5 de dezembro de 2007

Sobre o fascismo (VII)

(Continuação da postagem anterior.)

V. Problemas abertos. A variedade de interpretações elaboradas com o correr dos anos sugere uma idéia do Fascismo como fenômeno de muitas faces, de que cada uma delas capta apenas um aspecto parcial e de que jamais se consegue construir o todo. Esta imagem parece dar razão aos que pensam que se deve abandonar o caminho já demasiado trilhado da busca de modelos explicativos de caráter geral e defender a reconstrução histórica dos diversos Fascismos, entretanto considerada pretensiosa e sem valor, já que prescinde de toda a tentativa de formular um juízo global sobre a natureza e função dos regimes fascistas.

Não é este o lugar apropriado para afrontar os problemas de método que uma escolha deste tipo suscita. Nem tampouco para assentar se a reconstrução histórica, privada de hipóteses interpretativas e guiada pelo único critério de "deixar falar os fatos", é possível e até mesmo desejável. Na realidade, na origem da rejeição de modelos interpretativos sólidos, como a que se faz com base num apelo aos fatos, está quase sempre a opção, explícita ou não, a favor de um modelo diferente, a cuja luz se hão de selecionar e interpretar os fatos.

Ora, a dificuldade em resolver alguns pontos fundamentais para a compreensão dos regimes fascistas deriva, em parte, da diversidade dos modelos de referência, mas também da confusão dos níveis de análise e da insuficiência de empenho numa estratégia de pesquisa que tenda a traduzir as hipóteses genéricas em interrogações suscetíveis de verificação empírica.

Um exame das diversas interpretações e da sua evolução no tempo permite, no entanto, descobrir uma série de temas em torno dos quais se têm ido encurtando as distâncias, quer em conseqiiência da acumulação de dados históricos sobre os sistemas investigados, quer por uma maior disponibilidade dos estudiosos de diversas tendências de proceder à verificação dos próprios resultados em confronto com os resultados alheios.

Verificou-se particularmente uma notável convergência na análise tanto das condições da aparição dos regimes fascistas, como da forma político-institucional sob a qual se manifestou a sua dominação. Isso levou a um uso mais crítico do termo, cujo âmbito de aplicação se tem ido restringindo cada vez mais aos casos italiano e alemão.

Em vez disso, se mantêm assaz distantes as apreciações sobre a natureza e função dos regimes fascistas. Um dos discriminadores fundamentais continua sendo a relação entre capitalismo e Fascismo. É um problema ainda não resolvido se o Fascismo representou um tipo particular de solução para as crises de transformação do sistema capitalista ao longo de uma linha de identidade estrutural ou o início de um processo de modificação das estruturas do capitalismo tendente a criar um ordenamento econômico e social diverso tanto do capitalismo quanto do socialismo. A solução deste problema tornou-se ainda mais difícil pelo fato de que a duração relativamente breve dos regimes fascistas e a sua queda em virtude dos acontecimentos bélicos só permite falar de linhas ou tendências.

A questão gira em torno da relação entre política e economia e do maior ou menor grau de autonomia alcançado pelos estados fascistas em face das forças economicamente dominantes, em especial do grande capital industrial e financeiro. Existem a tal respeito duas correntes principais de pesquisa que se movem em direções divergentes: a primeira propensa a demonstrar a convergência de interesses entre o Fascismo e o grande capital, para confirmar a tese de uma continuidade estrutural entre capitalismo e Fascismo, segundo a qual a autonomia relativa do poder político se explica dentro de uma coincidência substancial de objetivos e fins com o poder econômico; o segundo, ao contrário, tendente a apresentar tal convergência como resultado de situações contingentes, nunca capazes de contestar a divergência fundamental entre a ideologia e a prática dos movimentos e regimes fascistas e as condições de sobrevivência do sistema capitalista. Sob este aspecto, as pesquisas efetuadas por ambas as vertentes não parecem haver modificado os termos do problema no que respeita ao debate suscitado no início da década de 40, até mesmo no seio do marxismo, entre os defensores, como Hilferding, de uma incompatibilidade essencial entre a lógica dos sistemas totalitários e a lógica do capitalismo, e aqueles que, como Franz Neumann, pensavam ser a forma totalitária a mais adequada em relação aos objetivos imperialistas do capitalismo monopólico. Foi-se, portanto, delineando a necessidade de passar de um tipo de argumentação intencionalmente conduzida em termos de objetivos a outra fundada na análise concreta das mudanças ocorridas nas estruturas das sociedades fascistas, como resultado das estratégias umas vezes convergentes, outras vezes conflitantes, das múltiplas forças em ação.

Deste trabalho de aprofundamento realizado em vários sentidos surgirá uma imagem dos sistemas fascistas bem mais complexa e contraditória do que parecia no passado. Esta complexidade, este caráter contraditório parecem ligados ao fato de que eles constituem um exemplo de solução para os conflitos nascidos na sociedade industrial, baseado na utilização de técnicas políticas profundamente inovadoras, cujas implicações não foram ainda totalmente esclarecidas.


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