28 de novembro de 2008

Geopolítica (I)

Prezados visitantes,

Publicarei hoje e nos próximos dias respostas a perguntas referentes a uma disciplina intitulada "Geopolítica". Apesar das perguntas parecerem meio "soltas" -- posto que imagino que vocês não tenham tido contato com os livros que as embasam --, acredito que tais respostas são interessantes para mostrarem outras perspectivas acerca do assunto. Espero que lhes sejam úteis.

Referência bibliográfica para as perguntas: POLANYI, Karl. A grade transformação (as origens da nossa época). 3ª Ed. Rio: Campus, 1980. Capítulo 1, “Cem anos de paz”.

1. Quais foram, segundo Polanyi, os quatro pilares da “Paz de Cem Anos” na Europa (1815/1914)?

Segundo o autor, os quatro itens que sustentaram a “Paz de Cem Anos” eram os seguintes: o sistema de equilíbrio de poder; o padrão internacional do ouro; o mercado auto-regulável; e, por fim, o estado liberal.

2. Comente o papel da “alta finança” na manutenção dessa ordem.

A partir da segunda metade do século XIX, com o declínio das ordens feudais e clericais na Europa, surge um novo mecanismo para a manutenção da paz na Europa: a alta finança.

A principal função da alta finança era ser o elo de ligação entre a organização política e a organização econômica do mundo. Ora, no período anterior – primeira metade do século XIX –, as dinastias feudais e as ordens clericais tinham como objetivo a manutenção da ordem e da paz para que não perdessem o seu poder político na Europa. Em 1848, entretanto, irrompem revoluções em quase todos os países europeus e, por mais que estas revoluções tenham fracassado, estas ordens dinásticas e clericais perderam o seu poder político. Surge, então, a alta finança, como agente mantenedor da paz.

O objetivo ainda era a manutenção da paz, mas por um motivo diferente: uma guerra generalizada entre as grandes potências traria prejuízos. Entre as décadas de 50 e 70 do século XIX, o capitalismo estava em franca expansão, e esta expansão – com seus conseqüentes lucros – seria prejudicada caso ocorresse uma guerra entre as grandes potências.

É por isto que a alta finança teve um papel fundamental na manutenção da paz – ainda que esta fosse uma “paz armada”: as negociações entre os diferentes países eram feitas tendo em vista a manutenção do comércio mundial; os acordos diplomáticos eram realizados de forma a não se desagradar ninguém, como forma de garantir o comércio. Interessava aos grandes capitalistas a manutenção da paz como forma de garantias comerciais. Polanyi cita como exemplo as ferrovias: ao se fazerem novas ferrovias, todos os esforços diplomáticos tinham de ser feitos para que os povos por onde tais ferrovias fossem passar não causassem problemas ao capital.

3. Analise o contraste entre as etapas da Santa Aliança e do Concerto Europeu no período estudado.

O objetivo destas duas “instituições” era o mesmo: a manutenção da paz. Entretanto, deve-se destacar a diferença de época de atuação, bem como da forma de atuação dessas duas entidades.

A Santa Aliança foi uma instituição criada logo após o período das guerras napoleônicas. Seus “criadores” tinham como objetivo a manutenção da paz, mas mais através de mecanismos políticos e militares do que econômicos – principalmente através do princípio do equilíbrio de poder. Isto é explicado pela participação ativa das dinastias feudais e da Igreja na composição da Santa Aliança, ou seja, o objetivo era a manutenção do poder político, anulando as conseqüências resultantes das turbulências ocorridas entre 1789 e 1815.

Vale ainda destacar o importante papel dos exércitos neste período. Assim, toda e qualquer tentativa de alteração da ordem era reprimida com os exércitos europeus, que varriam o território de um lado a outro acabando com quaisquer possíveis alterações na ordem estabelecida.

(Continua na próxima postagem.)

26 de novembro de 2008

Globalização (III)

(Continuação da postagem anterior.)

Sunkel inicia seu texto dando um panorama geral da situação atual. Segundo ele, a visão dominante diz que as ideologias tradicionais foram superadas através de transformações culturais, políticas, sociais, econômicas e tecnológicas, e que a democracia liberal impôs-se na área política e o neoliberalismo na área econômica.

Segundo tal visão, o processo de globalização e a doutrina do neoliberalismo continuariam a levar a situação econômica, política e social atual a um melhor resultado. Ambos os itens levariam à adoção de políticas econômicas apropriadas e, conseqüentemente, otimizariam o potencial de crescimento da América Latina.

Entretanto, não é isto que tem acontecido. Mesmo que teoricamente os países da América Latina tenham um sistema teoricamente democrático, a qualidade deste sistema está decaindo. O crescimento econômico é modesto, se comparado com as décadas de 50 e 60, e a situação é instável em tais países. Mesmo os países ditos desenvolvidos, com destaque para os EUA e para a Grã-Bretanha, também estão sofrendo os resultados da política neoliberal. A distribuição de renda e até mesmo a pobreza têm piorado desde o início do modelo neoliberal.

Este agravamento da situação tem quatro principais características: um desempenho econômico medíocre, no que tange ao crescimento; um alto e incontrolável grau de volatilidade financeira; uma extrema debilidade das instituições públicas internacionais; e uma deterioração sustentada da distribuição de renda em nível global. Desta forma, há um grande hiato entre a ideologia do neoliberalismo e os resultados realmente atingidos.

Outro problema existente é a idéia dominante de que não há alternativas. Supõe-se que, ou adere-se ao neoliberalismo, ou o país vira uma “ilha” no mundo. Esta idéia tem apoio dos meios de comunicação de massa, os quais escondem da maioria da população as contradições existentes no sistema neoliberal. Entretanto, tais alternativas existem, e devem ser mostradas a todos. Não se pode simplesmente aceitar o modelo dito como consumado pelos países anglo-saxões. Deve-se levar em consideração as características históricas próprias de cada país.

O problema trazido pelo neoliberalismo é que ele confunde privatização, desregramento da economia e liberalização com modernização. Deve-se rejeitar a visão unitária de globalização e neoliberalismo através da criação de alternativas que levem em conta o pensamento próprio de cada país. Deve-se, portanto, criar novas propostas.

A globalização é vista como algo totalmente novo, criado pela revolução tecnológica, e por isso todos têm de submeter-se à mesma, para poder tirar os maiores benefícios possíveis. Contudo, existem quatro aspectos desta concepção que podem ser criticados: sua dimensão histórica, sua trajetória cíclica, sua natureza intrínseca e sua dinâmica dialética.

A globalização possui, em essência, dois aspectos principais: um é sua extensão geográfica, e o outro é sua natureza intensiva. O primeiro aspecto é relativamente óbvio, pois busca aumentar cada vez mais seu território. O segundo não é tão óbvio, mas é muito mais interessante: a idéia da intensificação do processo capitalista, principalmente com a transferência de serviços do setor público para o setor privado.

O aspecto dialético do capitalismo é que, ao mesmo tempo em que ele busca uma grande eficiência, e consegue, ele também é responsável pela situação social catastrófica, com pequena distribuição de renda e grande concentração da propriedade. Neste sentido, o Estado tem um papel essencial a realizar.

Sunkel cita, então, algumas contradições políticas e sociais da globalização e do neoliberalismo. Começa dizendo que estamos, agora, desmantelando o sistema de bem-estar social implantado após a Segunda Guerra Mundial. Estão desmantelando o Estado, passando várias de suas empresas para o controle privado, reforçando o processo de globalização e as políticas neoliberais.

Atualmente, o interesse do capital financeiro prevalece totalmente sobre o interesse do capital produtivo. Isto é justamente o oposto do princípio proposto por Keynes: desenvolvimento da economia doméstica, industrialização, pleno emprego, etc.

A nenhum dos aspectos sociais é dada a devida atenção atualmente. O objetivo agora é estabilidade financeira, equilíbrio macroeconômico e a mais baixa inflação possível. O resto, pensa-se, virá automaticamente. O capital vai aonde conseguir mais lucros, e geralmente isto ocorre nos países subdesenvolvidos. Isto porque eles precisam dos investimentos externos para financiar seu desenvolvimento, e por isso aumentam e muito suas taxas de juros.

O problema do neoliberalismo é que ele precisa de poucos trabalhadores, e estes têm de ser altamente qualificados. Desta forma, a economia neoliberal cria muito pouco emprego, criando um aspecto psicológico de insegurança e incerteza. O neoliberalismo, como está sendo aplicado, causa a divisão ainda maior das classes, entre uma minoria muito rica e uma maioria em um grau cada vez maior de pobreza.

Apesar de todos os problemas causados, não se pode negar que a política neoliberal como foi aplicada trouxe uma estabilidade democrática nos países, além de um certo desenvolvimento material e de ajuste macroeconômico. Contudo, mesmo com a aquisição de novos bens materiais, a qualidade de vida das pessoas tem deteriorado-se.

A proposta de Sunkel em relação a uma alternativa ao pensamento neoliberal dominante diz que o Estado deveria passar a supervisionar e regular as atividades passadas ao setor privado. Diz também que o Estado deve continuar fornecendo os requisitos básicos dos setores social e produtivo.

O Estado deve também ser responsável pela criação de um plano nacional de desenvolvimento a médio e longo prazo. Caso fizesse isto, o Estado poderia consolidar a democracia e acabar com a pobreza e desigualdade social.

Sunkel sugere que tais políticas estatais têm de ocorrer em três níveis. Um é o nível do Estado-Nação, o outro é o nível sub-nacional e o terceiro é o nível internacional. No nível do Estado-Nação, Sunkel deixa claro que o Estado de bem-estar social não deve ser reconstruído. Ele sugere que seja criado um organismo responsável tanto pelos gastos quanto pelas receitas do Estado, para que o mesmo pudesse coordenar melhor seus investimentos.

No nível subnacional, deveria ocorrer a descentralização e a regionalização das políticas públicas, atendendo as necessidades regionais, e não criadas em nível federal. Uma rede de instituições a nível local precisa ser criada.

Por último, no nível internacional, deve-se transferir o poder, que atualmente está em instituições de cunho econômico, para instituições de cunho apenas político, dedicada a assuntos sociais no nível internacional.

A reforma econômica é inevitável e necessária, mas não no sentido ultraneoliberal, que traz enormes custos políticos, ambientais, sociais e econômicos. Apesar de admitir que o capitalismo está presente na vida de todos e que é impossível viver sem ele, Sunkel diz que isto não significa que ignoremos os vários casos de falhas do mercado e as fraquezas sociais e ambientais herdadas da teoria neoclássica.

24 de novembro de 2008

Globalização (II)

(Continuação da postagem anterior.)

Keynes, representante da Grã-Bretanha, propôs que o sistema fosse regido por uma moeda única, e que os superávits ficassem guardados em um “Banco Central Mundial”. Tais reservas mundiais poderiam ser utilizadas a qualquer momento por qualquer país para, por exemplo, saldar sua balança de pagamentos, e assim garantir a estabilidade do comércio internacional.

O pensamento americano, representado por White, era contra a proposta de Keynes, pois os EUA achavam que eles seriam os financiadores do “Banco Central Mundial”, pois só eles teriam superávits (lembre-se de que a Europa estava arrasada por causa da guerra e que os PEDs ainda não tinham importância no cenário mundial).

Segundo White, a estabilidade mundial viria com duas instituições financeiras: o FMI e o BIRD. O FMI ajudaria os países com problemas em seus balanços de pagamentos, e o BIRD cuidaria da reconstrução após a guerra e financiaria atividades ligadas ao desenvolvimento.

Apesar de a proposta de Keynes ser mais igualitária, a proposta de White é a que foi aceita. Isto porque apenas os EUA tinham dinheiro para pôr em prática sua proposta. O FMI, então, funciona através de cotas, ou seja, cada país tem direito a um empréstimo de acordo com as cotas que compra, e não simplesmente “pegando” o dinheiro, como propôs Keynes.

Com o passar do tempo, viu-se que a proposta de Keynes era melhor em longo prazo, pois ela acompanharia o desenvolvimento do comércio internacional.

A proposta de White dizia que o FMI poderia intervir e fazer recomendações aos países deficitários, no sentido de ajustarem suas contas internas. Tais recomendações poderiam ser reforçadas por sanções, como por exemplo só ter direito aos empréstimos do Fundo se o país seguir as recomendações.

Entretanto, falhas surgiram, e talvez a principal tenha sido a ilusão de que os EUA teriam um superávit contínuo e crescente. Esta idéia já havia sido rebatida pelo próprio Keynes. A conseqüência disso foi a falta de coordenação, com o mercado financeiro sendo gerenciado pelo FMI e o comercial pelo GATT. Além disso, outras instituições tomaram decisões unilaterais, influenciando o comércio internacional. A grande liquidez do pós-guerra foi outro problema: onde investir o lucro excessivo? Subestimaram-se ainda os acordos regionais e a soberania e o poder estatais.

Os pilares do sistema de Bretton Woods, que eram o FMI e o BIRD, influenciaram bastante o mercado de divisas estrangeiras. Este tinha três funções básicas: primeiro, realizar transferências de poder aquisitivo de um país a outro, através da conversão das moedas; segundo, prover crédito para o comércio externo, através de empréstimos desburocratizados; e terceiro, criar facilidades para evitar os riscos do movimento de câmbio estrangeiro, evitando, por exemplo, ataques especulativos.

O excesso de moeda na Europa acaba indo para os PEDs na forma de investimentos, acelerando o processo de globalização.

Por fim, a Cúpula de Miami buscou o início das conversações para a criação da ALCA. Aqui se destaca a disputa entre EUA e Brasil. Os EUA querem a instalação da ALCA o mais rápido possível, evitando que todo o mercado consumidor da América Latina “caia nas mãos” da União Européia. O Brasil, apoiado pelos países do Mercosul, é contra esta idéia, pois os produtos americanos são mais competitivos, o que traria graves conseqüências à economia nacional. Além disso, defende também que as tarifas impostas pelos EUA aos seus produtos sejam revistas antes de uma total integração.

Segundo Dolan, a globalização é um processo gradual de eliminação de barreiras econômicas e o aumento nas trocas internacionais de mercadorias. Esta definição identifica a globalização como um processo, e não como um fato consumado.

Dito isto, vê-se que o GATT teve um papel fundamental no processo de globalização, através do incentivo ao comércio internacional. Deve-se incluir também as movimentações financeiras.

Outros autores dividem o fenômeno em ativo e passivo, sendo que o papel ativo é executado pelos países importantes, e o papel passivo pelos PEDs. Estes últimos em sua maioria, participam do processo de globalização com produtos agrícolas, em sua maior parte.

Discute-se muito em relação ao fato de a globalização ser real ou ser um mito. Vários itens são passíveis de serem questionados para comprovar sua existência, mas chega-se à conclusão de que ela não existe como fato consumado, pois, entre outros fatores, os aspectos políticos influenciam os econômicos, a prioridade de um país é diferente da de outro, além do fato de que tais conceitos são mais facilmente vistos em teoria do que na prática.

O principal ponto que diferencia globalização de internacionalização é a tecnologia. Assim, desde o século XV a internacionalização vem ocorrendo, mas a globalização só começou a partir da criação de novos componentes tecnológicos que permitiram sua disseminação pelo mundo.

Além disso, a ênfase hoje é no capital especulativo, volátil, que corre o mundo atrás dos maiores lucros fáceis, e não em aspectos produtivos como era até 1914.

As empresas dependem cada vez mais do mercado externo para terem lucro. Apenas o mercado consumidor de seu próprio país já não é mais suficiente. Os mercados financeiros estão fora de controle, com o capital circulando por todo o mundo. A acumulação de renda nos PDs é enorme, mas este capital é altamente volátil.

A globalização, desta forma, é um processo que ainda está ocorrendo e ainda não acabou. É claro que alguns países beneficiam-se mais que outros, mas é assim que funciona: o capital especulativo vai atrás do maior retorno.

Houve um aumento tanto qualitativo quanto quantitativo nos fluxos de capitais através do mundo. O predomínio do setor de serviços no PIB é notório. A mudança do conceito de processo produtivo confirma que estamos passando por outra Revolução Industrial.

O sistema produtivo é determinado pela interação dos agentes econômicos que decidem o quê, quanto e para quem produzir. Não existe estabilidade; o processo está em contínua mudança, e ele não é homogêneo.

Com a abertura dos mercados ao comércio internacional, os empresários viram que os preços de seus produtos não podiam mais apenas ser a soma do custo mais o lucro. A concorrência externa muda o modo de pensar, e o preço é dado pelo mercado. O produtor que se adeqüe a ele.

Os mercados não têm mais fronteiras e a competição é a nível internacional. As empresas têm de ser competitivas para sobreviverem.

O lançamento de novos produtos é uma estratégia para criar novos mercados. Tais produtos, ao mesmo tempo em que trazem um alto grau de tecnologia, têm de ser acessíveis e funcionais, e até mesmo descartáveis; a vida útil de tais produtos é muito curta.

Isto é resultado da globalização. O consumidor sabe quais avanços tecnológicos existem nos outros países e querem tais avanços no seu próprio país. O consumidor quer aparelhos que tornem sua vida mais fácil e prática, e isto é conseguido através da globalização. A globalização banaliza o uso da tecnologia, tornando-a acessível ao consumidor.

Por fim, cabe salientar a disputa entre regionalização e globalização. É dito que a regionalização é uma reação protecionista à globalização, pois o país diminui suas tarifas apenas para os países do seu bloco econômico, e não para todo o mundo. Por outro lado, outros autores dizem que os dois conceitos não são contraditórios, dependendo apenas da maneira como ocorrem.

O curioso é que, atualmente, o maior defensor do livre comércio, que é os EUA, deseja criar um grande bloco regional, a ALCA. O objetivo é manter a hegemonia americana na América, evitando a aproximação da União Européia. A proposta, contudo, propõe um regionalismo aberto, sem a introdução de barreiras protecionistas a países de fora do bloco. Mantém-se, assim, o apoio americano à liberalização do comércio internacional.

(Continua na próxima postagem.)

21 de novembro de 2008

Globalização (I)

Após a Segunda Guerra Mundial, os economistas chegaram à conclusão de que, para haver desenvolvimento econômico, seria necessária a criação de uma nova ordem, diferente da que estava em vigor até então. Esta nova ordem econômica tinha como ponto fundamental o livre comércio e a abertura das diversas economias às transações com outros países, de preferência sem nenhuma barreira tarifária.

O comércio internacional vem desde tempos remotos. O objetivo final de obter lucro fez com que diversos mercadores aventurassem-se por territórios desconhecidos em busca de novos mercados consumidores. A busca de riquezas e mercadorias no exterior passou a ser uma fonte de enriquecimento, e o comércio internacional incorporou-se ao nosso dia-a-dia.

Surgiram diversas teorias em relação ao comércio internacional, como a teoria de vantagens absolutas, de Adam Smith, e a teoria das vantagens comparativas, de David Ricardo. Ambas almejavam encontrar justificativas racionais para o livre comércio.

Após a Segunda Guerra Mundial, vários países reuniram-se com o objetivo de criar a Organização Internacional do Comércio. Queriam também definir as regras do comércio internacional. Tal encontro ficou conhecido como Conferência de Havana.

O objetivo dos EUA era a implantação de um regime baseado no livre comércio, através de uma redução generalizada das tarifas. Os EUA eram contra as zonas de comércio pretendidas pelos países europeus. Os mais prejudicados com o modelo apresentado eram os países em desenvolvimento, notadamente os da América Latina.

Com o intuito de agradar “gregos e troianos”, a Carta de Havana ficou cheia de problemas e contradições. Isto causou a sua não aprovação por parte do Congresso americano, e os EUA então tiraram outra “carta da manga”: o GATT.

O GATT era um capítulo da proposta inicial da OIC, contendo alguns itens diferentes da Carta de Havana. Um deles é que os participantes não seriam membros, e sim “partes contratantes”.

Na Rodada Genebra, a primeira, ocorrida em 1947, ficaram definidos os pontos fundamentais pelos quais o GATT funcionaria. Tais pontos eram: o princípio da nação mais favorecida, o tratamento nacional aos produtos importados, a reciprocidade, as bases mutuamente vantajosas, a regra do principal fornecedor e a fixação permanente de baixas tarifas.

Os produtos agrícolas ficaram de fora desta Rodada, trazendo preocupação aos PEDs, e o ônus maior ficou com os EUA, tendo em vista que os países europeus estavam destruídos pela guerra.

Outras rodadas ocorreram, mas não foram tão importantes quanto a primeira. Apenas acrescentaram-se novos membros, diminuiu-se ainda mais o valor das tarifas e aumentou-se o número de concessões negociadas.

Por outro lado, vendo que seus interesses não estavam sendo levados em consideração no GATT, os PEDs, contando com o apoio da ONU, criaram a UNCTAD, que deveria vir de encontro aos objetivos econômicos e comerciais dos PEDs. A UNCTAD elaborou leis e normas que regulavam o comércio internacional entre os PEDs e entre estes e os PDs.

A UNCTAD conseguiu, de certa forma, atingir seus objetivos, com suas propostas sendo levadas para o GATT e com os países entrando em acordo.

De 1964-67 ocorreu a Rodada Kennedy, a mais importante desde a fundação do GATT. As negociações deram-se na parte de produtos agrícolas, mas apenas produtos agrícolas americanos e europeus. Pouco foi feito pelos produtos agrícolas dos PEDs. Os resultados ficaram concentrados em manufaturas. Como a Parte IV do acordo do GATT não foi implementada, a UNCTAD voltou a fazer pressão.

Na Rodada Tóquio definiu-se a “enabling cause”, que era relacionada com tratamento diferenciado e mais favorável aos PEDs. Criaram-se também os “Códigos”, acordos restritivos aos signatários como forma de evitar os “free-riders”.

A Rodada Uruguai consolidou a criação da Organização Mundial de Comércio, através da inclusão de serviços nos produtos comercializados pelos países participantes do GATT. A OMC possui uma universalidade e uma legitimidade que o GATT jamais teve, pois ela é um organismo internacional como o FMI e o BIRD.

A iniciativa da criação de uma “Nova Ordem” no pós-guerra veio da Alemanha. Contudo, quem dominou as negociações, realizadas em Bretton Woods, foram a Grã-Bretanha e os EUA, com a vitória final deste.

(Continua na próxima postagem.)

19 de novembro de 2008

A Rússia e a paz mundial (VIII)

(Continuação da postagem anterior.)

CONCLUSÕES

A paz e as políticas interna e externa da União Soviética

Estes são apenas exemplos de como podemos relacionar os conceitos de paz com a realidade experimentada pelo regime soviético. Há vários outros aspectos que podem ser levados em consideração, mas os mesmos tornariam este trabalho muito extenso. Tentamos mostrar, assim, alguns itens práticos que podem ser relacionados com os conceitos apresentados anteriormente.

A primeira forma de se relacionar o sistema soviético com a questão da paz – e, por conseqüência, da violência – é nos lembrando dos conceitos de violência pessoal e violência estrutural e dos possíveis problemas que os governantes podem ter ao tentar resolver estes dois tipos de violência.

É possível afirmar que a sociedade soviética resolveu, em alguns aspectos, o problema da violência estrutural. Isto é possível se analisarmos os benefícios repassados à população, como sistemas de educação, saúde, transporte, calefação e de moradia, onde a grande maioria da população tinha acesso a estes itens a um preço simbólico. Como exemplo, temos que 98% da população soviética era alfabetizada e 96% possuía o equivalente ao segundo grau brasileiro.

Por outro lado, a violência pessoal foi aumentada, principalmente nos períodos de Stalin e de Brezhnev. Durante os seus governos, os dois líderes realizaram repressões em massa, com destaque para Stalin, que ou enviava seus opositores para os gulags – campos de concentração soviéticos – ou, simplesmente, assassinava-os. Ainda, foi durante o período stalinista que ocorreu a criação das fazendas coletivas, os kolkhozes, quando milhares de pessoas perderam o direito às suas terras e outros milhares morreram de fome, devido aos confiscos de grãos utilizados para subsidiar a industrialização soviética.

Outro tipo de violência que podemos apontar no regime comunista é a violência psicológica, se levarmos em consideração o fato de que a ideologia oficial do governo era imposta à população de todas as formas possíveis – e aqueles que eram contra esta ideologia sofriam violência física e pessoal. O medo e o terror impostos à população por parte da polícia de Stalin era outro tipo de violência psicológica, pois a própria demonstração de força, ainda que esta força não seja utilizada, já é caracterizada como violência.

No campo das relações internacionais, podemos dizer que a União Soviética usava de violência contra seus “inimigos” no Ocidente: ao dar demonstrações de força, seja de forma psicológica, ao realizar um teste nuclear ou anunciar o desenvolvimento de um míssel antibalístico, seja de forma física, ao invadir Budapeste em 1956 e Praga em 1968, a URSS estava tentando impressionar os países ocidentais mostrando seu poderio bélico. O simples fato de mostrar ao inimigo o seu poder, de forma intimidatória, já é considerada uma forma de violência.

A atual política externa da Rússia

Nos dias atuais, a Rússia vem dando passos concretos no que diz respeito à manutenção da paz mundial, se considerarmos como paz apenas a ausência de guerras. O governo russo tem se empenhado em colaborar para a solução de conflitos no Oriente Médio, além de manter um bom relacionamento com os países ocidentais. As três maiores áreas de possível conflito, de acordo com a visão russa – os países da Europa oriental e as ex-repúblicas soviéticas, a região do sul da Rússia, onde está havendo um avanço de fundamentalistas islâmicos e a fronteira com a China – estão sendo mantidos sob controle, sem a intervenção de forças armadas.

A Rússia tem mantido seus compromissos no que diz respeito aos programas de desarmamento nuclear, assinados ainda durante o período da União Soviética. Tem realizado ações também no sentido de colaborar com a Bielo-Rússia, a Ucrânia e o Cazaquistão no que diz respeito ao desarmamento nuclear destes países. O país tem também diminuído seu efetivo militar, como forma de mostrar “boa-vontade” aos países ocidentais.

Na política interna, há também uma certa “boa-vontade” para a solução de problemas de ordem estrutural do Estado russo. O fim da União Soviética e a implantação do capitalismo no país desestruturaram todo o sistema político russo, situação esta que foi agravada durante o governo de Boris Yeltsin, que não tinha o apoio necessário para realizar as reformas necessárias. O novo presidente, Vladimir Putin, está conseguindo realizar as reformas necessárias, ainda que ele esteja conseguindo estes resultados verticalizando o poder do governo, isto é, centralizando as decisões no governo central.

É complicado avaliar se um país está sendo ou não violento, pois caímos novamente na questão entre violência estrutural e violência pessoal. Analisando-se apenas no que diz respeito à política e à economia, a Rússia está novamente “entrando nos trilhos”. Podemos dizer, pelo menos, que, com esta reorganização política, administrativa e econômica da Rússia, o mundo atinge uma relativa estabilidade, que se converte na manutenção da paz mundial – novamente considerando-se a paz apenas como ausência de violência física.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 4ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998, 1330 p.

CNN.com. Cold War. Disponível em http://www.cnn.com/SPECIALS/cold.war/. Acessado em 20 de novembro de 2000.

FUNARO, Henrique G. M. N. & SILVA, Matheus P. As reformas dos Estados russo e brasileiro. Brasília: s. ed., 2000, 98 p (Não publicado).

GALTUNG, Johan. Violência, paz e investigação sobre a paz. In Journal of peace research, s. l., s. ed., 1969, p. 167-191, vol. VI.

GORBACHEV, Mikhail S. Perestroika: novas idéias para o meu país e o mundo. São Paulo: Best Seller, 1987, 299 p.

ENCICLOPÉDIA BRITANNICA. SALT – Strategic Arms Limitation Talks. Disponível em http://www.britannica.com/bcom/eb/article/6/0,5716,71716+1+69899,00.html. Acessado em 20 de novembro de 2000.

ENCICLOPÉDIA BRITANNICA. START – Strategic Arms Reduction Talks. Disponível em http://www.britannica.com/bcom/eb/article/7/0,5716,71717+1+69900,00.html. Acessado em 20 de novembro de 2000.

17 de novembro de 2008

A Rússia e a paz mundial (VII)

(Continuação da postagem anterior.)

Durante o período soviético, a intensa industrialização favoreceu decisões voltadas mais para a sustentação dos objetivos geoestratégicos soviéticos do que para a eficiência econômica. Desde o fim da URSS em 1991, a estrutura decisória e a cultura gerencial herdada pela Rússia dos tempos soviéticos constituíram, ao longo da década de 90, grandes obstáculos, que o país vem conseguindo remover com dificuldade.

O programa de estabilização e de reformas profundas orientadas no sentido de estabelecer uma economia de mercado foi implantado em 1992 pelo então Ministro das Finanças, Yegor Gaidar. Este plano teve o apoio do ex-presidente Boris Yeltsin. O programa incluía privatização acelerada, reestruturação do setor estatal remanescente e reformas tributária, administrativa e bancária. As reformas aconteceram de forma lenta mas constante até 1998, quando o novo primeiro-ministro Serguei Kirienko decidiu acelerar as reformas.

Persistiram, no entanto, paralelamente ao processo de reforma, graves dificuldades sociais e econômicas. Parcela considerável dos trabalhadores permaneceu oficialmente incluída em faixas de remuneração abaixo do nível de subsistência. Os atrasos nos soldos dos militares e nas pensões constituem preocupação evidente num quadro extremamente sensível e pano de fundo dissonante com a tentativa de dar continuidade ao processo de desmantelamento do sistema soviético de subsídios à população na forma de custos simbólicos de moradia, calefação, gás, energia elétrica e transporte público, entre outros. Persistia, igualmente, a desestruturação dos serviços públicos em muitas das 89 unidades federadas.

Com problemas originados pela crise asiática de 1997, a Rússia viu-se, em agosto de 1998, em meio à crise própria de conseqüências profundas para a economia mundial, atingindo inclusive o Brasil. Nem mesmo o anúncio feito pelo FMI de um empréstimo de US$ 22,6 bilhões à Rússia conseguiu deter a evasão de capitais e a forte retração na atividade econômica russa, que conduziram à adoção de medidas, em setembro de 1998, de maxidesvalorização do rublo, de inadimplência dos pagamentos da dívida interna com vencimentos em curto prazo e da proibição temporária e parcial de pagamentos em moedas fortes ao exterior por parte de devedores privados.

Atualmente, contudo, a economia russa mostra sinais de evidente recuperação. Mesmo com a eleição do novo presidente, Vladimir Putin, as políticas financeira e fiscal continuarão prudentes. Espera-se um crescimento econômico de cerca de 3,5% em 2000, acompanhando a tendência de expressivo aumento de produção industrial, que registrou 8,1% em 1999, o maior índice desde a dissolução da União Soviética. Também o ambiente macroeconômico promete ser favorável, com uma inflação de 18 a 22% em 2000.

O presente nível de participação da Rússia na economia mundial, que atinge menos de 1% do PIB total, contrasta com a relevância estratégica desse país no cenário global. Detentora de vasto arsenal nuclear, a Rússia, no plano de sua atuação externa, defronta-se com a ambivalência gerada entre essa reduzida expressão econômica, piorada pela dependência de recursos financeiros internacionais, e pela magnitude de seu poderio militar, não obstante a relativa precariedade de determinadas forças convencionais.

O país busca o equilíbrio entre seus interesses econômicos imediatos (com os conhecidos reflexos sobre seu processo de reformas e de abertura democrática), que demandam parceria inadiável com o Ocidente, e o surto de sentimentos populares antiocidentais e, especialmente, antinorte-americanos, acentuados pela crise iugoslava. A Rússia busca, outrossim, encontrar um “modus vivendi” com a OTAN, que vem cooptando seus vizinhos e contra a qual presentemente não poderia resistir no plano militar.

Por isso mesmo, o grande ponto de apoio do discurso diplomático russo tem sido a defesa do conceito de multipolaridade. Os últimos resquícios da potência que foi a Rússia, no bojo da ex-União Soviética, se afirmam no poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas e no poderio nuclear. Quanto ao primeiro, no entanto, encontra-o recentemente neutralizado pelo novo comportamento de centros decisórios como Washington e Londres, que não hesitam em mobilizar outros locais de discussão para a conquista de seus objetivos político-estratégicos, ignorando a ONU.

A questão de Kosovo potencializou a crise de identidade russa: sentindo-se obrigada a defender na Iugoslávia laços comuns étnicos, culturais e religiosos, a Rússia defrontou-se com sua incapacidade material de frear os ataques ocidentais. Reagiu explorando, rapidamente, o filão diplomático da mediação entre as partes beligerantes. Efetivamente, no plano dos desenvolvimentos ocorridos na Iugoslávia, não se pode considerar uma via política de solução sem a interveniência de Moscou.

Pode-se, assim, observar que a tendência da política externa russa será pela valorização do mecanismo de solução pacífica das controvérsias, ancorada em seu arsenal nuclear. De imediato, ela terá de aplicar essas diretrizes nas suas vizinhanças, acabando com os surtos separatistas que ameaçam a paz na Comunidade dos Estados Independentes. Moscou está consciente de que deverá tomar a dianteira do processo de integração, buscando uma forma capaz de dirimir os restos de desconfiança que as ex-repúblicas soviéticas ainda nutrem pela Rússia. Em casos de nova falência de desempenho pela ONU, o Grupo dos Oito e a OSCE serão os foros privilegiados pela diplomacia russa para encaminhamento de seus pleitos e defesa de seus interesses. A Rússia tem insistido muito na defesa de uma nova arquitetura para a segurança européia, com menos intromissão norte-americana.

Contra o pano de fundo, por um lado, da atual coesão hegemônica do Ocidente industrializado e, por outro, dos entendimentos de natureza militar entre os EUA e o Japão em matéria de defesa na região asiática, a Rússia procura desenvolver parcerias especiais com a China e com a Índia e a encaminhar o melhor possível uma solução para sua disputa territorial com o Japão. Neste momento, são fluídos o diálogo e a cooperação entre a Rússia e estes três países, embora seja prematuro especular sobre a formação de triângulos ou outras composições formais entre eles. A Rússia procura não negligenciar, tampouco, sua responsabilidade como um dos países que dão garantias ao processo de paz no Oriente Médio, desenvolvendo, de maneira muito equilibrada, bom relacionamento tanto com Israel quanto com os países árabes.

O interesse da Rússia na África e na América Latina se vê freqüentemente obrigado a ceder lugar às prioridades na sua região vizinha, tanto na Europa quanto na Ásia. Não obstante esta conjuntura, tem sido crescente a mobilização russa vis-à-vis do Mercosul, em particular do Brasil. A atração do mercado do Cone Sul, somada à importância do Brasil como agente ativo no cenário internacional e à circunstância de terem experimentado os dois países os efeitos perversos de crises financeiras de contornos assemelhados, colocam nosso país no raio de ação diplomática russa, com o lançamento de iniciativas importantes para a expansão da cooperação bilateral em todos os campos.

(Continua na próxima postagem.)

14 de novembro de 2008

A Rússia e a paz mundial (VI)

(Continuação da postagem anterior.)

Intermediate Nuclear Forces Treaty – INF

O INF foi um acordo assinado em 8 de dezembro de 1987 entre os Estados Unidos e a União Soviética para eliminar todos os mísseis nucleares baseados em terra localizados na Europa que eram capazes de atingir apenas alvos europeus (incluindo a União Soviética européia). Este acordo reduziu os arsenais nucleares das duas superpotências em mais ou menos 2.000 ogivas (4% do total). O tratado incluía provisões para cada país inspecionar as bases do outro.

Cronologia dos Acordos de Desarmamento entre Estados Unidos e União Soviética

1969: As conversações SALT iniciam-se em Helsinque

1972: O presidente americano Nixon e o secretário-geral soviético Brezhnev assinam o acordo SALT I

1973: Brezhnev se encontra com Nixon em Washington DC

1974: Nixon se encontra com Brezhnev em Moscou

1974: O presidente americano Ford se encontra com Brezhnev em Vladivostok

1975: Ford e Brezhnev assistem a reunião com 35 países em Helsinque

1979: O presidente americano Carter e Brezhnev assinam o acordo SALT II em Viena

1983: Conversas sobre Redução de Armas Estratégicas (START) acontecem em Genebra

1986: O presidente americano Reagan e o secretário-geral Gorbachev se encontram em Reikjavik

1987: O Tratado de Forças Nucleares Intermediárias é assinado em Washington DC

1989: Cortes em mísseis de curto alcance na Europa são condições para a redução de forças convencionais

1991: O presidente americano Bush e Gorbachev se encontram em Moscou. O tratado START é assinado, designado a reduzir em aproximadamente um terço o número de ogivas nucleares de longo alcance sob controle dos EUA e da URSS

Setembro-outubro de 1991: Bush anuncia uma redução unilateral planejada de mais ou menos 2.400 armas nucleares americanas, pedindo que a União Soviética responda à altura. Gorbachev apresenta um pacote de cortes unilaterais e propostas que ultrapassam a iniciativa de Bush

Janeiro de 1992: Bush e o presidente da Rússia, Boris Yeltsin, prometem cortes adicionais de 60-80% em mísseis nucleares de longo alcance baseados em terra e em mar. Adicionalmente, Bush promete uma retirada acelerada de tropas americanas da Europa e a interrupção da produção do bombardeiro avançado B-2. Yeltsin anuncia que os mísseis russos de longo alcance não serão mais apontados para cidades americanas

Junho de 1992: Yeltsin consente com o abandono da política de paridade estratégica (balanço igualitário de armas) e anuncia, juntamente com Bush, cortes bilaterais em armas nucleares de longa duração, ultrapassando o tratado START

Janeiro de 1993: Bush e Yeltsin assinam o tratado START II em Moscou, obrigando os dois países a reduzirem armas nucleares de longo alcance em dois terços até o ano de 2003 e destruir todas as ogivas múltiplas baseadas em terra

Desarmamento convencional

Os acordos sobre armas nucleares foram facilitados pelo medo de uma guerra nuclear, pelo desejo de se diminuir os gastos militares e por desenvolvimentos tecnológicos, mas o controle de armamentos convencionais provou ser mais difícil, apesar de terem sido realizados progressos.

Muitos anos de discussão resultaram em uma conferência em três estágios, chamada Conferência para Segurança na Europa, ocorrida entre 1973 e 1975. O último estágio, em setembro de 1975, no qual 35 países participaram (os EUA, a URSS, o Canadá e todos os países europeus, exceto Albânia), chegou a um acordo sobre vários assuntos, incluindo acordos para se respeitar à soberania e as fronteiras de cada Estado, para não se intervir nos assuntos internos de cada país e para se respeitar os direitos humanos e o direito à autodeterminação. Além de um acordo geral para não se usar a força, ou a ameaça da utilização da força, como um meio para se resolver disputas, e se trocarem observadores internacionais em manobras militares, nenhum acordo específico de desarmamento foi feito.

Seguindo uma recomendação da Assembléia Geral das Nações Unidas, uma Conferência sobre Desarmamento foi criada em 1978. Seu objetivo é promover o desarmamento completo e geral sob controle internacional efetivo. Sua primeira reunião foi em 1979, criando órgãos para fiscalizar e aplicar o Tratado de Banimento de Testes Nucleares de 1963, o Tratado de Não-proliferação de Armas de 1970, e a Convenção sobre Armas Tóxicas e Biológicas, de 1972. Em 1992, a Conferência criou sua própria Convenção sobre Armas Químicas, e é agora o principal fórum internacional de negociação de desarmamento.

A Rússia pós-comunista

Com o fim da União Soviética, suas antigas repúblicas “herdaram” o arsenal nuclear da superpotência, ficando estes armamentos distribuídos entre a Rússia, a Bielo-Rússia, a Ucrânia e o Cazaquistão. Contudo, o país que mais chama a atenção é a Rússia, devido a esta república ser a mais importante ainda durante a União Soviética. Além disso, a Rússia herdou todos os acordos assinados anteriormente com outros países, não só acordos de desarmamento mas também de colaboração científica, tecnológica, econômica, dentre outros.

A relevância estratégica da Rússia, detentora de vasto arsenal nuclear, contrasta com sua participação na economia mundial, que é pequena. O PIB russo corresponde a menos de 1% da produção mundial (pouco mais da metade do PIB brasileiro, por exemplo). À exceção das vendas de produtos energéticos (gás e petróleo), e da importação de produtos de consumo, o setor externo russo é, relativamente, pouco significativo tanto para o comércio internacional quanto até mesmo para a própria economia russa.

(Continua na próxima postagem.)

12 de novembro de 2008

A Rússia e a paz mundial (V)

(Continuação da postagem anterior.)

Os acordos de desarmamento

Desarmamento nuclear

A partir da segunda metade da década de 1960, os líderes das duas superpotências chegaram à conclusão de que, caso houvesse uma guerra nuclear, não haveria ganhadores ou perdedores: todos perderiam. Tendo isto em vista, e tendo em vista também a questão de que a corrida armamentista chegara a um ponto onde se gastava muito para nada, os chefes dos dois países rivais começaram a discutir planos de desarmamento nuclear.

O primeiro passo para os acordos envolvendo armas nucleares foi dado em 1959. Neste ano, o primeiro de uma série de tratados criando zonas livres de testes nucleares foi assinado. Este primeiro tratado bania armas nucleares da Antártida, e foi assinado por doze nações, incluindo os Estados Unidos, a União Soviética, a Grã-Bretanha e a França. Este tratado foi seguido por um outro, de 1966, assinado por vinte e um países da América Latina, banindo as armas nucleares daquela região. Em 1967, um tratado entre EUA, URSS e Grã-Bretanha banindo testes no espaço sideral foi assinado também. Ainda em 1967, um tratado de não-proliferação nuclear foi assinado por cinqüenta e nove países, incluindo as três principais potências nucleares. Por volta de 1976, este tratado havia sido assinado por 100 países.

Mais avanços foram realizados nos anos 70, com o acordo de 1972 entre os EUA e a URSS para limitar seus sistemas de mísseis antibalísticos, e em 1974 um acordo limitando testes subterrâneos foi assinado. Outro acordo limitando testes subterrâneos com inspeção por parte de outros países foi assinado em 1976 pelos Estados Unidos e pela União Soviética. Estes acordos entre as duas superpotências surgiram das continuadas Conversas para Limitação de Armas Estratégicas (Strategic Arms Limitation Talks – SALT), que começaram no início dos anos 70.

Strategic Arms Limitation Talks – SALT

Os acordos SALT foram negociações entre os Estados Unidos e a União Soviética, que tinham como objetivo a limitação da fabricação de mísseis estratégicos capazes de carregar armas nucleares. Os primeiros acordos, conhecidos como SALT I e SALT II, foram assinados pelos Estados Unidos e pela União Soviética em 1972 e 1979, respectivamente, e tinham a intenção de frear a corrida armamentista em mísseis balísticos estratégicos (de longo alcance ou intercontinentais) armados com armas nucleares. Primeiramente sugeridos pelo presidente americano Lyndon Johnson em 1967, as conversas para limitação de armas estratégicas foram acordadas pelas duas superpotências no verão de 1968, e as negociações em larga escala começaram em novembro de 1969.

Do complexo resultante de acordos (SALT I), os mais importantes foram os Tratados sobre Sistemas de Mísseis Antibalísticos (ABM) e o Acordo Ínterim e Protocolo sobre a Limitação de Armas Ofensivas Estratégicas. Ambos foram assinados pelo presidente Richard Nixon, pelos Estados Unidos, e pelo Secretário-Geral do Partido Comunista Leonid Brezhnev, pela União Soviética, em 26 de maio de 1972, em uma conferência em Moscou.

O tratado sobre ABMs regulava mísseis antibalísticos que poderiam teoricamente ser usados para destruir mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) lançados pela outra superpotência. O tratado limitou cada lado a apenas uma área de lançamento de ABMs e 100 mísseis interceptores. Essas limitações preveniriam ambas as partes de defender mais do que uma pequena fração de todo o seu território, e assim manteria os dois lados sujeitos ao efeito dissuasivo das forças estratégicas do outro lado. O tratado sobre ABMs foi ratificado pelo Senado americano em 3 de agosto de 1972. O Acordo Ínterim paralisava o número de ICBMs de cada lado e o número de mísseis balísticos lançados de submarinos (SLBMs) nos níveis de então por cinco anos, deixando negociações pendentes para um SALT II mais detalhado.

As negociações SALT II começaram no final de 1972 e continuaram por sete anos. Um problema básico nessas negociações era a assimetria entre as forças estratégicas dos dois países, pois a URSS concentrou-se em mísseis com uma grande ogiva, enquanto que os Estados Unidos desenvolveram mísseis menores de maior precisão. Questões também surgiram sobre as novas tecnologias em desenvolvimento, sobre problemas de definição e métodos de verificação.

Em sua forma final, o tratado SALT II impunha limites no número de lançadores estratégicos (mísseis que podem ser equipados com múltiplos veículos de reentrada com alvos independentes [MIRVs]) com o objetivo de adiar quando os sistemas ICBM baseados em terra de ambos os lados tornar-se-iam vulneráveis a ataques de tais mísseis MIRVs. Foram postos limites no número de ICBMs do tipo MIRV, SLBMs do tipo MIRV, bombardeiros de longo alcance e no número total de lançadores estratégicos. O tratado definiu um limite máximo de 2.400 de todos estes sistemas de armas para cada lado. O tratado SALT II foi assinado pelo presidente Jimmy Carter e por Brezhnev em Viena, em 18 de junho de 1979, e foi enviado ao Senado americano para ratificação logo em seguida. Mas tensões entre as superpotências obrigaram Carter a retirar o tratado da apreciação do Senado em janeiro de 1980, depois da invasão do Afeganistão pela União Soviética. Os Estados Unidos e a União Soviética, contudo, voluntariamente observaram os limites de armas acordados no tratado SALT II nos anos subseqüentes. Enquanto isso, as novas negociações que começaram em Genebra, a partir de 1982, levaram o nome de Conversas para a Redução de Armas Estratégicas (Strategic Arms Reduction Talks – START).

Strategic Arms Reduction Talks – START

Os tratados START foram negociações entre os Estados Unidos e a União Soviética, que tinham como objetivo reduzir os arsenais de ogivas nucleares e os arsenais de mísseis e bombardeiros capazes de carregar tais armas dos dois países. As negociações START sucederam as negociações SALT, dos anos 70. Ao reiniciar as negociações de armas estratégicas com a União Soviética em 1982, o presidente Ronald Reagan propôs reduções radicais, ao invés de meras limitações, nos estoques de mísseis e ogivas existentes em cada superpotência – daí a mudança do nome das negociações. Depois de um vazio de negociações entre 1983-85, as negociações START reiniciaram-se e culminaram em julho de 1991, com um acordo extenso sobre redução de armas estratégicas, onde estavam de acordo o presidente George Bush e o líder soviético Mikhail Gorbachev. O tratado obrigava os soviéticos a reduzirem seu arsenal de ogivas nucleares e bombas de 11.000 para 8.000 (uma redução de 25%), enquanto que os Estados Unidos reduziriam seus estoques deste tipo de arma de 12.000 para 10.000 (redução de 15%). As reduções foram especificamente feitas pelo número de mísseis estratégicos, bombardeiros de longo alcance e lançadores móveis que cada lado poderia possuir. Depois do colapso da União Soviética, negociações entre os Estados Unidos e a Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia e Cazaquistão levaram a um acordo suplementar, assinado em 23 de maio de 1992, pelo qual as partes participariam do acordo assinado em 1991 e pelo qual a Ucrânia, a Bielo-Rússia e o Cazaquistão concordavam em destruir suas ogivas nucleares estratégicas ou em doá-las para a Rússia, para que este país tomasse as providências necessárias.

(Continua na próxima postagem.)

10 de novembro de 2008

A Rússia e a paz mundial (IV)

(Continuação da postagem anterior.)

O presidente dos EUA, Jimmy Carter, foi quem iniciou “para valer” negociações a respeito da redução de armas nucleares. Tentou-se a realização de um novo acordo – o SALT II –, mas o mesmo não foi aprovado no Congresso dos EUA. Mais uma chance para pôr fim à Guerra Fria fora perdida.

É interessante notar, contudo, que o acordo SALT II era dúbio: se após três anos nada fosse realizado, os EUA poderiam colocar mísseis na Europa ocidental apontados para a União Soviética. Quando o acordo se tornou interessante – precisamente em 1979, quando a URSS invadiu o Afeganistão –, o Congresso americano aprovou o acordo.

Em 1980, um movimento pró-reformas eclodiu na Polônia. O movimento era organizado pelo grupo Solidariedade. O líder polonês impôs a corte marcial, suspendeu os direitos civis e usou a força para coibir as manifestações.

Também em 1980 toma posse o novo presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. Sua primeira medida no que se refere à Guerra Fria foi aumentar o orçamento militar e incentivar a corrida armamentista, afirmando que a única forma de lidar com a URSS era estando em uma posição de força. Lançou o programa chamado “Iniciativa de Defesa Estratégica”, mais conhecido como “Guerra nas Estrelas”. Andropov, então secretário-geral do PCUS, afirmou que as iniciativas norte-americanas de passar à frente dos soviéticos eram fúteis.

Em 1985, toma posse como secretário-geral do PCUS Mikhail Gorbachev, que assume envolto em uma “aura” de mudança. Gorbachev logo anuncia sua intenção de parar com a corrida armamentista, e mudanças importantes aconteceriam dentro do contexto da Guerra Fria.

O fim da União Soviética

Em novembro de 1985, os líderes das duas superpotências encontraram-se em Genebra. Saíram de lá sem um acordo definido, mas uma nova reunião fora marcada para Reikjavik, no ano seguinte. Na reunião ocorrida na capital da Islândia, Reagan e Gorbachev também saíram sem um acordo – mas cada delegação percebeu que as discussões transpuseram uma linha histórica, pelo teor das propostas apresentadas.

Este foi apenas um dos acontecimentos que marcaram o início do desmembramento da União Soviética. A causa principal da queda do comunismo foi a demora em se implantar os benefícios advindos da Terceira Revolução Tecnológica e Industrial: enquanto os países ocidentais se beneficiavam com estes resultados, a União Soviética mantinha tais desenvolvimentos tecnológicos aplicados apenas à área militar. A não aplicação nas indústrias, por exemplo, fez a URSS ficar atrás na corrida tecnológica, e este foi o principal motivo que fez a União Soviética se esfacelar. A tentativa de Gorbachev, com a Perestroika, de reestruturar o Estado soviético, foi infrutífera, devido à solidez do sistema.

A partir de 1988, diversos acontecimentos mostraram o que viria dali para frente, devido às políticas da Perestroika e da glasnost, implantadas por Gorbachev. Em 1988, a Hungria abriu suas fronteiras com a Áustria, acabando com a “Cortina de Ferro”. Em 1989, na Polônia, ocorreram as primeiras eleições livres, com vitória esmagadora do Solidariedade – sindicato organizado pelos trabalhadores. Neste mesmo ano, houve a queda do muro de Berlim, devido a manifestações na Alemanha Oriental. Também na Tchecoslováquia o Partido Comunista perdeu o poder, e na Romênia o líder comunista Nicolae Ceausecu e sua esposa foram assassinados.

Em 1990, foi a vez dos Estados bálticos se rebelarem. Em apenas dois meses, as três repúblicas bálticas declararam sua independência. Gorbachev, que por problemas internos havia associado-se à linha dura, ordenou a repressão dos movimentos separatistas, mas recuou ao ver milhares de pessoas protestando nas ruas contra as ações militares.

Também em 1990, Gorbachev enfrentava problemas internos. Ele propôs eleições livres na URSS, e se defrontava com duas tarefas difíceis: reformar o governo e a economia e, ao mesmo tempo, manter unidas as repúblicas que compunham a União Soviética. Além disso, havia ainda o problema das próprias repúblicas soviéticas, como a Rússia e a Ucrânia, que afirmaram a preponderância de suas leis sobre as leis soviéticas. Boris Yeltsin, presidente da Rússia, usou o descontentamento popular em relação à economia para enfraquecer Gorbachev e o centro.

Gorbachev tentava de todas as formas manter a União Soviética, primeiro propondo um novo governo central, depois um novo Tratado de União e, finalmente, uma nova União das Repúblicas Soviéticas Soberanas, mas nenhuma dessas idéias vingou. Em abril de 1991, a Geórgia declarou sua independência, e Gorbachev mudou novamente, politicamente falando: isolou-se da linha dura e formulou uma reforma com os líderes de nove repúblicas. Nada disso adiantou.

Em agosto de 1991, ocorreu um golpe de Estado na União Soviética. Membros da linha dura pediram que Gorbachev declarasse estado de emergência e, com a resposta negativa do presidente, prenderam-no em sua casa de férias na Criméia. O “Comitê de Emergência” passou o poder ao vice-presidente Gennadi Yanayev, e ordenou que tropas ocupassem Moscou.

Contudo, vários soldados e civis recusaram-se a acatar as ordens do Comitê de Emergência e, sob o comando de Yeltsin, resistiram à invasão da Casa Branca – sede do parlamento russo. O líder do Comitê e chefe da KGB, Vladimir Kryuchkov, chamou Yeltsin e admitiu a derrota. Yeltsin trouxe Gorbachev de volta a Moscou, mas a União Soviética mudara muito nos três dias de golpe – mais do que Gorbachev podia imaginar.

Após o golpe, Gorbachev afirmou sua convicção no Partido Comunista. Isto não era o que as pessoas queriam ouvir, e as coisas pioraram quando ele teve de ler ao vivo na televisão, sob pressão de Yeltsin, documentos mostrando que os seus aliados comunistas, membros do seu governo, estavam por trás do golpe.

Em 8 de dezembro de 1991, os presidentes da Rússia, Bielo-Rússia e Ucrânia assinaram um documento extinguindo a União Soviética e criando a Comunidade de Estados Independentes. Em 25 de dezembro, Gorbachev anunciou à população da URSS e do mundo que a União Soviética deixava de existir. A Guerra Fria havia, finalmente, acabado.

(Continua na próxima postagem.)

7 de novembro de 2008

A Rússia e a paz mundial (III)

(Continuação da postagem anterior.)

A RÚSSIA E AS QUESTÕES DE SEGURANÇA NA EUROPA E NO MUNDO

Durante quarenta e cinco anos, o mundo viveu sob um período de tensão. As escolhas sobre os rumos que cada país deveria tomar levavam em consideração, necessariamente, o equilíbrio de poder entre as duas superpotências que emergiram após a Segunda Guerra Mundial, e muitas vezes eram baseadas no medo de uma possível represália por parte de um dos dois países. Ainda, o perigo e o medo de uma guerra nuclear estiveram sempre presentes nestes quarenta e cinco anos, mesmo naqueles países que se consideravam “não-alinhados”. Este período ficou conhecido como Guerra Fria, e foi o período quando o mundo se viu obrigado a escolher entre o capitalismo, representado pelos Estados Unidos, e o comunismo, representado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Para podermos compreender a Rússia atual e os problemas de segurança na Europa e no mundo de hoje, é necessário fazermos uma retrospectiva histórica no que diz respeito ao contexto geopolítico destes quarenta e cinco anos, desde 1945. Falaremos sobre a Guerra Fria, sobre o esfacelamento da União Soviética, sobre os acordos de desarmamento feitos entre a URSS e os EUA e, finalmente, sobre a situação militar atual da Rússia.

Breve histórico da Guerra Fria

A Segunda Guerra Mundial terminou com as explosões das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Até então, os Estados Unidos e a União Soviética eram aliados contra a Alemanha nazista – que foi literalmente dividida em duas, entre os EUA e a URSS –, contra a Itália – que se retirou cedo da guerra – e contra o Japão, que pretendia dominar todo o sudeste asiático, a Oceania e o oceano Pacífico.

Ao se tornar uma potência mundial, a União Soviética tentou – e conseguiu – estabelecer controle em uma área de influência, nos países da Europa oriental. Ao mesmo tempo, alguns países da Europa ocidental, que não estavam conseguindo se recuperar no pós-guerra, ameaçaram tornar-se comunistas, vendo nesse sistema uma saída para seus problemas. Os EUA lançaram, então, o Plano Marshall, que ajudou a Europa ocidental a se reerguer no pós-guerra. A luta por zonas de influência dentro da Europa havia começado.

Em 1948-49, as forças soviéticas fecharam o acesso a Berlim ocidental. Os suprimentos chegavam por aviões que passavam por corredores aéreos previamente estabelecidos. Com o protesto realizado pela Alemanha Ocidental, os EUA passaram a ver este país como um aliado, e não mais como um território ocupado. O confronto entre Leste e Oeste em Berlim foi a primeira grande disputa entre URSS e EUA. Ainda em 1949, a União Soviética explodiu sua primeira bomba atômica, quebrando o monopólio norte-americano. Este fato originou a corrida armamentista entre os dois rivais da Guerra Fria, que nesta época já existia “oficialmente”.

A segunda grande disputa iniciou-se em 1950, com a guerra da Coréia. A União Soviética ajudara os líderes norte-coreanos a invadir a Coréia do Sul e a implantar o comunismo em toda a península. Com o envio de tropas chinesas para a guerra, o conflito só terminou em 1953.

Na União Soviética, os que eram contrários ao regime, ou tinham idéias consideradas perigosas, eram enviados aos gulags – verdadeiros campos de concentração soviéticos. Mas nos Estados Unidos não era diferente. Vários foram presos e considerados suspeitos, chegando a ponto de se assassinar o casal Rosenberg, acusados de fazer espionagem em favor da URSS.

Em 1953, Stalin morre sem deixar um sucessor. Inicia-se a disputa pelo cargo. Ao mesmo tempo, a Alemanha Ocidental consegue entrar na OTAN, com o apoio dos EUA. Dois anos depois, em 1955, é formado o Pacto de Varsóvia, o bloco militar comunista que iria fazer frente à OTAN.

Em 1956, como resposta a manifestações populares, tropas soviéticas invadem Budapeste, a capital da Hungria, enquanto o Ocidente se preocupava com a crise do canal de Suez. Khrushchev reforçava a “Cortina de Ferro” que separava o Ocidente e o Leste.

Dois acontecimentos relacionados com a corrida espacial – que também era alvo de disputa entre as duas superpotências – humilharam os EUA. O primeiro foi o lançamento, em 1957, do primeiro satélite artificial do mundo, o Sputnik – o que provava que, além de satélites, a URSS era capaz de lançar mísseis intercontinentais com ogivas nucleares. O segundo acontecimento foi o envio do primeiro homem ao espaço, Yuri Gagarin, em 1961.

Ainda em 1961, foi construído o muro de Berlim, cujo objetivo era evitar a fuga de berlinenses orientais para o lado capitalista da cidade. O muro tornou-se um símbolo da divisão entre comunismo e capitalismo.

Em 1962, ocorreu um dos maiores – senão o maior – confronto entre os EUA e a URSS. A União Soviética colocara mísseis nucleares na ilha de Cuba, de onde poderiam atingir quase todo o território dos Estados Unidos. Os EUA fizeram um bloqueio à ilha, não permitindo que nenhum navio se aproximasse de Cuba. Após vários dias de tensas negociações, foi apresentada uma proposta: a União Soviética retiraria seus mísseis de Cuba se os Estados Unidos prometessem nunca invadir a ilha, e também retirassem seus mísseis da Turquia. John Kennedy aceitou a proposta de Khrushchev, e o acordo foi confirmado.

Outro revés para os EUA foi a Guerra do Vietnã. Não querendo perder o sul do país para os comunistas, os Estados Unidos enviaram tropas para o país do sudeste asiático, onde fracassaram e se retiraram depois de dez anos.

Com a escalada da corrida armamentista, onde as duas superpotências gastavam juntas, por dia, 50 milhões de dólares em armamentos nucleares, iniciaram-se conversações no sentido de frear os gastos militares. Estas conversações ficaram conhecidas como SALT – sigla em inglês para Conversas para Limitação de Armas Estratégicas. Os mísseis antibalísticos deixariam de ser produzidos, mas a corrida nuclear continuou.

Em 1968, o líder da Tchecoslováquia Alexander Dubcek tentou reformar o socialismo naquele país, implantando o “socialismo com rosto humano”. Sua iniciativa não foi bem recebida pelos líderes soviéticos, e em agosto daquele ano tropas do Pacto de Varsóvia invadiram Praga, retirando Dubcek do poder e reafirmando o controle do Partido Comunista pela força.

No início da década de 70, os líderes das duas superpotências aceitaram limitar as armas nucleares, na política que ficou conhecida como détente. O ponto alto dessa política de diminuição da corrida armamentista foi o projeto espacial realizado em conjunto pelos EUA e pela URSS, chamado de projeto Apollo-Soyuz. Contudo, a détente não avançou mais devido a conflitos diversos no Oriente Médio, na África e na América Latina.

(Continua na próxima postagem.)

5 de novembro de 2008

A Rússia e a paz mundial (II)

(Continuação da postagem anterior.)

Dessa forma, percebemos muito mais a violência pessoal – que depende da vontade dos indivíduos para acontecer e, por este mesmo motivo, tem sua intensidade variável – do que a violência estrutural, que é muito mais “estável” e “invisível”, e que pode conter muito mais violência do que a violência pessoal.

Após essa definição de violência, voltamos à questão da paz. Mantendo-se a paz como a ausência de violência, teremos dois tipos de paz – o que leva à ausência de violência pessoal e o que leva à ausência de violência estrutural. Estes tipos são chamados de paz negativa e paz positiva, respectivamente, ou ainda “ausência de violência” e “justiça social”. A paz torna-se, dessa forma, um índice de avaliação social, e liga-se, como afirma Galtung, à teoria do desenvolvimento.

O problema agora é saber como equacionar a solução dos conflitos causados pelos dois tipos distintos de violência. Muitas vezes, para se corrigir a injustiça social (violência estrutural), comete-se violência pessoal – seja direta ou indireta, física ou psicológica, com ou sem um agente da violência. Não se deve, portanto, aceitar um dos dois tipos de violência, ou mesmo os dois, para se evitar um desses tipos. É necessário orientarmos “a definição de paz no sentido da ausência de violência pessoal ou da ausência de violência estrutural, consoante as nossas prioridades” (GALTUNG, 1969, p. 354). Desta forma, é feita uma escolha entre dois males, a violência direta ou a injustiça social, utilizando-se do mal menor para acabar com o maior (ou, se possível, com os dois). Esta foi a opção da União Soviética, que será analisada na página 19.

O que é Ciência Política

Existem duas idéias no que se refere à explicação do que é a Ciência Política. Por um lado, a Ciência Política pode ser um “estudo dos fenômenos e das estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor, apoiado em um amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais” (BOBBIO, 1998, p. 164). Neste caso, o termo “ciência” é utilizado como oposto ao termo “opinião”, no sentido de ser um estudo racional e baseado em provas de diversos fatos, sem espaço para o achismo. Por outro lado, a Ciência Política pode ser vista como “a ciência da política”, aplicando a metodologia e o rigor das pesquisas científicas – inclusive dados empíricos – aos fenômenos políticos. A Ciência Política, nesta segunda concepção, leva a pensarmos em termos do que realmente é, e não em termos do que deveria ser – papel reservado para a filosofia política.

A Ciência Política contemporânea surgiu na metade do século XIX, representando “um momento e uma determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais” (BOBBIO, 1998, p. 164-5). A Ciência Política passa a se distanciar cada vez mais do Direito, particularmente do direito público. Esta passagem do ponto de vista institucional, baseado no Direito, para o ponto de vista comportamental, acontece quando os cientistas políticos percebem que é o comportamento do indivíduo e dos diversos grupos sociais que vai moldar a ação política dessas pessoas e desses grupos.

Com o crescente aumento na quantidade de informações disponíveis, os cientistas políticos contemporâneos procedem “com maior rigor na execução das operações e na obtenção dos resultados que são próprios da ciência empírica: classificação, formulação de generalizações e conseqüente formação de conceitos gerais, determinação de leis, pelo menos de leis estatísticas e prováveis, de leis de tendência, de regularidade ou uniformidade, elaboração (ou proposta) de teorias” (BOBBIO, 1998, p. 166).

A Ciência Política atual depara-se com a necessidade de análise de uma ampla gama de informações, além das modificações impostas por diversas variáveis que influem no resultado final da teoria. Assim, a explicação de um fato político, ou de uma teoria, é cada vez mais difícil de ser feita, bem como as previsões que podem surgir depois de determinada teoria estar formulada. Caso mudem as variáveis da teoria, tanto a sua explicação quanto a sua previsão podem mudar, levando a resultados inesperados.

A principal dificuldade da Ciência Política é que ela trabalha com fatores humanos, que podem mudar de acordo com razões emotivas ou lógicas. Assim, por exemplo, não é possível reproduzir uma revolta de camponeses em laboratório, o que dificulta bastante a análise do cientista. Além desse problema, há também a questão da avaliação do cientista, no sentido deste deixar – ou não – que seus valores pessoais influam no resultado de determinada pesquisa. O cientista político deve realizar suas pesquisas abstendo-se de realizar julgamentos de valor, mas não deve perder a objetividade de sua pesquisa. O cientista político deve basear-se no ideal de uma política como ciência, ou seja, uma política sem interferência de ideologias.

Interação entre paz e Ciência Política: o que um cientista político pode fazer pela paz?

O principal problema para aqueles que criam políticas para a manutenção da paz é a dificuldade em se criar políticas públicas que acabem com a violência estrutural sem aumentar a violência pessoal, e vice-versa. Como exemplo dessa dificuldade, um governante que resolva aumentar o orçamento destinado ao policiamento, objetivando diminuir a criminalidade por meio da aquisição de novos equipamentos e do treinamento da força policial, pode ser bem-sucedido, caso a criminalidade diminua e as pessoas se sintam mais seguras ao saírem às ruas. Mas será que esses esforços terão valido a pena, caso estes recursos tenham sido retirados do orçamento destinado à educação, por exemplo? Resolve-se o problema da violência pessoal, mas comete-se violência estrutural talvez até maior.

É aqui que entra o cientista político. Com seu conhecimento sobre o funcionamento das instituições políticas, o cientista político pode tentar resolver este tipo de problema. É claro que o cientista político não irá resolver todos os problemas de uma vez, mas com o conhecimento institucional e, principalmente, com o conhecimento comportamental que o profissional dessa área possui no que se refere às ações humanas, o cientista político pode auxiliar um governante a elaborar uma política pública onde tanto o policiamento urbano quanto a educação das crianças possa ser realizado, distribuindo o orçamento disponível em ambas as áreas de acordo com a prioridade de cada uma, ou então de acordo com a vontade da população, por exemplo.

É claro que esse seria o cenário ideal. Na prática, o que vemos são governantes que têm por objetivo a manutenção do poder, o que faz com que suas políticas sejam muito mais voltadas para combater a violência pessoal – que é muito mais visível e oferece um retorno político muito grande, quando combatida – do que voltadas para solucionar as injustiças sociais – que são muito menos visíveis aos olhos da população. Ao mesmo tempo, vemos cientistas políticos que não se importam em auxiliar governantes corruptos, desde que possam ganhar o seu dinheiro.

Obviamente, a paz não será atingida apenas se governantes e cientistas políticos fizerem seus respectivos trabalhos da maneira mais honesta possível. É necessário um esforço conjunto de toda a sociedade, de todas as pessoas e de todas as profissões para se atingir a paz. Mas o “pontapé inicial” tem de ser dado pelos governantes, não só porque são eles que detêm o poder sobre milhares de pessoas, mas também porque, muitas vezes, eles são tomados como exemplo, o que os torna ainda mais responsáveis perante o futuro da humanidade e do próprio planeta.

(Continua na próxima postagem.)

3 de novembro de 2008

A Rússia e a paz mundial (I)

INTRODUÇÃO

Na última década do século XX, o contexto geopolítico mundial passou por profundas transformações. A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas deixou de existir, fazendo com que os Estados Unidos se tornassem a única superpotência mundial.

O papel da Rússia, entretanto, que se tornou “herdeira” da União Soviética em vários aspectos, não pode ser menosprezado. Dona do segundo maior arsenal nuclear do mundo, ainda com capacidade para destruí-lo várias vezes, a Rússia passou por grandes problemas após a queda do comunismo, e muitos desses problemas influenciaram suas políticas internas de reestruturação e suas políticas externas, para adaptar-se ao novo cenário geopolítico.

Relacionando-se com tais políticas, devemos analisar a questão da paz em vista desse novo arranjo geopolítico. A Rússia conseguirá manter o equilíbrio atual entre as nações do mundo? Suas dificuldades internas poderão ser solucionadas com o menor impacto negativo possível em sua população?

Estas são perguntas para as quais este trabalho tenta trazer as respostas.

A PAZ E A CIÊNCIA POLÍTICA

Antes de entrarmos na discussão sobre os problemas de segurança no mundo e, principalmente, na Europa, nos quais a Rússia eventualmente se envolve, devido à sua localização geográfica, é necessário definirmos alguns conceitos que serão utilizados neste trabalho. Começaremos definindo o que é a paz, que é o conceito mais importante para o trabalho, e posteriormente apresentaremos o conceito de Ciência Política.

O que é paz

A palavra paz é freqüentemente utilizada pelas pessoas como uma forma de dar mais força aos argumentos utilizados pelo interlocutor, pois é difícil alguém ser contra a paz. Dessa forma, quando se pretende justificar uma ação ou uma política pública, diz-se que tais ações ou políticas públicas contribuirão à causa da paz.

Entretanto, qual é a definição correta de paz? Como uma boa política educacional colabora com a paz tanto quanto uma política de desarmamento?

O senso comum nos leva a pensar que a paz é a ausência de violência. Este princípio é verdadeiro, mas transfere o problema de se definir o que é paz. Assim, a paz é definida em função do que é violência, ou melhor, de como definimos a violência. É necessário definir o que é violência e apontar suas dimensões, para que possamos entender o que é paz.

Johan Galtung diz que “a violência está presente quando seres humanos são influenciados de tal modo que a sua realização atual, somática e mental, é inferior à sua realização potencial” (GALTUNG, 1969, p. 333). Com essa definição, rejeita-se a idéia de que a violência é apenas um dano físico causado intencionalmente por alguém.

É importante ressaltar o fato de que a violência é o que impede o indivíduo de utilizar todo o seu potencial para realizar algo. Assim, quanto maior a distância entre a realização real de uma pessoa em algum tópico e a realização potencial, ou seja, tudo o que essa pessoa poderia fazer sem nenhum impedimento, maior a violência. “Quando o potencial é mais elevado que o atual e o atual é evitável, então estamos em presença de violência” (GALTUNG, 1969, p. 334).

Este argumento nos leva a pensar em violência direta e violência indireta. Se o indivíduo, em uma guerra, for ferido ou morto, deparamo-nos com violência direta, pois sua realização atual é diretamente colocada abaixo da sua realização potencial (o indivíduo ferido irá realizar menos do que se estivesse são). Já a violência indireta ocorre quando os conhecimentos e recursos disponíveis são desviados dos esforços que podem fazer com que a realização atual aproxime-se da realização potencial. Para compreendermos melhor o conceito de violência, é importante destacarmos as dimensões que a mesma possui. Johan Galtung nos informa que a violência possui seis dimensões.

A primeira dimensão refere-se à distinção entre violência física e violência psicológica. A violência física é a mais “conhecida”, no sentido de que atua fisicamente sobre o indivíduo – ferindo-o, reduzindo sua capacidade biológica ou ainda restringindo sua liberdade de movimento. Já a violência psicológica é aquela que age “sobre o espírito. A esta última pertencem as mentiras, as lavagens ao cérebro, o doutrinamento de diversos tipos, as ameaças, etc., que servem para diminuir as potencialidades mentais” (GALTUNG, 1969, p. 337).

A segunda dimensão diferencia entre violência positiva e negativa. Este conceito é um pouco mais complicado, e pode ser explicado da seguinte forma: a sociedade atual funciona dentro de determinado padrão, com modelos a serem seguidos e objetivos a serem atingidos. Ao agir de forma a obter uma certa recompensa, baseado nestes padrões sociais, o indivíduo restringe a sua margem de ação, pois ele irá agir de acordo com padrões pré-estabelecidos, sem dar voz à sua criatividade, por exemplo. Este comportamento faz com que o indivíduo atinja os objetivos – o que é positivo –, mas isso implica em manipulação e um menor campo de ação – o que é negativo.

A terceira dimensão refere-se ao aspecto físico: existe ou não um objeto que é ferido? “Quando uma pessoa, um grupo, uma nação, exibem os meios da violência física, não se trata de violência no sentido em que alguém é atingido ou ferido, mas trata-se, porém, de ameaça de violência física e de ameaça indireta de violência mental que pode mesmo ser caracterizada como um tipo de violência psicológica, visto que ela opera uma coação sobre a ação humana” (GALTUNG, 1969, p. 339). Quando, ao invés de pessoas, são objetos que são “feridos” – ou quebrados –, também é considerado violência, posto que é uma demonstração de força como forma de intimidação.

A quarta distinção, que Galtung considera a mais importante, refere-se à seguinte questão: há ou não uma pessoa que pratica o ato violento? Se há uma pessoa que pratica a violência, esta é considerada pessoal; caso contrário, a violência é estrutural.

Por violência estrutural temos a desigual distribuição dos recursos disponíveis, com uns possuindo muito – e podendo realizar seu potencial – e outros possuindo pouco – com o atual ficando abaixo do potencial. É violência estrutural também quando o poder de decisão sobre esses recursos está mal distribuído. Como exemplo, se os homens morrem de fome quando isso é perfeitamente evitável, então é exercida violência, mesmo que não haja, nitidamente, uma relação sujeito-ação-objeto. A violência estrutural é conhecida também pela expressão injustiça social.

A quinta dimensão da violência é a distinção entre violência querida e não querida, no sentido de se determinar a culpabilidade do agente. Desta forma, a violência é considerada querida quando o agente realmente teve a intenção de prejudicar o outro, o que aumenta o grau da sua culpabilidade. Já a pessoa que causou um acidente e prejudicou outras pessoas, por exemplo, pode ter realizado uma violência não querida ou não desejada, se ficar provado que tal acidente não foi proposital.

A sexta e última dimensão da violência refere-se à violência manifesta e à violência latente. Como o próprio nome deixa claro, a violência manifesta, seja pessoal ou estrutural, é observável, enquanto que a violência latente é algo que não está ainda presente mas que pode facilmente surgir. A violência latente ocorre principalmente quando o nível de realização atual puder decrescer facilmente.

Após estas definições, é necessário fazermos alguns comentários sobre como estas dimensões se combinam. A primeira questão é que, em geral, se divide a violência entre pessoal e estrutural, e a partir daí é que são feitas as análises sobre violência. A diferença entre estas duas distinções está no fato de que “a violência pessoal manifesta-se. O objeto desta violência apercebe-se dela habitualmente e pode queixar-se, enquanto o objeto da violência estrutural pode ser levado a não se aperceber totalmente dela. (...) A violência estrutural é silenciosa, não se manifesta” (GALTUNG, 1969, p. 347).

(Continua na próxima postagem.)