24 de outubro de 2007

Sobre a personificação do poder

Prezados leitores: peço desculpas pela demora em escrever neste blog. Caso não seja de conhecimento de vocês, durante o feriado de 12 de outubro viajei para Minas Gerais e, em presença da família, a última coisa em que pensei foi em assuntos acadêmicos. Após meu retorno, na semana passada, estive ocupado com correções de trabalhos e entrega de notas, o que me impediu de me dedicar a este blog. A partir de hoje, pretendo voltar com minhas postagens diárias sobre assuntos acadêmicos. Obrigado pela sua visita!

A expressão "personificação do poder" (ou personalização do poder) é uma expressão comum na área da Ciência Política. É geralmente entendida como a associação que a população faz do poder político com determinado governante. A personificação do poder, portanto, é o reconhecimento, em uma pessoa, do regime que tal pessoa administra. É um conceito freqüentemente utilizado quando se fala de regimes totalitários, como a Alemanha nazista "de Hitler" e a União Soviética "de Stalin" -- as expressões "de Hitler" e "de Stalin" representam, na frase anterior, a personificação do poder.

A vontade do chefe é a lei do partido e toda organização partidária não tem outro escopo senão o de realizá-la. O chefe é o depositário da ideologia: apenas ele pode interpretá-la ou corrigi-la. Até a polícia secreta, cujo prestígio cresceu extraordinariamente em relação ao que gozava nos velhos regimes autoritários, tem um poder real menor, pelo fato de estar inteiramente sujeita à vontade do chefe, o único a quem compete decidir quem será o próximo inimigo potencial ou "objetivo". Segundo essa interpretação, a personalização do poder é, portanto, um aspecto crucial dos regimes totalitários (BOBBIO, 1998, p. 2).

A citação acima refere-se especificamente sobre a personificação do poder em regimes totalitários. No entanto, vale destacar o fato de que tal fenômeno político-social pode ocorrer em qualquer regime político: é assim, por meio da personificação do poder, que o atual presidente Lula é visto por muitas pessoas, especialmente aquelas com baixos níveis culturais. O famoso adágio popular "rouba mas faz" é característico da personificação do poder: significa dizer que, independentemente do que tal político faz, meu voto é dele porque creio que apenas ele como pessoa, e não a instituição na qual ele está inserido, é capaz de resolver os problemas políticos que afligem a cidade, a unidade da federação ou o país.

São Bento Abade é um pequeno município que se situa no interior de Minas Gerais, ao sul. O acesso à cidade pode ser feito pela BR-381 (Rodovia Fernão Dias), próximo ao quilômetro 715 (sentido Belo Horizonte - São Paulo). O município tem 4.400 habitantes e possui área de 80 quilômetros quadrados. A renda per capita é de R$ 5.433,00 (IBGE, 2007). Boa parte desta renda vem da cafeicultura, lavoura típica não apenas da cidade mas também da região do sul de Minas Gerais.

No último dia 14 de outubro estive na cidade, e chamou-me a atenção uma placa colocada bem na entrada da cidade. Reproduzo a placa abaixo.


Como afirmado anteriormente, o conceito de personificação do poder é utilizado principalmente para falarmos de regimes totalitários, mas tal conceito pode ser utilizado em qualquer situação na qual haja uma associação explícita entre a instituição e a pessoa que está inserida na instituição.

É o que vemos na cidade de São Bento Abade. Uma cidade pequena e de difícil acesso -- há apenas uma estrada pavimentada em direção à cidade; todas as outras são estradas não pavimentadas --, mas com flagrante característica de personificação do poder, como mostrado na placa acima.

Para aqueles que viram a foto e ainda não identificaram em que parte da placa está a personificação do poder: está escrito "Administração 2001-2008". No entanto, os mandatos para prefeito são de apenas quatro anos; assim, o mandato começou em 2001 e foi até 2004; o mandato seguinte se iniciou em 2005 e vai até 2008.

Ora, se as datas estão corretas, qual o problema da placa? Ela indica que a atual prefeita, a Sra. Janete Rezende Silva (acusada de ter participado do esquema de superfaturamento das ambulâncias) foi eleita em 2000 e reeleita em 2004, com seu mandato terminando em 2008, como manda a lei.

Até aqui nenhum problema, não fosse o fato de a placa estar pintada desta forma desde janeiro de 2004. Naquele então eu também havia visitado a cidade, tendo visto a placa exatamente como ela está mostrada acima. Porém, naquela ocasião eu não estava com minha câmera fotográfica em mãos, não podendo ter tirado a foto. Apenas agora, mais de três anos e meio depois, é que pude retornar à cidade e, felizmente, estar com a câmera para poder fotografar tal placa.

Isto mostra que a prática política brasileira é baseada fortemente em pessoas, e não em instituições -- o que é ruim para o país, posto que os cidadãos passam a acreditar nas pessoas e não nas instituições. São estas últimas que deveriam efetivamente solucionar os problemas brasileiros, e não os primeiros -- caso contrário ficamos à mercê de um "salvador da pátria" que nunca virá. A placa deixa ainda patente outra prática comum na política brasileira -- a de "confundir" o público com o privado --, personalizando o poder político antes mesmo de ele ser exercido por alguém -- como foi o caso nesta cidade que, em janeiro de 2004, nove meses antes das eleições municipais, já mostrava como certa a reeleição da prefeita e sua permanência no cargo até o fim de 2008. Mais personificação do poder que esta só mesmo em regimes totalitários.

Referências bibliográficas:

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1998. Verbete “Totalitarismo”.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Site Cidades(R). Disponível em http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=316080&r=2. Acessado em 23 de outubro de 2007.


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