29 de setembro de 2008

Privatização na Rússia (VII)

(Continuação da postagem anterior.)

O programa de estabilização fora criado por Yegor Gaidar, ministro das finanças de Yeltsin. A reação contrária ao plano apenas aumentou a convicção de Gaidar de que o governo estava no caminho certo: se os produtos não chegavam às lojas, era porque as indústrias que os fabricavam eram monopolizadas pelo Estado. Isto não deveria ocorrer, e Gaidar propôs que tais empresas fossem privatizadas o mais rápido possível, para incentivar a concorrência. Gaidar tornou-se Primeiro-Ministro em junho de 1992, como forma de mostrar ao Ocidente qual o caminho que a Rússia iria seguir.

No balanço da adoção desses programas, coloca-se o elevado custo social da estratégia adotada – revelado por meio do empobrecimento da população – e a continuidade da crítica situação econômica da Rússia durante todo o período desde o início formal do processo de transformação, expressa no declínio consecutivo do PIB até 1999.

O AMBIENTE POLÍTICO DE 1992 A 1994 E A PRIMEIRA FASE DA PRIVATIZAÇÃO

O início da privatização deu-se ainda sob o governo de Mikhail Gorbachev, com a introdução de leis sobre o funcionamento das cooperativas urbanas, sobre o trabalho individual e sobre o arrendamento, além de leis sobre joint ventures e sobre a propriedade estatal. Essas leis permitiram não apenas o surgimento de pequenas empresas no setor de serviços, como favoreceram também uma ampla descentralização e desestatização da propriedade, permitindo a apropriação de uma boa parcela da propriedade por parte dos membros da nomenklatura – ou, como são comumente chamados, os diretores vermelhos.

Já durante o governo russo, após o fim da União Soviética, a primeira parte da privatização foi a chamada “privatização por cupons”, onde cada russo receberia, gratuitamente, cupons – ou, oficialmente, “certificados populares de privatização” – no valor de dez mil rublos. Esses cupons poderiam ser trocados por ações das empresas estatais que estavam sendo privatizadas. O objetivo era dar uma “aura” de democracia no processo, fazendo com que as pessoas “comuns” pudessem ter participação nas empresas, evitando-se a concentração nas mãos de poucos. Além disso, objetivava-se também legitimar o processo de privatização com o apoio da população, evitando-se assim reações em contrário. As “privatizações por cupons” ocorreram de agosto de 1992 a julho de 1994, quando as negociações das ações das empresas ocorreriam por compra e venda simples.

Apesar de terem sido privatizadas 60 mil das 200 mil empresas estatais até junho de 1993 (Segrillo, 2000b, 77), o processo de privatização passou por grandes problemas. O primeiro deles referia-se aos próprios cupons. Com a grande inflação do período, os cupons rapidamente perderam o seu valor. Isto fez com que algumas pessoas mais endinheiradas comprassem esses cupons pelos mesmos dez mil rublos, só que desvalorizados. Posteriormente, esses cupons – acumulados nas mãos de poucos – foram utilizados para comprar as estatais pelos seus valores nominais. Ou seja, cupons desvalorizados de dez mil rublos foram usados como se realmente valessem este valor. Além disso, as poucas pessoas “comuns” que utilizaram seus cupons e compraram ações não tinham nenhum poder de influência dentro das empresas privatizadas.

Outro grande problema nas privatizações russas é que os diretores das empresas estatais tinham prioridade na compra de suas ações. Além disso, quem comprava as ações de determinada empresa com os cupons só poderia vender tais ações com o consentimento da diretoria, que ainda mantinha os preços das ações artificialmente baixos. Assim, os próprios diretores compravam as ações das pessoas “comuns” a preços baixos – determinados por estes próprios diretores –, pois possuíam preferência para comprá-las. As diretorias cuidavam das respectivas empresas como se fossem donas das mesmas – e, muitas vezes, chegavam a sê-lo.

Este processo de privatização, com os dirigentes disputando entre si a posse das empresas mais rentáveis, resultou no surgimento de dois “grupos” na sociedade russa: as máfias – que tinham inclusive a função de proteção daqueles que estavam envolvidos nos processos de privatização – e principalmente as oligarquias – que eram grupos que, com o poder adquirido pelas privatizações, passaram a dominar a economia e a influenciar o governo.

Para a população, a política da “terapia de choque” apenas trouxe uma grande queda do nível de vida – uma inflação anual de 2.580% somada ao crescimento econômico negativo de 19%, em 1992 (Segrillo, 2000b, 45). Ao mesmo tempo, com a abertura econômica, o mercado interno era invadido com mercadorias importadas, o que levou as indústrias russas a praticamente pararem de produzir. Para tentar solucionar este problema, Yeltsin demitiu Gaidar e propôs o nome de Viktor Chernomyrdin para Primeiro-Ministro. Chernomyrdin era um dos chamados diretores vermelhos, ou seja, “antigos dirigentes das indústrias da URSS que, com a privatização, passariam também a controlar as novas empresas nascentes” (Segrillo, 2000b, 81). Não podemos confundi-los com os oligarcas, que eram donos de indústrias totalmente privatizadas e que funcionavam baseando-se no capital financeiro-especulativo. Esses diretores vermelhos, que anteriormente eram os diretores das antigas empresas estatais russas, se tornariam, em breve, membros da oligarquia russa.

(Continua na próxima postagem.)

26 de setembro de 2008

Privatização na Rússia (VI)

(Continuação da postagem anterior.)

O programa de reformas

O programa de reformas do primeiro governo pós-comunista foi tornado público em setembro de 1989 e implementado a partir de 1º de janeiro de 1990, na Lituânia (ex-república báltica soviética).

A estabilização era a primeira tarefa, devendo ser acompanhada pelo ajuste estrutural e seguida pela privatização. A espiral inflacionária tinha de ser controlada, o mercado consumidor tinha de ser equilibrado, o salto em conta corrente tinha de ser aumentado e o déficit público tinha de ser eliminado. Estes eram os objetivos mais urgentes das reformas. Essas medidas deveriam ser empreendidas junto com a racionalização da economia, por meio da competição e da liberalização comercial. Por fim, a privatização deveria completar o processo de reformas.

Os efeitos econômicos das reformas

O efeito da liberação dos preços foi imediato e dramático. Em poucos dias, a maioria dos preços aumentou de 60 a 80%. A taxa de inflação no primeiro mês, depois de liberados os preços no Leste Europeu, foi em média de 25,8 a 250%. Contudo, a inflação caiu quase que imediatamente.

O principal instrumento da estabilização foi uma acentuada redução dos salários. Os salários reais no setor estatal despencaram, e a renda real das famílias caiu drasticamente.

O feedback da opinião pública às reformas

Do ponto de vista dos arquitetos dos programas de reforma radicais, qualquer oposição política às reformas aparece como um populismo irresponsável. Alguns desses arquitetos achavam que o governo estava muito isolado, que isso sufocava a discussão e produzia uma falha impressão de consenso. Eles achavam que o descontentamento popular tinha de se expressar politicamente.

Para um presidente de sindicato, a melhor maneira era os trabalhadores, por meio dos sindicatos, discutir com o governo o desemprego, uma garantia de renda mínima, um salário mínimo, a luta contra a recessão, a transformação da estrutura econômica e a legislação concernente aos sindicatos.

O apoio da opinião pública às privatizações aumentou, à medida que o descontentamento com as reformas empreendidas até então começava a se instalar. Entre os que a apoiavam, citavam a melhoria das atividades como motivo e os que se opunham acreditavam que a privatização faria crescer a desigualdade.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E DESCRIÇÃO DO PROGRAMA

O PROGRAMA DE AJUSTAMENTO ECONÔMICO

Ao obter sua independência em 1991, com o fim da União Soviética, a Rússia se encontrava com sua economia arrasada, e o declínio continuou em 1992. Muito dessa queda foi ocasionada pela quebra do sistema produtivo soviético, pois a URSS possuía uma rede produtiva interligada em todo o seu território. Quando as repúblicas se separaram, essa rede também se separou, não podendo ser recriada em curto prazo. Além disso, o próprio sistema produtivo soviético já não funcionava, pois as empresas não seguiam mais as ordens recebidas do centro.

Outro fato que contribuiu para a crise de 1992 na Rússia foi a liberalização dos preços, promovidas por Yeltsin. Esta política estava de acordo com a “terapia de choque” promovida pela equipe do governo, explicitada no “Programa Radical de Construção da Economia de Mercado e de Estabilização Econômica” (Cadernos, 2000, 34), que objetivava inserir o capitalismo o mais rápido possível na Rússia para se evitar “dores prolongadas”, mesmo que ocorressem falhas e irregularidades durante este processo. A receptividade da população à liberação dos preços foi negativa, pois houve aumento de preços (em média, o preço dos produtos aumentou de 3 a 5 vezes, com produtos aumentando até 30 vezes) (Segrillo, 2000b, 74). Além disso, não houve uma melhoria na oferta de produtos conforme o previsto, o que também frustrou a população. Até mesmo membros do governo foram contra esta política, como o presidente do Soviete Supremo da Rússia, Ruslan Khasbulatov, e o próprio vice-presidente russo, Aleksandr Rutskoi.

(Continua na próxima postagem.)

24 de setembro de 2008

Privatização na Rússia (V)

(Continuação da postagem anterior.)

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; MARAWALL, José Maria; PRZEWORSKI, Adam. Reformas econômicas em novas democracias.

Para os autores, as reformas orientadas para o mercado são inevitavelmente um processo prolongado. O período que transcorre entre a estabilização, a liberação comercial e as privatizações é longo. Segundo, o apoio político para as reformas orientadas para o mercado se desgasta a ponto de ameaçar a continuidade das mesmas, a menos que estas reformas sejam acompanhadas de políticas sociais e, por último, as características das reformas orientadas para o mercado tendem a debilitar as instituições democráticas nascentes.

Os autores acham que as reformas econômicas são inevitavelmente dolorosas, e acham que é improvável que elas não apresentem erros. Além disso, necessita-se de tempo para a total implantação dessas reformas, a despeito de toda a urgência. As reformas nunca podem ser rápidas o suficiente para evitar o surgimento de opiniões contrárias, oposição organizada e conflitos políticos.

O que torna as reformas necessárias?

Os países do Leste Europeu começaram a tomar dinheiro emprestado no Ocidente para desenvolver produtos destinados aos mercados ocidentais, e fizeram uso da repressão para manter baixos os salários, enquanto se capitalizam os lucros construindo-se indústrias de base.

A estrutura das economias de planejamento central diminuiu em todo o Leste Europeu nos finais da década de 80. Anteriormente, a produtividade era baixa e declinante. A parcela de força de trabalho ocupada na agricultura ainda era grande, e os rendimentos auferidos continuavam baixos pelos padrões ocidentais. Com exceção da Hungria e da Iugoslávia, a maioria dos preços era controlada. A produção e os preços eram subsidiados pelo orçamento público e os subsídios somavam cerca de um terço dos gastos estatais, ou algo como 15% do PNB.

Reagindo à decadência de suas economias, todos os países do Leste Europeu procuraram realizar as reformas econômicas. Um dos modelos, iniciado pela Alemanha Oriental e mais tarde seguido pela ex-União Soviética, Bulgária, ex-Tchecoslováquia e Romênia, introduzia alguma autonomia financeira nas empresas estatais, tornando-as financeiramente responsáveis pela utilização de um critério de “lucro”. Retirava alguns preços do controle estatal e reduzia o papel do planejamento centralizado na alocação física dos recursos. Para os autores, essas reformas fracassaram por duas razões: a primeira, sem um mecanismo de preços, o critério de lucro não poderia fazer racionalmente a alocação de recursos; e segundo, o caos que esta sistemática introduziu originou uma pressão espontânea pela re-centralização.

A ex-União Soviética manteve uma taxa de um dígito ao longo de 1989. O orçamento público estava sob pressão, e na ex-União Soviética o déficit chegou a 11% do PNB em 1988 e a 9,5% em 1989.

Os objetivos das reformas

Os objetivos de longo prazo das reformas eram formulados fundamentalmente na linguagem da eficiência, da racionalidade ou da normalidade. Criar um arcabouço para a competição era não apenas tornar eficiente a alocação de recursos, mas também mudar, sem política industrial alguma, os padrões da alocação setorial. A privatização faria com que os proprietários maximizassem os lucros e os empregados trabalhassem muito, completando desse modo a transformação em uma economia racional. A eficiência aparece nessas declarações como o objetivo final a ser atingido.

O objetivo geral das reformas era rumar tão rápido quanto possível em direção a uma economia de mercado, cujo padrão era o capitalismo desenvolvido. Esse objetivo era formulado na linguagem da eficiência, ao invés de explicitamente na linguagem do crescimento, sem contar com nenhum programa de políticas sociais.

(Continua na próxima postagem.)

22 de setembro de 2008

Privatização na Rússia (IV)

(Continuação da postagem anterior.)

Nesse processo de Estrutura Social é requerida a existência de grupos, conflitos atuais e/ou latentes entre eles e distribuições desiguais de alguns bens. A maior utilidade dessa abordagem é a amplificação da noção de realidade e estudo do sistema complexo, mas ao mesmo tempo traz alguns problemas, tais como: a abundância de fatores manipuláveis fora da esfera de jurisdição de instituições responsáveis; a tarefa de relacionar alocação de recursos (principalmente num momento em que se opta com mais freqüência a escutar os economistas) e resultados sociais; a identificação de alavancas eficientes e efetivas de políticas públicas. Devido a inter-relacionamentos espalhados no sistema complexo, é difícil prever e afirmar a efetividade de uma variável única independente isolada das demais.

Informação Otimista

Na questão do Processamento de informações, a abordagem é no processo como determinante primário do conteúdo. Ha a clareza de que a informação é imperfeita e incompleta, que os custos de obtenção são elevados e que a capacidade humana de processá-la é finita, mas aperfeiçoável. O indivíduo baseia sua decisão em um modelo interno simplificado de uma situação externa. O Governo é um conjunto de diversas estruturas com agenda únicas e independentes. As previsões desse processamento são relevantes e plausíveis.

A vertente da Informação Otimista oferece mais do que alertas quanto a falhas do sistema político, mas oferece também prescrições. O desenvolvimento de sistemas de decisão para o gerenciamento de complexos processos de produção envolve ambientes estáveis, mesmo que na maioria dos acontecimentos sociais ocorram choques conjeturais e ciclos de resultados desafiadores das prescrições. Para suavizar a instabilidade do contexto, foi sugerido que se divida o sistema político ou a organização em sub-sistemas, de forma que cada unidade tomadora de decisão funcione em um meio em que a maioria das decisões é rotinizada ou programada. No entanto, os pressupostos que justificaram essa decomposição inicial de tarefas e organizações foram corrigidos, já que eram de defesa fraca quanto a desordem.

A análise tenta trazer as probabilidades e preferências dos tomadores de decisão por meio de questionamentos estáveis. O analista organiza e estrutura o problema da decisão, identificando possíveis conseqüências e informações necessárias. A cada decisão deve se buscar uma utilidade e a cada chance, uma probabilidade. A análise requer que o problema seja altamente estruturado e contido em si mesmo, pois, quando as questões são muito complexas, cheia de atores e desestruturados, as mesmas tornam-se um emaranhado, que pode ser cortado de modo interativo. Em casos de burocracias ideologicamente homogêneas, a aplicação de prescrições resultantes das visões doa atores institucionalmente responsáveis, aceita recomendações sobre a análise de decisão. Se houver pressão dos analistas para que os tomadores de decisões sejam claros em relação aos problemas, os analistas conseguem criar transitividade e consistência e contribuem para a comunicação dentro do processo político. A informação otimista exige capacidades metapolíticas, um ambiente de complexidade moderada, consenso de valores, estabilidade no processo político, baixos conflitos políticos, bom feedback e alto controle. Algumas das limitações da Informação Otimista são as seguintes: utilidades que podem ser instáveis ou perniciosas, a clarificação pode ser de certo modo insegura e as probabilidades podem conter erros gravíssimos.

Enquanto as variáveis racionais e otimistas têm identificado formas de fazer o processo político diferente, de preferência para um comportamento melhor, há a vulnerabilidade à deterioração das aplicações racionalistas. A força com a qual a abordagem é defendida pode diminuir quando colocada defronte ao mundo real das políticas e burocracias, onde grupos podem aderir a abordagens incrementais. Neste caso, mesmo as análises podem terminar em mãos de burocratas defensores do status quo.

(Continua na próxima postagem.)

19 de setembro de 2008

Privatização na Rússia (III)

(Continuação da postagem anterior.)

Outro ponto importante é que as falhas de mercado são apenas uma parte do processo e há limitações inatas nas equações para a habilidade dos governos de corrigir as falhas de mercado. Assim, os governos também devem examinar atenciosamente sua própria capacidade de corrigir essas falhas de mercado, antes de tentar fazê-lo. A economia de bem-estar exige um ambiente estático, pouco conflito político, alto controle, incerteza mínima quanto ao efeito da política, noção substancial do custo-benefício de cada alternativa política, uma agenda predeterminada de alternativas, uma audiência burocrática receptiva e uma ordem de mercado dominante na qual os efeitos da política podem ser sentidos.

Um dos maiores problemas da economia de bem-estar é que os Estados geralmente não fazem suas políticas na maneira técnica essencial da teoria. Mesmo que um Estado pudesse identificar a mais eficiente e efetiva política, isto é difícil porque a Economia de Bem Estar está baseada numa mensurabilidade de fatores que nem sempre são obviamente mensuráveis. A opção real é uma opção política, com laços nas instituições políticas e feita por atores políticos, muitas vezes sobre pressão política. Assim sendo, a analise técnica de bem-estar econômico muitas vezes serve apenas mais como recurso utilizado por um ou outro proponente da Ação governamental. Apenas em circunstâncias muito específicas, quando os economistas de Bem Estar são também os tomadores de decisão, como ocorre algumas vezes em alguns países ou setores, que se poderia esperar decisões políticas a serem tomadas solidamente com a base no critério de maximização de Bem estar. A negligência da Economia de Bem Estar às variáveis políticas muitas vezes torna-a descolada da realidade, que promoveria uma noção ingênua e falsa do processo político.

Estrutura Social

A abordagem da Estrutura Social é de metodologia sociológica com especial interesse nas conseqüências da distribuição de bens públicos entre indivíduos e grupos. Focaliza as vantagens de indivíduos e grupos uns em relação aos outros. A idéia é atingir um mundo com um status quo diferente e as premissas nas quais se baseiam são plausíveis e realistas (família, etnia, classe, profissão, religião). A questão do status quo é de extrema importância e sugere alguns questionamentos, tais como: Qual é a distribuição de recursos que ocorre entre grupos e indivíduos e quais as tendências que são observáveis? (Distribuição hierárquica, manutenção de poder, distribuição democrática?) Quais fatores são responsáveis por essa distribuição? (Motivos políticos, econômicos, culturais, sociais, históricos?) Qual o impacto no passado, presente e futuro de medidas específicas e eficientes nas distribuições? (Como a estrutura social se reorganiza, que conseqüências previsíveis traz e quais imprevisíveis ocorreram antes?).

A visão que se tem do Governo é de fazedores de políticas que manipulam a condição social, de acordo com seus próprios interesses, de modo que manipulam as pessoas a agirem de acordo com a aplicação de suas determinadas políticas. O indivíduo é compreendido como um ser com bagagem psicológica, física e social, e é esse objeto o foco de Políticas Públicas, assim como as unidades unitárias dos grupos. Os grupos são unidades de análise em que são analisadas dimensões familiares para suas definições, tais como: origem, etnia, raça, sexo, religião, idade, profissão. Dentre os diversos tipos de teoria social, pode-se citar:

- Teoria da Ação: percebe a racionalidade simplesmente em questões de atitudes subjetivas e de percepções.

- Determinismo sócio-econômico: percebe o comportamento como determinado pelas condições econômicas e sociais.

- Funcionalismo: explicando o comportamento coletivo e individual a partir da referência do valor instrumental no conjunto da sociedade.

- Teoria da Ação Simbólica: onde o indivíduo é analisado por meio de seu comportamento ao ter que lidar e se relacionar com os outros.

- Teoria do interesse: na qual a Ação é baseada na busca de seus interesses reais de modo racional.

- Teoria dos papéis sociais: percebendo como as pessoas adotam papéis que promovem e mantém sua aceitação social.

(Continua na postagem anterior.)

18 de setembro de 2008

Privatização na Rússia (II)

(Continuação da postagem anterior.)

MARCO TEÓRICO E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

MARCO TEÓRICO

A teórica se refere a qual paradigma daqueles apresentados por Bobrow & Dryzek em seu livro podemos utilizar para a análise do processo de privatização na Rússia. Mais uma vez, lembramos que, devido à conjuntura política, econômica e social da Rússia ser diferente de suas correspondentes ocidentais, algumas análises podem parecer estranhas ou talvez até absurdas. Porém, reafirmamos nosso compromisso de nos mantermos fiéis aos fatos ocorridos, mesmo que seja necessário justificar tais constatações estranhas e absurdas.

Dentre os paradigmas apresentados por Bobrow & Dryzek em seu livro Policy analysis by design (ver Referências Bibliográficas), concluímos ser o paradigma da Economia de Bem-Estar o que mais utilizaremos para fazer a análise da situação, de acordo com as características intrínsecas desse paradigma. Utilizaremos também vários pressupostos do paradigma do Processamento de Informações Otimista, e alguns pressupostos do paradigma da Estrutura Social Individual, para podermos complementar a análise feita com o paradigma da Economia do Bem-Estar.

Economia de Bem Estar

Essa abordagem é baseada na concepção de que indivíduos, por meio de mecanismos do mercado, deveriam tomar a maioria das decisões sociais No entanto, é reconhecido pelos economistas de bem-estar que os mercados não podem agregar o comportamento maximizador de utilidade individual para otimizar sobre tudo o bem-estar social ou não podem sempre distribuir recursos eficientemente. Nessas circunstâncias, conhecidas como falha de mercado, a economia de bem-estar argumenta que as políticas institucionais podem agir para corrigir ou suprimir as falhas de mercado. Dentre algumas falhas de mercado, pode-se mencionar:

- Informação Imperfeita: Refere-se a quando o consumidor e investidor não têm informação adequada para tomar uma decisão racional.

- Monopólio natural: Refere-se quanto à situação em certas indústrias com requerimento de grande capital e retornos desproporcionais a uma escala que tende a promover uma única firma sobre as competidoras.

- Competição destrutiva: Quando uma competição agressiva entre firmas causa efeitos colaterais negativos sobre os trabalhadores e sociedade.

- A tragédia dos Comuns: é uma falha de mercado que se refere a circunstâncias que envolvem o uso comum de recursos de propriedades sem regulamentação. Os usuários sempre se beneficiam com o aumento do uso em curto prazo, mas em longo prazo sofrem com o esgotamento dos mesmos recursos.

A Economia de Bem Estar argumenta que os governos têm a responsabilidade de corrigir as falhas de mercado, porque a otimização social não advirá apenas da tomada de decisões individuais não coordenadas. Neste caso, governos que são chamados a agir devem primeiramente determinar se a falha de mercado esta causando um problema social; em caso afirmativo, deve-se intervir para corrigir a falha. Uma vez reconhecida a falha de mercado e a necessidade da intervenção estatal, a política pública deve encontrar o meio mais eficiente de corrigir essa falha. A forma mais eficiente é aquela na qual o custo é menor e a técnica de analise é do custo-benefício. O objetivo é descobrir como conseguir o mesmo resultado pelo menor custo ou o maior e melhor resultado pelo mesmo custo. Essa análise é essencialmente a técnica para o governo refazer a tomada de decisão do mercado o mais próximo possível da alocação de recursos.

O critério de otimização de Pareto, utilizado na abordagem do bem-estar social, requer que uma ação seja tomada apenas se ela oferece a possibilidade de fazer ao menos uma pessoa obter uma condição melhor, sem piorar a condição de nenhuma outra. Apesar de que isso pode funcionar na competição de mercado, não tem como funcionar em Políticas Públicas, onde as ações de melhora de alguns grupos significam realocar recursos de outros grupos. Para Pareto, o status quo distributivo é justo. Essa dificuldade com o Princípio de Pareto resultou em um novo critério, chamado Critério de Kaldor, segundo o qual a política deve ser escolhida, mesmo se alguns perdem, desde que o total de ganhos seja superior à soma das perdas.

(Continua na próxima postagem.)

17 de setembro de 2008

Privatização na Rússia (I)

Dando continuidade à série de postagens sobre a Rússia, apresento um novo tema: as privatizações ocorridas naquele país durante a década de 1990.

RESUMO

O presente trabalho analisa o processo de privatização ocorrido na Rússia após o fim da União Soviética. O período analisado vai de 1992 a 1998, época onde o processo de privatização se dividiu em duas partes: a primeira indo de 1992 a 1995 e a segunda de 1995 a 1998.

Para a melhor compreensão do conteúdo apresentado, o trabalho está dividido em três partes. A primeira trata da contextualização histórica do momento vivido por aquele país no final da década de 80 e durante a década de 90. A segunda parte trata dos aspectos teóricos envolvidos no trabalho acadêmico, enquanto que será na terceira parte onde serão apresentados os resultados atingidos pelo trabalho.

INTRODUÇÃO

Com o fim da União Soviética em 1991, doze novos países surgiram no cenário internacional (devemos nos lembrar de que a Letônia, a Estônia e a Lituânia já eram independentes). Dentre esses novos países, o mais importante é a Rússia, que já ocupava lugar de destaque dentro da própria União Soviética, por ser a maior das repúblicas que formavam o antigo país. A Rússia era a maior não só em extensão territorial mas também em recursos naturais, em população, em desenvolvimento industrial, em recursos tecnológicos e em materiais bélicos, dentre outros.

As transformações econômicas ocorridas na Rússia no início da década de 90 foram sistêmicas, isto é, foram parte de um processo global de transformação que marcou a mudança do sistema socioeconômico anteriormente vigente, além de mudanças também no sistema político russo. Expressaram, nos planos da economia e da política, o processo de passagem de um modo de funcionamento para outro, com a reconstrução do quadro institucional em que se realizavam as atividades econômicas e a atividade política. Na linguagem corrente, significaram a transição da economia centralmente planejada para uma economia de mercado, além da introdução de mecanismos considerados democráticos no sistema político do país. Vale destacar que essas transformações ainda estão ocorrendo.

Mesmo que seu início tenha se dado ainda durante a Perestroika, estas transformações só começaram a se efetivar depois do fim do obstáculo político representado pela detenção do poder político pelo Partido Comunista. Até então, as transformações no modo de funcionamento da economia e da política se realizavam dentro do sistema socialista vigente, em um processo de reformas parciais tendentes a aperfeiçoá-lo. A própria Perestroika, como um programa de reconstrução global do sistema, pretendeu fazê-lo sem ultrapassar seus limites. Nessas condições, assume-se que o processo de transformações ganhou pleno desenvolvimento a partir de 1992, após a dissolução da URSS, quando a Rússia viu-se livre das “amarras” a que estava condicionada, em seu processo de mudança, pelo sistema institucional soviético a que estava vinculada, e os seus dirigentes assumiram como objetivo explícito a modificação do sistema.

As transformações econômicas foram, então, objeto de duas linhas de atuação: um programa de ajustamento econômico, que visava a correção dos desequilíbrios existentes no funcionamento da economia russa; e um programa de reformas estruturais, centrado na privatização. Vale lembrar, porém, que a Rússia é um país que não faz parte do “mundo ocidental”. Por este motivo, as análises a serem feitas neste trabalho seguirão a metodologia apresentada por Bobrow & Dryzek, mas poderá haver momentos onde o inter-relacionamento das diversas categorias apresentado por este autor se fará necessário. Além disso, é importante termos, ao menos, uma noção dos acontecimentos turbulentos pelos quais passou a Rússia entre 1991 e 2000, para que possamos compreender corretamente o conteúdo deste trabalho.

O trabalho será dividido em três partes. Na primeira, pretendemos fornecer uma contextualização histórica com os principais acontecimentos políticos e econômicos durante o processo de privatização na Rússia, para que possamos compreender o “clima” no qual tal processo se realizou. Na segunda parte, pretendemos apresentar os marcos teóricos sobre os quais o trabalho estará fundamentado, no que se refere aos paradigmas de políticas públicas analisados até o momento. Por fim, na terceira parte apresentaremos os resultados da política pública de privatização na Rússia, aplicando os conceitos teóricos apresentados na segunda parte à conjectura histórica apresentada na primeira parte.

(Continua na próxima postagem.)

10 de setembro de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (IX)

(Continuação da postagem anterior.)

Assim, o parlamento de 1995 efetivamente propunha e promulgava suas próprias leis, sem ser um mero “órgão consultivo” como o era o parlamento em 1989. Havia disputas políticas na Duma, com coligações e disputas internas pela aprovação ou rejeição de determinados projetos. Além disso, a relativa separação de poderes entre Executivo e Legislativo, com a conseqüente autonomia deste último, permitia aos parlamentares a promulgação de leis contrárias aos interesses do governo, ou ainda a rejeição de nomes propostos pelo presidente para o cargo de primeiro-ministro (como aconteceu várias vezes durante o governo Ieltsin).

Mas nem só de êxitos viveram os parlamentares eleitos em 1995. O parlamento possuía uma falha – uma grande e importante falha: “(...) a Assembléia Federal não pode, nos termos da Constituição da Federação da Rússia em vigor, fiscalizar a atividade do Executivo e, conseqüentemente, influenciar a economia com leis federais” (Strepetova 2000, p. 57). Desta forma, a maior parte das relações econômicas na Rússia não é regida por leis, mas por decretos presidenciais e governamentais e atos normativos da administração pública. Além disso, as leis não são totalmente eficazes, fazendo-se necessária a expedição de decretos regulamentares que esvaziam de sentido as leis já promulgadas (Strepetova 2000, p. 57). Esta deficiência é compreensível se considerarmos que a Rússia ainda está passando por um processo de transição de um sistema político totalitário para um sistema político dito democrático, o que nos leva a acreditar que as novas instituições políticas ainda não estão consolidadas – e tampouco estão bem definidas e consolidadas também as próprias funções dessas instituições.

As relações com o Executivo podem ser definidas como existentes e intensas, porém incompletas. O poder Legislativo em 1995 estava muito mais independente do poder Executivo do que em 1989, mas essa independência ainda era incompleta. Assim, uma forma do Legislativo fiscalizar o Executivo era por meio da promulgação de leis contrárias aos interesses do Executivo, as quais eram freqüentemente vetadas pelo presidente. Em comparação com 1989, contudo, a evolução é enorme, pois o Legislativo passou de um mero organismo para referendar as ações e propostas do Executivo a uma instituição ainda dependente, mas que se manifesta, tem voz importante dentro do cenário político russo e, principalmente, sabe – e pode – utilizar a opinião pública a seu favor.

No que concerne às suas funções, o Legislativo de 1995 também evoluiu em relação ao de 1989: passou a efetivamente propor e votar leis que estão em vigor na Rússia. O parlamento deixou de absorver as idéias da antiga elite dirigente – a nomenklatura inserida no antigo Soviete Supremo – para ter mais autonomia e iniciativa própria, originando leis importantes para o funcionamento do país, como os diversos códigos legais.

Por fim, devemos nos lembrar da forma como o parlamento de 1995 foi escolhido. Essa forma refere-se não tanto aos meios utilizados (eleições diretas, como em 1989), mas principalmente ao ambiente político no qual as eleições de 1995 ocorreram. Ao invés de apenas um partido político dominando o cenário político, como em 1989, tivemos em 1995 uma grande pluralidade partidária, com disputas intensas, acusações, propostas e todo tipo de mecanismo que o Ocidente já está acostumado a ver em suas próprias eleições.

Percebemos, assim que o poder Legislativo da Federação da Rússia vem evoluindo gradativamente com o passar dos anos – e com o passar das eleições. Esta evolução vem desde 1989, quando foi criado o Congresso dos Deputados do Povo, passando pelas eleições de 1993 – quando ainda era o Congresso dos Deputados do Povo –, pelas eleições de 1995 – objeto de estudo deste trabalho, onde os deputados e “senadores” foram eleitos para a nova Assembléia Federal, criada pela Constituição de 1993 – e pelas eleições de 1999, ano da última eleição parlamentar naquele país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVARADO, Emilio. "La formación del sistema político de la República Rusa". In: Revista de Estúdios Políticos: Nueva Epoca. Madrid: Instituto de Estúdios Políticos, 1997, nº 95, págs. 125-176.

DOBBS, Michael. A queda do império soviético. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

FUNARO, Henrique G. M. N. & SILVA, Matheus P. As reformas dos Estados russo e brasileiro. Brasília: s. ed., 2000 (não publicado).

GORBACHEV, Mikhail S. Perestroika: novas idéias para o meu país e o mundo. São Paulo: Best Seller, 1987.

KRIASHKOV, W. "A Rússia a caminho do Estado de direito". In: A Rússia no início da era Putin. Cadernos Adenauer nº 5. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000.

POMERANZ, Lenina. "As transformações econômicas e a privatização na Rússia". In: A Rússia no início da era Putin. Cadernos Adenauer nº 5. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000.

SEGRILLO, Ângelo. O declínio da União Soviética. Rio de Janeiro: Record, 2000a.

SEGRILLO, Ângelo. O fim da URSS e a nova Rússia: de Gorbachev ao pós-Ieltsin. Petrópolis: Vozes, 2000b.

STREPETOVA, M. P. "Reorganizações institucionais dos anos 90 na Rússia: tendências fundamentais e avaliação". In: A Rússia no início da era Putin. Cadernos Adenauer nº 5. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000.


8 de setembro de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (VIII)

(Continuação da postagem anterior.)

QUARTA PARTE: COMPARAÇÃO ENTRE O PARLAMENTO SOVIÉTICO DE 1989 E O PARLAMENTO RUSSO DE 1995

Nesta parte final do trabalho, pretendemos fazer uma comparação entre os dois parlamentos em estudo: o parlamento soviético eleito em 1989 e o parlamento russo eleito em 1995.

Antes de tudo, é preciso ressaltar que muitas das diferenças encontradas entre esses parlamentos são resultantes das próprias alterações institucionais pelas quais passaram a União Soviética, até 1991, e a Rússia, entre 1991 e 1995. Ora, se a total alteração dos modos de produção e dos modos econômico e político não é simples, o que dizer da transformação radical e desregulada pela qual passou a Rússia de 1992 em diante, sob o governo de Ieltsin? Da mesma forma, as disparidades encontradas entre o parlamento de 1995 – já “democrático e capitalista” – e seus correspondentes ocidentais são grandes também, e se justificam devido ao processo de mudança política ocorrido no país.

O primeiro tópico a ser analisado refere-se à composição política dos dois parlamentos. Tanto o parlamento de 1989 quanto o de 1995 era formado majoritariamente por membros do Partido Comunista. Pode parecer “coincidência”, mas é importante se fazer duas ressalvas sobre este assunto. A primeira delas refere-se às diferenças ideológicas entre o antigo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e o atual Partido Comunista da Federação da Rússia (PCFR). O PCUS era um partido que defendia o comunismo “a qualquer custo”, no sentido de que o poder deveria ser mantido seguindo-se os métodos “tradicionais” stalinistas – coerção, ausência de liberdade de opinião e o uso da força, por exemplo. Já o PCFR é um partido que defende o socialismo por meio da atuação parlamentar, com eleições livres e diretas; a atuação parlamentar, contudo, precisa ter características nacionalistas, e o partido defende a forte presença estatal na economia e na sociedade.

A segunda ressalva refere-se ao fato de que em 1989 o PCUS era a situação, enquanto que em 1995 o PCFR era de oposição. Isto não significa dizer, entretanto, que estava se produzindo uma luta entre duas opções completamente distintas (o comunismo de um lado e as medidas liberais de Ieltsin de outro). O que ocorreu foi que o “desengano” substituiu as esperanças ilimitadas sobre os benefícios associados à instauração do capitalismo na Rússia, tais como a capacidade de proporcionar riqueza e bem-estar a todos em curto prazo. Assim, a posição majoritária do PCFR no parlamento em 1995 deveu-se principalmente aos apelos nacionalistas feitos pelos membros deste partido e às críticas veementes ao modelo de transição implantado por Ieltsin.

Ainda que a vitória do PCFR em 1995 tenha sido resultado da expressão da insatisfação da população por meio das eleições, a disputa política não deixou de acontecer. Isto fica claro se considerarmos o fato de que o PCFR possuía a maioria na Duma, mas esta maioria não era tão grande assim – os comunistas-nacionalistas somavam 192 deputados, enquanto que os que apoiavam Ieltsin somavam 158 deputados. O jogo político entre essas duas forças, e principalmente a disputa política pelos votos dos demais 100 deputados independentes ou de partido políticos pequenos, não deixou de existir em nenhum momento, ao contrário do parlamento eleito em 1989. Neste caso, o domínio do PCUS era bem maior do que o domínio do PCFR em 1995, o que permitia ao PCUS a aprovação de todas as medidas que queria ver aprovadas. Além disso, o PCUS se beneficiava da não-organização da oposição, já que não era permitida a existência de outros partidos políticos.

Outro tópico importante para a comparação é referente às funções de cada um dos parlamentos. Obviamente, a função básica dos dois era a de legislar. Porém, havia diferenças marcantes na forma como essa mesma tarefa era realizada por cada um dos parlamentos, diferenças essas que eram resultado da própria ideologia dominante nos respectivos períodos.

Em 1989, a Duma (ou Congresso dos Deputados do Povo) tinha sido criada e eleita com o objetivo de tirar o poder excessivo das mãos de uma pequena elite do Partido Comunista – a nomenklatura. Assim, Gorbachev acreditava que, com a ajuda do povo, conseguiria vencer os conservadores, que acreditavam que a Perestroika era um risco para o seu poder. Assim, fazendo eleições parlamentares, Gorbachev esperava obter a legitimação popular de suas políticas por meio da aprovação parlamentar.

Por outro lado, conforme dito anteriormente, era o Soviete Supremo do Congresso dos Deputados do Povo o órgão que efetivamente legislava, no sentido de que era o Soviete Supremo quem criava as leis. O plenário do Congresso dos Deputados do Povo era responsável apenas por votar o que fosse encaminhado pelo Soviete Supremo – isso quando não era o próprio Soviete Supremo quem aprovava suas próprias leis. Desta forma, pode-se concluir que a principal função do Congresso dos Deputados do Povo era referendar o que era proposto pelo Soviete Supremo. Não havia uma grande preocupação em fiscalizar os atos do poder Executivo, já que o próprio Secretário-Geral do Partido Comunista – o chefe efetivo do Executivo – também fazia parte do Soviete Supremo do Congresso dos Deputados do Povo.

Já em 1995, a Duma possuía uma formação totalmente diversa, e também suas funções eram outras. Mais importante ainda, o ambiente político em 1995 era bastante diferente do ambiente político de 1989. Os deputados foram eleitos diretamente, como em 1989, mas agora existiam diversos partidos que efetivamente disputavam os votos dos eleitores. Além disso, havia uma oposição institucionalizada, com direito a expor suas idéias e suas críticas ao governo. Ainda, o ambiente político era totalmente diferente, com a efetiva – ainda que incompleta – separação dos poderes Executivo e Legislativo e com a conseqüente disputa, entre esses dois poderes, em torno do poder sobre a Rússia.

(Continua na próxima postagem.)

5 de setembro de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (VII)

(Continuação da postagem anterior.)

TERCEIRA PARTE: O PARLAMENTO RUSSO DE 1995

De acordo com a nova Constituição da Federação da Rússia, promulgada em 1993, a Assembléia Federal – o parlamento – é um órgão representativo e legislativo, formado por duas câmaras – o Conselho Federal e a Duma. Ao Conselho Federal pertencem dois representantes de cada unidade federativa, dos órgãos representativos e do Executivo. A Duma é composta por 450 deputados e é eleita por quatro anos.

Tendo em vista esta nova organização institucional, o grande acontecimento político de 1995 foi a realização, em dezembro, de eleições parlamentares federais. A população votou na oposição, como forma de mostrar seu descontentamento com a crise econômica, e o grande vencedor foi o Partido Comunista da Federação da Rússia, com 35,11% das 450 vagas da Duma. Em segundo ficou o partido Nossa Casa é a Rússia, do Primeiro-Ministro Chernomyrdin, com 12%. Em terceiro, com 11,11% das vagas, ficou o Partido Liberal Democrata da Rússia, e em quarto ficou o Yabloko, com 10% das vagas.


Antes de prosseguirmos, é importante explicarmos a ideologia desses partidos. O Partido Comunista da Federação da Rússia (PCFR) foi fundado em 1993 como um “sucessor” do Partido Comunista da União Soviética. Apesar de socialista, não é revolucionário, privilegiando a atuação parlamentar. O Nossa Casa é a Rússia foi criado às vésperas da eleição, com o objetivo de ser um partido de centro-direita que apoiasse Ieltsin de maneira sólida. O Partido Liberal Democrata da Rússia (LDPR) tinha orientação fascista (extrema direita), e em seu discurso criticava o governo. Na hora de votar, contudo, o LDPR aliava-se ao governo, para barrar os comunistas. Por fim, o partido Yabloko pregava um capitalismo liberal mas sério, e não o capitalismo “irresponsável” de Ieltsin (Segrillo 2000b, p. 94).

Pela tabela, vemos que o Partido Comunista da Federação da Rússia se converteu na primeira força política parlamentar, ao obter a maioria na Duma em 1995. Mesmo podendo suspender as eleições parlamentares de 1995(4), Ieltsin optou por realizá-las, evitando piorar ainda mais o ambiente político interno da Rússia, que já estava debilitado. Além disso, ao garantir a realização das eleições, Ieltsin continuava desfrutando o apoio internacional, sendo visto pelo Ocidente como o único candidato capaz de produzir estabilidade e, também, de impulsionar as reformas internas. Além disso, contribuiu para a realização das eleições parlamentares o fato de que Ieltsin esperava conseguir bons resultados, com a ajuda dos meios de comunicação – controlados pelos oligarcas – e de um sistema eleitoral desenhado para favorecer os partidos que o apoiavam no governo. Contudo, os resultados eleitorais demonstram que estava começando a ser criada na Rússia uma oposição considerável às ações de Ieltsin e de seu governo, e que a opinião pública preferia equilibrar o jogo de poderes em favor de uma Duma menos controlada pelas mãos do Executivo.

Podemos afirmar que a Duma, em 1995, era majoritariamente de oposição. A grande presença do Partido Comunista da Federação da Rússia no parlamento levou novamente à disputa entre Executivo, por um lado, e Legislativo, por outro. A oposição formada por comunistas-nacionalistas era numericamente superior à coligação favorável a Ieltsin, o que garantiu à mesma importantes vitórias políticas, como a recusa sucessiva de dois primeiros-ministros indicados por Ieltsin. Vale destacar ainda que os deputados independentes votavam, em sua maioria, com os comunistas-nacionalistas, aumentando ainda mais o poder da oposição dentro do parlamento e frente ao próprio poder Executivo.

A principal função do parlamento de 1995 era legislar. Assim, no período compreendido entre 1995 e 1999, foram promulgadas cerca de 1.000 leis, das quais mais de 700 entraram em vigor (Kriashkov 2000, p. 67). Além disso, a duma também trabalhou nos novos códigos civil, orçamentário, tributário, aduaneiro e penal, além de promulgar leis federais que garantem os direitos e liberdades do cidadão (direito ao voto, liberdade de associação, liberdade de circulação, direito de recorrer à justiça contra decisões e ações ilegais, direitos das minorias nacionais e direito à liberdade de pensamento, dentre outros). O parlamento também criou regulamentos que regem a organização e a atividade dos órgãos do Estado e dos órgãos da administração autônoma; regulamentou o status dos juízes, o Tribunal Constitucional da Federação da Rússia e os princípios gerais da nova organização federativa russa (Kriashkov 2000, p. 67-68).

Surpreendentemente, a Duma não tem poderes constitucionais para fiscalizar as atividades do Executivo (Strepetova 2000, p. 57). Isto significa que o máximo que o parlamento pode fazer é promulgar leis federais que podem ir contra as ações do Executivo, o qual pode usar seu poder de veto sobre as leis que tentem cercear as atividades deste poder. A política econômica de transição, por exemplo, ficou totalmente nas mãos do poder Executivo, que agiu “livremente”, sem a fiscalização que normalmente é realizada pelo poder Legislativo.

(4) Devido aos poderes extraordinários concedidos ao presidente em 1991, quando da dissolução da União Soviética, e ainda vigentes, e também devido ao fato de que a lei eleitoral ainda não havia sido sancionada por Ieltsin, ou seja, o presidente russo poderia vetar tal lei e impedir a realização das eleições em 1995.

(Continua na próxima postagem.)

3 de setembro de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (VI)

(Continuação da postagem anterior.)

Em princípio, os eleitores das eleições nacionais tinham a liberdade de: votar nos candidatos apoiados pelo partido ou em quaisquer outros candidatos (se existissem); escrever o nome de qualquer outro candidato; ou ainda se abster. Em 1989, alguns dos candidatos oficialmente apoiados pelo Partido Comunista foram rejeitados pelos eleitores, incluindo oficiais de alto nível do partido, como Iuri Solovev, o secretário do partido em Leningrado (atual São Petersburgo).

O regime considerava o ato de votar mais como uma obrigação do que como um direito. Os cidadãos com 18 anos ou mais votavam nas eleições soviéticas, e os que tinham 21 anos ou mais poderiam ser candidatos ao Congresso dos Deputados do Povo. Os cidadãos tinham o direito de participar das campanhas eleitorais e o direito de fazer campanha para qualquer candidato.

Os deputados do Congresso dos Deputados do Povo representavam uma “seção cruzada” dos vários grupos econômicos e profissionais da população. De acordo com o relatório oficial da Comissão de Credenciais(3), em relação à profissão, 24,8% dos deputados do congresso eram trabalhadores em indústrias, construção, transportes ou comunicações; 18,9% eram da agricultura, e destes dois grupos 23,8% eram operários ou camponeses. Diretores industriais ou agrários elegeram respectivamente 6,8% e 8,5% dos deputados. Secretários de vários níveis do Partido Comunista elegeram 10,5% dos deputados. 3,6% dos deputados eleitos eram oficiais militares. Em relação à idade, 88,6% dos deputados tinham menos de 60 anos, enquanto 8,3% tinham menos de 30 anos. No que se refere ao nível de educação, 75,5% possuía educação superior (completa ou não), enquanto que 6,2% eram membros das Academias de Ciência das diversas repúblicas. Contudo, os procedimentos de seleção sub-representaram alguns segmentos da sociedade. Apenas 15,6% dos delegados eram mulheres, e apenas sete deputados (0,003%) eram líderes religiosos.

As principais tarefas do Congresso dos Deputados do Povo foram a eleição do Soviete Supremo e a eleição do presidente do Soviete Supremo, que seria o chefe de Estado. Teoricamente, o Congresso dos Deputados do Povo e o Soviete Supremo manejavam um grande poder legislativo. Na prática, contudo, o Congresso dos Deputados do Povo se encontrou em apenas alguns dias em 1989 para aprovar as decisões tomadas pelo Partido Comunista, pelo Conselho de Ministros e pelo seu próprio Soviete Supremo. O Soviete Supremo, o “Presidium” do Soviete Supremo, o presidente do Soviete Supremo e o Conselho de Ministros possuíam uma grande autoridade para emitir leis, decretos, resoluções e ordens para a população. O Congresso dos Deputados do Povo tinha a autoridade de ratificar essas decisões.

De acordo com a Constituição de 1977, bem como suas emendas e adições promulgadas em dezembro de 1988, várias organizações estavam envolvidas na formação da política externa soviética, incluindo o Congresso dos Deputados do Povo, o Soviete Supremo, o “Presidium” do Soviete Supremo e o Conselho de Ministros. Esta influência era primariamente resultado da filiação de oficiais do Partido Comunista nestes órgãos.

As mudanças feitas na Constituição em dezembro de 1988 alteraram as características do sistema legislativo soviético. Essas mudanças conferiram ao Congresso dos Deputados do Povo habilidades para “definir as diretrizes básicas” da política externa soviética e claramente deram ao presidente do Soviete Supremo os deveres de criar e implementar a política externa. Os deveres atribuídos ao Soviete Supremo incluíam a formação do Conselho de Defesa, a indicação de comandantes para as Forças Armadas, a ratificação de tratados internacionais, a proclamação de estado de guerra e a decisão do uso de tropas em território estrangeiro. Esta última tarefa foi somada à lista dos deveres do Soviete Supremo, como explicou Gorbachev e outros líderes, devido à natureza restrita do processo de decisão que levou à invasão do Afeganistão. O “Presidium” do Soviete Supremo recebeu a responsabilidade de funções diplomáticas menores e da declaração de guerra nos períodos nos quais o Soviete Supremo não estivesse em sessão. O presidente do Soviete Supremo deveria representar a União Soviética nas relações exteriores com outros Estados. O presidente deveria, também, submeter relatórios sobre a política externa ao Congresso dos Deputados do Povo e ao Soviete Supremo, chefe do Conselho de Defesa, e negociar e assinar tratados internacionais. Uma Comissão para Assuntos Estrangeiros foi criada e seus membros receberam poderes para formular e avaliar a execução da política exterior. As novas estruturas legislativas aparentemente forneciam maiores poderes ao Legislativo para implementar e avaliar a execução das políticas exteriores, sendo que o presidente e o “Presidium” do Soviete Supremo teriam um papel de liderança nas atividades da política externa soviética.

(3) Responsável pelo cadastro dos candidatos.

(Continua na próxima postagem.)

1 de setembro de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (V)

(Continuação da postagem anterior.)

O AMBIENTE POLÍTICO DE 1995 A 1996

Em 1995, o acontecimento político mais importante foi as eleições parlamentares. A população, como forma de mostrar seu descontentamento com as políticas econômicas e sociais implantadas por Boris Ieltsin, votou na oposição, formada principalmente pelo Partido Comunista da Federação da Rússia (PCFR). Uma análise mais aprofundada dessas eleições será realizada na terceira parte deste trabalho.

Em 1996, o fato político mais importante foi as eleições presidenciais. Desde cedo, a população se dividiu entre Ieltsin e Gennady Zyuganov, o candidato do PCFR. Correndo “por fora” estava o general Aleksandr Lebed. A disputa presidencial resumir-se-ia, desta forma, a um plebiscito entre capitalismo – representado por Ieltsin – e socialismo – representado por Zyuganov.

A estratégia de Ieltsin foi associar Zyuganov a um possível retorno aos tempos da ditadura soviética. Além disso, como o eleitorado via suas propostas com ceticismo, devido aos resultados alcançados na economia até então, Ieltsin partiu para promessas populistas e eleitoreiras, como por exemplo aumentar o valor das bolsas universitárias e o valor das aposentadorias. O candidato do PCFR, por sua vez, evitava debater sobre os conceitos de socialismo e capitalismo, afirmando que não faria reformas impensadas e radicais no país. Citava sempre a China como modelo a ser seguido, como um país socialista que oferece possibilidades concretas aos empresários, sem a influência preponderante do Estado na economia. Os resultados do primeiro turno mostraram a vitória apertada de Ieltsin, com apenas 3,25% de margem – Ieltsin teve 35,28% dos votos e Zyuganov 32,03% (Segrillo 2000b, p. 96). Os dois candidatos foram para o segundo turno. Devido aos resultados do primeiro turno, com uma diferença tão pequena entre os candidatos, o segundo turno prometia ser disputado.

Os “homens de negócio” russos, ou seja, os oligarcas, ficaram preocupados com a possível vitória de um comunista e, conseqüentemente, com o possível fim dos seus privilégios e da sua influência no governo. Sendo assim, a oligarquia patrocinou maciçamente a campanha de Ieltsin, com anúncios nos jornais, revistas e na televisão, além de novamente associarem Zyuganov ao terror stalinista. “Algumas estimativas de observadores sobre o dinheiro jogado pelos oligarcas e aliados na campanha de Ieltsin chegavam a valores acima de US$ 50 milhões” (Segrillo 2000b, p. 99). Além disso, Ieltsin conseguiu o voto daqueles que votaram em Aleksandr Lebed, que ficara em terceiro no primeiro turno, pois o presidente convidara o general para ser o chefe do Conselho de Segurança Nacional. Lebed viria a assinar um acordo de paz com os chechenos, acabando com a guerra. No dia da eleição, o resultado de todo esse trabalho surtiu efeito: Ieltsin recebeu 53,82% dos votos e Zyuganov 40,31%. A vitória de Ieltsin foi recebida com satisfação por aqueles que queriam a manutenção da economia de mercado na Rússia. O presidente recompensou seus aliados, dando cargos importantes inclusive para os próprios oligarcas.

SEGUNDA PARTE: O PARLAMENTO SOVIÉTICO DE 1989

Em 1989, o Congresso dos Deputados do Povo era o ápice do sistema político soviético e o mais importante órgão legislativo no país. Criado por uma emenda de dezembro de 1988 à Constituição de 1977, o Congresso dos Deputados do Povo teoricamente representava a autoridade unida dos congressos e dos sovietes nas repúblicas. Além de suas próprias funções legislativas, este Congresso criava e monitorava todos os outros corpos legislativos governamentais que tinham a autorização de emitir decretos. Outras responsabilidades do Congresso dos Deputados do Povo incluíam a mudança da Constituição, a legislação de decisões relativas a fronteiras estaduais e sobre a estrutura federal, a ratificação dos planos qüinqüenais de governo, a eleição do secretário-geral do Soviete Supremo e a eleição do Comitê de Reforma Constitucional.

Nas eleições que iniciaram em 26 de março de 1989 sob as regras da legislação eleitoral de 1988, vários candidatos concorreram pela primeira vez a uma mesma cadeira desde 1917. Contudo, a nenhum partido foi permitida a participação nas eleições com a apresentação de candidatos, com exceção do Partido Comunista. Grande parte das cadeiras foi reservada para membros do próprio Partido Comunista e para membros de outras organizações oficialmente reconhecidas. Na Estônia, Latvia (Letônia), Lituânia e na Bielo-Rússia, entretanto, frentes populares, semelhantes a partidos políticos, lançaram seus próprios candidatos. Os líderes soviéticos afirmavam que estas eleições demonstravam que a população soviética podia escolher livremente seu próprio governo.

O Congresso dos Deputados do Povo foi eleito entre março e maio de 1989. Constituía-se de 2.250 deputados – 1.500 vindos dos distritos eleitorais e 750 vindos das organizações oficialmente reconhecidas, incluindo o Partido Comunista. Ao todo, 5.047 pessoas foram registradas como candidatos. Uma eleição principal aconteceu, na qual 89,8% dos votantes, ou 172,8 milhões de pessoas na época, participaram. Após a eleição principal, outras eleições menores aconteceram nos distritos onde os candidatos não obtiveram a maioria dos votos na eleição principal. Essas eleições menores aconteceram em 76 dos 1.500 distritos eleitorais. Repetiu-se a eleição em 198 distritos onde menos de metade dos possíveis eleitores votaram. Organizações oficiais também realizaram suas eleições, onde 84,2% dos eleitores, ou 162 milhões de pessoas na época, participaram. Dos 2.250 deputados eleitos, 8,1% estavam assumindo o seu primeiro mandato.

O Partido Comunista usou vários meios para exercer seu controle sobre as atividades do sistema legislativo. Desde 1964 o presidente do “Presidium”(1) do Soviete Supremo tinha sido um membro do Politburo(2), e os outros membros do “Presidium” pertenciam ao Comitê Central do Partido Comunista. Ainda, desde 1977, os secretários-gerais do Partido Comunista comumente ocupavam o cargo de presidente do “Presidium”, com exceção de Mikhail Gorbachev que, em um primeiro momento, não ocupou tal cargo. Ainda, o partido tinha um grande papel ao determinar quais dos deputados eleitos serviriam como deputados no Soviete Supremo. Como parte de sua própria autoridade como nomenklatura, as organizações partidárias locais selecionavam candidatos para concorrer nas eleições. As comissões e os comitês, que tinham algum poder para agir acima da política governamental, aceitavam as direções propostas pelos diversos departamentos do Comitê Central do Partido Comunista, e grande parte de seus membros era também membros do Partido Comunista. No Congresso dos Deputados do Povo eleito em 1989, por volta de 87%, ou 1.957 deputados, eram membros e/ou futuros membros do Partido Comunista.

Três categorias de deputados foram selecionadas para o Congresso dos Deputados do Povo: aqueles representando o Partido Comunista e as organizações oficialmente reconhecidas; aqueles representando a população dividida em distritos eleitorais residenciais; e aqueles representando a população dividida em territórios nacionais. Um terço (750) dos deputados foram eleitos em cada categoria. Cotas para os deputados foram criadas para as várias organizações oficiais, para os distritos eleitorais e para os distritos eleitorais dos territórios nacionais. As maiores cotas organizacionais foram reservadas para o Partido Comunista, para as trade unions (organizações trabalhistas), para representantes das fazendas coletivas, para representantes do Komsomol (juventude do Partido Comunista), para veteranos, aposentados e para o Comitê do Soviete Feminino. Grupos menores, mas oficiais, como colecionadores de selos, fãs de cinema e músicos também foram representados. Como os votantes pertenciam a diversas categorias sociais, eles podiam votar em vários deputados.

(1) O “Presidium” do Soviete Supremo era o comitê de liderança da Assembléia Legislativa.
(2) O Politburo era o comitê de liderança do Partido Comunista.

(Continua na próxima postagem.)