(Continuação da postagem anterior.)
Para além dos eventos históricos que fizeram com que estas três regiões se destacassem como centros de poder político, econômico e cultural da Rússia de Kiev nos séculos XII e XIII, é importante destacar também a estrutura política de cada uma destas regiões e sua importância no processo de formação do estado russo. Após Kiev perder poder como principal centro político e religioso do país, vemos as três regiões anteriormente citadas se desenvolvendo simultaneamente, mas com características extremamente distintas: a região da Galícia-Volynia tem como principal ator político os boiardos -- entendidos como senhores feudais russos; a região de Novgorod desenvolve um regime político democrático, com a participação de diversos estratos sociais -- inclusive populares -- no processo de escolha do líder político; e a região de Vladimir-Suzdal desenvolve um sistema político patrimonialista, no qual o líder político se apresenta não como um representante, mas sim como dono daquele território.
Na região da Galícia-Volynia o predomínio político dos boiardos é claro. Príncipes eram escolhidos e mantidos no poder única e exclusivamente de acordo com a vontade dos donos de propriedades rurais, não havendo nenhum tipo de interferência hereditária ou "popular" nas decisões políticas. Como mostra Riasanovsky (2005, p. 84):
A mesma opinião é compartilhada por Hosking (2002, p. 61):
Já em Novgorod a situação era bastante diferente. Se na região da Galícia-Volynia os boiardos interferiam abertamente na política, ignorando totalmente as massas e colocando no poder quem quer que quisessem e fazendo com que o príncipe ficasse dependente de sua vontade, em Novgorod o poder dos príncipes também declinou, mas os boiardos não eram os únicos a deterem poder político: este estava efetivamente distribuído entre o príncipe, os boiardos e os homens livres da cidade.
Em 1136 os habitantes de Novgorod derrubaram seu príncipe e estabeleceram um sistema que requeria que os novos príncipes concordassem com limitações no exercício de seu poder. O príncipe, o arcebispo e outros oficiais que governavam a cidade e seus longínquos territórios eram todos sujeitos à eleição pela assembléia da cidade (KAISER; MARKER, 1994, p. 83).
A principal instituição política de Novgorod era chamada de veche, ou seja, uma assembléia popular que reunia os homens adultos e livres de todas as famílias e cuja função principal era tomar decisões sobre os principais assuntos da cidade -- tais como fazer guerra e paz, definir legislações de emergência, escolher o arcebispo da cidade e escolher o príncipe governante, bem como delimitar suas funções enquanto fosse o escolhido para exercer o poder. "A assembléia podia ser convocada pelo príncipe, por um oficial, pelo povo ou até mesmo por uma única pessoa, tocando o sino da assembléia" (RIASANOVSKY, 2005, p. 77). Assim, "o príncipe de Novgorod tornou-se, em essência, um oficial contratado pela cidade, com autoridade e prerrogativas estritamente delimitadas" (RIASANOVSKY, 2005, p. 74).
Por sua vez, a região de Vladimir-Suzdal teve um regime político totalmente diferente dos dois anteriores: aqui a figura política principal, dominante, era o príncipe. "Enquanto a evolução de Novgorod enfatizou o papel da veche, e a evolução da Galícia-Volynia a dos boiardos, o príncipe prevaleceu no noroeste" (RIASANOVSKY, 2005, p. 86). Após o saque de Kiev em 1169, Vladimir tornou-se a "capital" da decadente Rússia de Kiev: seus príncipes construíram cidades, fortalezas e igrejas na região, suprimiram todo tipo de oposição e, principalmente, passaram a administrar as terras como se fossem propriedade própria e não como meros administradores das áreas sob sua jurisdição, como foi o caso na Galícia-Volynia e em Novgorod. O patrimonialismo era, portanto, a principal forma de dominação política da região, juntamente com o personalismo característico de regimes fechados: "Os príncipes de Moscou [situada próxima às cidades de Vladimir e de Suzdal] viam seus principados como propriedade pessoal (...)" (KAISER; MARKER, 1994, p. 83).
(Continua na próxima postagem.)
Para além dos eventos históricos que fizeram com que estas três regiões se destacassem como centros de poder político, econômico e cultural da Rússia de Kiev nos séculos XII e XIII, é importante destacar também a estrutura política de cada uma destas regiões e sua importância no processo de formação do estado russo. Após Kiev perder poder como principal centro político e religioso do país, vemos as três regiões anteriormente citadas se desenvolvendo simultaneamente, mas com características extremamente distintas: a região da Galícia-Volynia tem como principal ator político os boiardos -- entendidos como senhores feudais russos; a região de Novgorod desenvolve um regime político democrático, com a participação de diversos estratos sociais -- inclusive populares -- no processo de escolha do líder político; e a região de Vladimir-Suzdal desenvolve um sistema político patrimonialista, no qual o líder político se apresenta não como um representante, mas sim como dono daquele território.
Na região da Galícia-Volynia o predomínio político dos boiardos é claro. Príncipes eram escolhidos e mantidos no poder única e exclusivamente de acordo com a vontade dos donos de propriedades rurais, não havendo nenhum tipo de interferência hereditária ou "popular" nas decisões políticas. Como mostra Riasanovsky (2005, p. 84):
O desenvolvimento interno da Volynia e da Galícia refletiu o crescimento e o poder excepcionais dos boiardos. Antigos e bem-estabelecidos nos solos férteis e em cidades prósperas, os proprietários rurais do sudoeste [da Rússia de Kiev] freqüentemente arrogavam para si próprios o direito de instituir e de destituir príncipes, e eles tiveram um papel central nas inúmeras lutas e intrigas políticas. (...) Em contraste com a autoridade dos boiardos, a autoridade dos príncipes na Galícia-Volynia representou um fenômeno posterior, superficial e altamente delimitado.
A mesma opinião é compartilhada por Hosking (2002, p. 61):
Os nobres poloneses-lituanos se tornaram muito poderosos não apenas porque eles eram a força dominante na economia. Eles exploraram o ainda mais rentável comércio de grãos do Báltico e pouco a pouco se apropriaram das terras e acabaram com os direitos tradicionais dos camponeses, até que estes foram reduzidos a servos obrigados a trabalhar em suas propriedades [dos nobres]. (...) [Os nobres] comandavam o exército e monopolizavam tanto a corte quanto a administração real. Apenas eles eram deputados no Sejm (Dieta) [assembléia] e em seus equivalentes provinciais.
Já em Novgorod a situação era bastante diferente. Se na região da Galícia-Volynia os boiardos interferiam abertamente na política, ignorando totalmente as massas e colocando no poder quem quer que quisessem e fazendo com que o príncipe ficasse dependente de sua vontade, em Novgorod o poder dos príncipes também declinou, mas os boiardos não eram os únicos a deterem poder político: este estava efetivamente distribuído entre o príncipe, os boiardos e os homens livres da cidade.
Em 1136 os habitantes de Novgorod derrubaram seu príncipe e estabeleceram um sistema que requeria que os novos príncipes concordassem com limitações no exercício de seu poder. O príncipe, o arcebispo e outros oficiais que governavam a cidade e seus longínquos territórios eram todos sujeitos à eleição pela assembléia da cidade (KAISER; MARKER, 1994, p. 83).
A principal instituição política de Novgorod era chamada de veche, ou seja, uma assembléia popular que reunia os homens adultos e livres de todas as famílias e cuja função principal era tomar decisões sobre os principais assuntos da cidade -- tais como fazer guerra e paz, definir legislações de emergência, escolher o arcebispo da cidade e escolher o príncipe governante, bem como delimitar suas funções enquanto fosse o escolhido para exercer o poder. "A assembléia podia ser convocada pelo príncipe, por um oficial, pelo povo ou até mesmo por uma única pessoa, tocando o sino da assembléia" (RIASANOVSKY, 2005, p. 77). Assim, "o príncipe de Novgorod tornou-se, em essência, um oficial contratado pela cidade, com autoridade e prerrogativas estritamente delimitadas" (RIASANOVSKY, 2005, p. 74).
Por sua vez, a região de Vladimir-Suzdal teve um regime político totalmente diferente dos dois anteriores: aqui a figura política principal, dominante, era o príncipe. "Enquanto a evolução de Novgorod enfatizou o papel da veche, e a evolução da Galícia-Volynia a dos boiardos, o príncipe prevaleceu no noroeste" (RIASANOVSKY, 2005, p. 86). Após o saque de Kiev em 1169, Vladimir tornou-se a "capital" da decadente Rússia de Kiev: seus príncipes construíram cidades, fortalezas e igrejas na região, suprimiram todo tipo de oposição e, principalmente, passaram a administrar as terras como se fossem propriedade própria e não como meros administradores das áreas sob sua jurisdição, como foi o caso na Galícia-Volynia e em Novgorod. O patrimonialismo era, portanto, a principal forma de dominação política da região, juntamente com o personalismo característico de regimes fechados: "Os príncipes de Moscou [situada próxima às cidades de Vladimir e de Suzdal] viam seus principados como propriedade pessoal (...)" (KAISER; MARKER, 1994, p. 83).
(Continua na próxima postagem.)
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