontentamento com a crise econômica, e o grande vencedor foi o Partido Comunista da Federação da Rússia, com 35,11% das 450 vagas da Duma. Em segundo ficou o partido Nossa Casa é a Rússia, do Primeiro-Ministro Chernomyrdin, com 12%. Em terceiro, com 11,11% das vagas, ficou o Partido Liberal Democrata da Rússia, e em quarto ficou o Yabloko, com 10% das vagas.


Antes de prosseguirmos, é importante explicarmos a ideologia desses partidos. O Partido Comunista da Federação da Rússia (PCFR) foi fundado em 1993 como um “sucessor” do Partido Comunista da União Soviética. Apesar de socialista, não é revolucionário, privilegiando a atuação parlamentar. O Nossa Casa é a Rússia foi criado às vésperas da eleição, com o objetivo de ser um partido de centro-direita que apoiasse Ieltsin de maneira sólida. O Partido Liberal Democrata da Rússia (LDPR) tinha orientação fascista (extrema direita), e em seu discurso criticava o governo. Na hora de votar, contudo, o LDPR aliava-se ao governo, para barrar os comunistas. Por fim, o partido Yabloko pregava um capitalismo liberal mas sério, e não o capitalismo “irresponsável” de Ieltsin (Segrillo 2000b, p. 94).

Pela tabela, vemos que o Partido Comunista da Federação da Rússia se converteu na primeira força política parlamentar, ao obter a maioria na Duma em 1995. Mesmo podendo suspender as eleições parlamentares de 1995(4), Ieltsin optou por realizá-las, evitando piorar ainda mais o ambiente político interno da Rússia, que já estava debilitado. Além disso, ao garantir a realização das eleições, Ieltsin continuava desfrutando o apoio internacional, sendo visto pelo Ocidente como o único candidato capaz de produzir estabilidade e, também, de impulsionar as reformas internas. Além disso, contribuiu para a realização das eleições parlamentares o fato de que Ieltsin esperava conseguir bons resultados, com a ajuda dos meios de comunicação – controlados pelos oligarcas – e de um sistema eleitoral desenhado para favorecer os partidos que o apoiavam no governo. Contudo, os resultados eleitorais demonstram que estava começando a ser criada na Rússia uma oposição considerável às ações de Ieltsin e de seu governo, e que a opinião pública preferia equilibrar o jogo de poderes em favor de uma Duma menos controlada pelas mãos do Executivo.

Podemos afirmar que a Duma, em 1995, era majoritariamente de oposição. A grande presença do Partido Comunista da Federação da Rússia no parlamento levou novamente à disputa entre Executivo, por um lado, e Legislativo, por outro. A oposição formada por comunistas-nacionalistas era numericamente superior à coligação favorável a Ieltsin, o que garantiu à mesma importantes vitórias políticas, como a recusa sucessiva de dois primeiros-ministros indicados por Ieltsin. Vale destacar ainda que os deputados independentes votavam, em sua maioria, com os comunistas-nacionalistas, aumentando ainda mais o poder da oposição dentro do parlamento e frente ao próprio poder Executivo.

A principal função do parlamento de 1995 era legislar. Assim, no período compreendido entre 1995 e 1999, foram promulgadas cerca de 1.000 leis, das quais mais de 700 entraram em vigor (Kriashkov 2000, p. 67). Além disso, a duma também trabalhou nos novos códigos civil, orçamentário, tributário, aduaneiro e penal, além de promulgar leis federais que garantem os direitos e liberdades do cidadão (direito ao voto, liberdade de associação, liberdade de circulação, direito de recorrer à justiça contra decisões e ações ilegais, direitos das minorias nacionais e direito à liberdade de pensamento, dentre outros). O parlamento também criou regulamentos que regem a organização e a atividade dos órgãos do Estado e dos órgãos da administração autônoma; regulamentou o status dos juízes, o Tribunal Constitucional da Federação da Rússia e os princípios gerais da nova organização federativa russa (Kriashkov 2000, p. 67-68).

Surpreendentemente, a Duma não tem poderes constitucionais para fiscalizar as atividades do Executivo (Strepetova 2000, p. 57). Isto significa que o máximo que o parlamento pode fazer é promulgar leis federais que podem ir contra as ações do Executivo, o qual pode usar seu poder de veto sobre as leis que tentem cercear as atividades deste poder. A política econômica de transição, por exemplo, ficou totalmente nas mãos do poder Executivo, que agiu “livremente”, sem a fiscalização que normalmente é realizada pelo poder Legislativo.

(4) Devido aos poderes extraordinários concedidos ao presidente em 1991, quando da dissolução da União Soviética, e ainda vigentes, e também devido ao fato de que a lei eleitoral ainda não havia sido sancionada por Ieltsin, ou seja, o presidente russo poderia vetar tal lei e impedir a realização das eleições em 1995.

(Continua na próxima postagem.)

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