20 de dezembro de 2007

Formação do estado russo (IV)

(Continuação da postagem anterior.)

Concomitantemente ao fortalecimento de Moscou como centro do estado russo no século XIV (ver Anexo D), problemas de sucessão ocorreram entre os mongóis, exibindo suas fragilidades para o povo dominado. É neste contexto -- de fortalecimento de uma das partes e de demonstrações de fraqueza por parte da outra -- que chegamos à segunda metade do século XIV, quando os mongóis sofrem sua primeira derrota importante que dá início ao fim do seu domínio sobre a Rússia. Por mais de cem anos -- de 1240 até então -- os mongóis haviam dominado a Rússia sem grandes resistências por parte destes. Entretanto, em 1380, Dmitrii Donskoi, príncipe de Moscou, com o apoio ideológico da Igreja Ortodoxa, venceu os mongóis na batalha de Kulikovo, mostrando que, se os príncipes russos se unissem, seriam capazes de derrotar os invasores. Mais que isto: a vitória serviu para fazer com que "o novo vencedor d[a batalha próxima ao rio] Don surgisse de repente como o líder de todos os russos contra os odiados opressores mongóis" (RIASANOVSKY, 2005, p. 93). Ainda que dois anos depois os mongóis vingassem a derrota de Kulikovo e saqueassem completamente a cidade de Moscou (HOSKING, 2002, p. 79), o caminho estava aberto para que os russos começassem a se mobilizar contra os invasores.

A cidade de Moscou continuou aumentando gradativamente seu território e, conseqüentemente, seu peso político. Em 1408 conquistou uma série de domínios rurais e de cidades que estavam sob controle da Lituânia, no oeste; em 1452 tornou-se suserana de um canato mongol no leste. A cidade foi capaz de se defender de três ataques mongóis, em 1451, 1455 e 1461, que tentavam restabelecer o controle mongol sobre os russos.

Além das vitórias militares que favoreceram Moscou, outro fator, de ordem religiosa, também ajudou a cidade a se consolidar como centro do nascente estado russo: o fim do Império Bizantino. Com a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453, Moscou tornou-se o último bastião da Igreja Ortodoxa no mundo, o que fez com que se "(...) fortalecesse a xenofobia e a auto-importância moscovita (...)" como o único estado soberano cuja população era de ortodoxos (HOSKING, 2002, 82; RIASANOVSKY, 2005, p. 95).

Entretanto, nenhuma das conquistas acima se compara, em termos de importância histórica, à conquista de Novgorod em 1471 por Ivan III. Vale destacar o fato de que Novgorod dominava um território maior do que o de Moscou, e que seu sistema político, como já mostrado anteriormente, era bastante diferente do sistema daquela que viria a se tornar a capital do estado russo. Segundo Hosking (2002, p. 86), Novgorod era o "(...) maior prêmio [para Moscou] (...). Sua posição anômala como um gigante econômico e um anão político dependeu da sua submissão à Horda de Ouro, cujo declínio relativo durante o século XIV e no início do século XV precipitou um declínio concomitante no status de Novgorod" (grifos no original). Novgorod se enfraqueceu porque sua população não sabia a quem se submeter: se à Lituânia que, apesar de ser católica, era política e economicamente mais próxima de Novgorod -- com sistema político mais participativo e ênfase econômica no comércio -- ou a Moscou que, se por um lado era ortodoxa, assim como Novgorod, por outro tinha um sistema político personalista-patrimonialista e cuja ênfase econômica estava na agricultura.

Novgorod decidiu se submeter à Lituânia. Em 1471, Ivan III enviou um exército à cidade e a conquistou. Tentando tratar os cidadãos da cidade conquistada com cautela, devido à sua estrutura política e econômica especial, Ivan III permitiu que a auto-gestão da cidade permanecesse, pelo menos de maneira formal. Entretanto, com evidências de que os cidadãos pretendiam se rebelar contra Moscou com o apoio da Lituânia, em 1478 Ivan III lançou outro ataque à cidade, conquistando-a totalmente e impondo sua visão política, não dando nenhum tipo de possibilidade a Novgorod que não fosse se submeter e seguir o padrão político moscovita. O símbolo desta conquista foi a remoção do "sino da veche", ou seja, do sino da assembléia popular que era utilizado para convocar seus cidadãos para a tomada de decisões políticas (HOSKING, 2002, p. 86).

[Ivan III] declarou, como citado em uma crônica: "O sino da veche em meu patrimônio, em Novgorod, não existirá, um príncipe eleito não haverá, e eu governarei todo o estado." A veche, os cargos de príncipe e de chefes militares, e em verdade todo o sistema [político] de Novgorod foram também abolidos (...). Deportações em massa [de boiardos] aconteceram em 1489, e Novgorod se tornou uma parte integral do estado moscovita (RIASANOVSKY, 2005, p. 97).

Finalmente, em 1480 "(...) Ivan III renunciou à sua, e à dos russos, fidelidade ao khan, e os mongóis falharam em desafiar seriamente sua ação" (RIASANOVSKY, 2005, p. 67). A partir de então, a Rússia se viu livre do domínio mongol, dando origem a um novo período da história russa chamado na bibliografia especializada de "Rússia Moscovita" ou "Moscóvia". "Ainda que os tártaros [mongóis] continuassem sendo uma séria ameaça por outros três séculos, sempre capazes de realizar incursões para obter escravos [russos] e, às vezes, acabar com cidades inteiras, nunca mais eles ameaçaram a soberania do estado russo" (HOSKING, 2002, p. 88).

Tão importante quanto as conquistas militares foi a nova mentalidade surgida no período. Ivan III se considerava como o legítimo herdeiro de todas as terras que antes compunham a Rússia de Kiev. Objetivando reforçar seu poderio, a partir de 1493 Ivan III passou a se auto-intitular "Senhor de toda a Rússia": seu objetivo era mostrar especialmente à Lituânia -- que, à época, ocupava boa parte do território que anteriormente compunha o Principado de Kiev, na área que hoje corresponde ao oeste e centro da Ucrânia e da Bielo-Rússia -- que cabia a Moscou, e não à Lituânia, administrar tal território. Ivan III foi o primeiro dos governantes russos a utilizar a palavra czar para indicar seu poder e seu domínio sobre as terras russas (RIASANOVSKY, 2005, p. 97-99).

Anexo D -- As conquintas de Ivan IV, "Ivan, o Terrível"


(Continua na próxima postagem.)


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