16 de junho de 2008

Diferenças conceituais (I)

COMUNISMO

I. As origens do ideal comunista: Platão e o comunismo evangélico. Costuma-se fazer remontar a Platão a primeira formulação orgânica de um ideal político comunista. Na República, de fato, na qual traça o modelo da cidade ideal, ele prevê a supressão da propriedade privada, a fim de que desapareça qualquer conflito entre o interesse privado e o Estado, e a supressão da família, a fim de que os afetos não diminuam a devoção para o bem público. O acasalamento dos sexos deve ser temporário e os filhos devem ficar desconhecidos aos pais: o Estado proverá a sua educação e criação.

Lembre-se, porém, que Platão, ao traçar esse modelo, não se refere à totalidade do povo, mas somente às classes superiores ou aos dirigentes do Estado: os guerreiros e os guardiães. Para as classes inferiores, em vez disso, ou seja, para aqueles que são destinados à agricultura, aos serviços manuais e ao comércio, ele prevê a organização econômica e familiar tradicional. Como frisa Gomperz, na República, a emancipação dessas classes não se questiona; a elas não somente incumbe a obrigação de fornecer às classes superiores os meios de subsistência, mas são colocadas perante estas últimas numa relação de rigorosa dependência.

É no âmbito da civilização cristã que florescem os primeiros ideais comunistas, dirigidos não a cada grupo ou a cada classe da população, mas a todos os homens. Nos Evangelhos não faltam passagens nas quais a riqueza é considerada má em si (Mateus, VI, 19-21) e os pobres são proclamados os únicos que poderão entrar no reino de Deus (Lucas, VI, 20); analogamente, em Marcos (X, 21,25) afirma-se que é preciso despojar-se de tudo aquilo que se possui e dá-lo aos pobres, porque "é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus".

É verdade que, na formulação paulina, esses motivos de crítica social próprios do cristianismo primitivo são notavelmente alternados e temperados: "cada um fique na condição que o senhor lhe fixou" -- lê-se na I Coríntios, VII, 20-24 -- e o escravo não tente mudar o próprio estado, porque "perante o Messias todo escravo é um liberto e todo homem livre é um escravo"; e em Efésios, VI, 5-8, proclama-se: "Escravos, obedecei a vossos patrões com devoção e temor e servi-os com cuidado, como se se tratasse do próprio Senhor e não de homens". Apesar dessas colocações, o ideal de vida em comum, vivida na pobreza e na caridade, e do conseqüente desapego dos bens terrenos, operará potentemente no cristianismo dos primeiros séculos, encontrando concreta manifestação nas ordens monásticas e em formulações doutrinais do tipo daquela de Santo Ambrósio: "a natureza colocou tudo em comum para uso de todos; ela criou o direito comum; a usurpação criou o direito privado". Ideais e posições que, com o mundanizar-se da Igreja e com o seu progressivo identificar-se com as instituições sociais e políticas dominantes, são assumidos pela espiritualidade popular e pelos movimentos heréticos: assim, os Cátaros (séculos XII-XIII) exaltam a pobreza e a castidade, proclamam a necessidade de pôr tudo em comum e de viver do próprio trabalho; do mesmo modo os Valdenses repudiam a propriedade privada, etc. Também na pregação de Joaquim de Fiore (século XII) e na sua profecia de um iminente advento do reino do Espírito Santo, estão presentes ideais de pobreza e de castidade, de fraternidade e de comunhão universais, sem mais lutas para o meu e o teu. Influências fiorianas atuaram sobre os franciscanos intransigentes, que proclamavam a proibição de possuir, e sobre o movimento comunista de frei Dolcino (1304-1307).

Mas a conexão entre espiritualidade cristã e reivindicações sociais em perspectiva comunista não percorre somente toda a Idade Média, mas chega até a época moderna: basta pensar no papel desempenhado pelos anabatistas na guerra dos camponeses (1524-1525) e na pregação de Thomas Münzer para um retorno à comunhão e à igualdade do cristianismo das origens.

II. Utopias comunistas da idade moderna: More e Campanella. Não é por acaso que as primeiras grandes utopias comunistas, formuladas por eminentes pensadores, apareçam nos séculos XVI e XVII, isto é, numa época que assiste à progressiva decadência dos modos de produção e de vida pré-burgueses e ao afirmar-se das classes burguesas. E também não é por acaso que a primeira grande utopia dos tempos modernos -- que deu nome a todas as sucessivas -- seja obra de um inglês, Thomas More (1478-1535). Na Inglaterra, de fato, já no século XV, verifica-se uma profunda transformação econômico-social: inteiras comunidades rurais são expulsas dos campos que cultivavam há tempo imemorável, transformados em pastagens para as ovelhas, a fim de fornecer lã para as manufaturas têxteis. Parte desses camponeses expulsos dos campos entram a trabalhar como assalariados, em condições terríveis nas novas manufaturas; parte constitui bandos de vagabundos famintos, entregues à rapina e às pilhagens: uma gravíssima calamidade social que as autoridades sociais enfrentam com energia e dureza inflexível.

É nesse quadro que tem de ser analisada a Utopia (1516) de More, a qual contém essa clara afirmação: "Parece-me que em todo lugar em que vigora a propriedade privada, onde o dinheiro é a medida de todas as coisas, seja bem difícil que se consiga concretizar um regime político baseado na justiça e na prosperidade"... De fato, na ilha da Utopia, a propriedade privada e o dinheiro são abolidos e todos os bens imóveis (terras, matérias-primas, oficinas, etc.) pertencem ao Estado. Os cidadãos são igualmente laboriosos e felizes: cada um deles não trabalha mais do que seis horas por dia e isso é suficiente para satisfazer as necessidades de todos, porque na Utopia não há ociosos que devem ser sustentados pelos outros. Cada família é livre de retirar do fundo comum os bens necessários; isso não aumentará o consumo, porque na Utopia não existem gêneros de luxo e ninguém tem interesse em acumular bens em excedência, porque todos sabem que o necessário não vai faltar nunca.

Além disso, More prevê para a Utopia uma organização política e administrativa de tipo abertamente democrático, em que todas as magistraturas responsáveis de superintender a aplicação das leis são eletivas, enquanto os negócios econômicos e sociais (duração do trabalho e sua distribuição, quantidade e qualidade de produção, etc.) são geridos por uma assembléia eleita por todos os utopistas. Na Utopia, porém, não é abolida a escravidão: aos escravos -- constituídos por cidadãos responsáveis por algum crime punido com um período de escravidão, por prisioneiros de guerra, etc. -- são destinados os trabalhos mais humildes e repugnantes.

A convicção de que se regula racionalmente o trabalho e se produz não para o lucro e o enriquecimento dos indivíduos mas, imediatamente, para as necessidades da comunidade, essa terá bens em abundância, volta a estar presente também na obra do monge Tommaso Campanella (1568-1639). Na Cidade do Sol (publicada postumamente em 1643), o autor descreve uma ilha organizada em forma comunista, onde não existem ociosos, tanto que quatro horas de trabalho por habitante são mais do que suficientes para as exigências da comunidade, e onde a produção e a distribuição dos bens são administrados pelas autoridades estatais. Além disso, Campanella prevê a abolição da família, porque ele acha que somente assim é possível abolir também a propriedade privada. Analogamente ao que acontece na República de Platão, os acasalamentos entre os sexos são planificados pelas autoridades estatais, que cuidarão também da educação das crianças. O chefe do Estado é eleito pelo sufrágio universal e ele, em seguida, nomeia os próprios colaboradores ou ministros.

(Continua na próxima postagem.)

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