8 de setembro de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (VIII)

(Continuação da postagem anterior.)

QUARTA PARTE: COMPARAÇÃO ENTRE O PARLAMENTO SOVIÉTICO DE 1989 E O PARLAMENTO RUSSO DE 1995

Nesta parte final do trabalho, pretendemos fazer uma comparação entre os dois parlamentos em estudo: o parlamento soviético eleito em 1989 e o parlamento russo eleito em 1995.

Antes de tudo, é preciso ressaltar que muitas das diferenças encontradas entre esses parlamentos são resultantes das próprias alterações institucionais pelas quais passaram a União Soviética, até 1991, e a Rússia, entre 1991 e 1995. Ora, se a total alteração dos modos de produção e dos modos econômico e político não é simples, o que dizer da transformação radical e desregulada pela qual passou a Rússia de 1992 em diante, sob o governo de Ieltsin? Da mesma forma, as disparidades encontradas entre o parlamento de 1995 – já “democrático e capitalista” – e seus correspondentes ocidentais são grandes também, e se justificam devido ao processo de mudança política ocorrido no país.

O primeiro tópico a ser analisado refere-se à composição política dos dois parlamentos. Tanto o parlamento de 1989 quanto o de 1995 era formado majoritariamente por membros do Partido Comunista. Pode parecer “coincidência”, mas é importante se fazer duas ressalvas sobre este assunto. A primeira delas refere-se às diferenças ideológicas entre o antigo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e o atual Partido Comunista da Federação da Rússia (PCFR). O PCUS era um partido que defendia o comunismo “a qualquer custo”, no sentido de que o poder deveria ser mantido seguindo-se os métodos “tradicionais” stalinistas – coerção, ausência de liberdade de opinião e o uso da força, por exemplo. Já o PCFR é um partido que defende o socialismo por meio da atuação parlamentar, com eleições livres e diretas; a atuação parlamentar, contudo, precisa ter características nacionalistas, e o partido defende a forte presença estatal na economia e na sociedade.

A segunda ressalva refere-se ao fato de que em 1989 o PCUS era a situação, enquanto que em 1995 o PCFR era de oposição. Isto não significa dizer, entretanto, que estava se produzindo uma luta entre duas opções completamente distintas (o comunismo de um lado e as medidas liberais de Ieltsin de outro). O que ocorreu foi que o “desengano” substituiu as esperanças ilimitadas sobre os benefícios associados à instauração do capitalismo na Rússia, tais como a capacidade de proporcionar riqueza e bem-estar a todos em curto prazo. Assim, a posição majoritária do PCFR no parlamento em 1995 deveu-se principalmente aos apelos nacionalistas feitos pelos membros deste partido e às críticas veementes ao modelo de transição implantado por Ieltsin.

Ainda que a vitória do PCFR em 1995 tenha sido resultado da expressão da insatisfação da população por meio das eleições, a disputa política não deixou de acontecer. Isto fica claro se considerarmos o fato de que o PCFR possuía a maioria na Duma, mas esta maioria não era tão grande assim – os comunistas-nacionalistas somavam 192 deputados, enquanto que os que apoiavam Ieltsin somavam 158 deputados. O jogo político entre essas duas forças, e principalmente a disputa política pelos votos dos demais 100 deputados independentes ou de partido políticos pequenos, não deixou de existir em nenhum momento, ao contrário do parlamento eleito em 1989. Neste caso, o domínio do PCUS era bem maior do que o domínio do PCFR em 1995, o que permitia ao PCUS a aprovação de todas as medidas que queria ver aprovadas. Além disso, o PCUS se beneficiava da não-organização da oposição, já que não era permitida a existência de outros partidos políticos.

Outro tópico importante para a comparação é referente às funções de cada um dos parlamentos. Obviamente, a função básica dos dois era a de legislar. Porém, havia diferenças marcantes na forma como essa mesma tarefa era realizada por cada um dos parlamentos, diferenças essas que eram resultado da própria ideologia dominante nos respectivos períodos.

Em 1989, a Duma (ou Congresso dos Deputados do Povo) tinha sido criada e eleita com o objetivo de tirar o poder excessivo das mãos de uma pequena elite do Partido Comunista – a nomenklatura. Assim, Gorbachev acreditava que, com a ajuda do povo, conseguiria vencer os conservadores, que acreditavam que a Perestroika era um risco para o seu poder. Assim, fazendo eleições parlamentares, Gorbachev esperava obter a legitimação popular de suas políticas por meio da aprovação parlamentar.

Por outro lado, conforme dito anteriormente, era o Soviete Supremo do Congresso dos Deputados do Povo o órgão que efetivamente legislava, no sentido de que era o Soviete Supremo quem criava as leis. O plenário do Congresso dos Deputados do Povo era responsável apenas por votar o que fosse encaminhado pelo Soviete Supremo – isso quando não era o próprio Soviete Supremo quem aprovava suas próprias leis. Desta forma, pode-se concluir que a principal função do Congresso dos Deputados do Povo era referendar o que era proposto pelo Soviete Supremo. Não havia uma grande preocupação em fiscalizar os atos do poder Executivo, já que o próprio Secretário-Geral do Partido Comunista – o chefe efetivo do Executivo – também fazia parte do Soviete Supremo do Congresso dos Deputados do Povo.

Já em 1995, a Duma possuía uma formação totalmente diversa, e também suas funções eram outras. Mais importante ainda, o ambiente político em 1995 era bastante diferente do ambiente político de 1989. Os deputados foram eleitos diretamente, como em 1989, mas agora existiam diversos partidos que efetivamente disputavam os votos dos eleitores. Além disso, havia uma oposição institucionalizada, com direito a expor suas idéias e suas críticas ao governo. Ainda, o ambiente político era totalmente diferente, com a efetiva – ainda que incompleta – separação dos poderes Executivo e Legislativo e com a conseqüente disputa, entre esses dois poderes, em torno do poder sobre a Rússia.

(Continua na próxima postagem.)

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