20 de junho de 2008

Diferenças conceituais (V)

(Continuação da postagem anterior.)

SOCIALISMO

I. SIGNIFICADO DO TERMO; SOCIALISMO E COMUNISMO. Em geral, o Socialismo tem sido historicamente definido como programa político das classes trabalhadoras que se foram formando durante a Revolução Industrial. A base comum das múltiplas variantes do Socialismo pode ser identificada na transformação substancial do ordenamento jurídico e econômico fundado na propriedade privada dos meios de produção e troca, numa organização social na qual: a) o direito de propriedade seja fortemente limitado; b) os principais recursos econômicos estejam sob o controle das classes trabalhadoras; c) a sua gestão tenha por objetivo promover a igualdade social (e não somente jurídica ou política), por meio da intervenção dos poderes públicos. O termo e o conceito de Socialismo andam unidos, desde a origem, com os de Comunismo (v.), numa relação mutável que ilustraremos sinteticamente.

Embora tenham sido usadas às vezes para designar, por exemplo, o contratualismo por escritores italianos do século XVIII e do início do XIX (F. Facchinei, A. Buonafede, G. Giuliani), as palavras "socialismo" e "socialista" adquiriram seu sentido moderno nos programas de cooperação entre os operários e nos de gestão comum dos meios de produção propugnados pelos owenianos na segunda metade da década de 1820-1830, sendo, em seguida, largamente empregados nesse sentido na década seguinte, na Inglaterra e na França: o órgão oweniano "The New Moral World" admitia a expressão organ of socialism em fim de 1836; em 1841, R. Owen escrevia o opúsculo O que é o Socialismo?, e o sansimoniano P. Leroux contrapunha o Socialismo ao individualismo no artigo sobre o individualismo e o Socialismo, publicado em 1833, na Revue Enciclopédique; nos mesmos anos, "Socialismo" era usada pelos fourieristas como sinônimo de "escola societária". Em 1835, o estudioso francês L. Reybaud publicava na Revue des Deux Mondes uma série de artigos, reunidos depois sob o título Estudos sobre rei armadores ou socialistas modernos (Paris, 1842-1843), e o alemão L. von Stein publicava em 1842, em Leipzig, Socialismo e comunismo na França de hoje, uma obra que, embora crítica em relação às doutrinas socialistas, contribuía notavelmente para a sua difusão na Alemanha. No fim da década de 1830 começava a ser usado na França, por E. Cabet e outros, o termo "comunismo" como equivalente a "Socialismo" ou a "comunitarismo". Mas, na década de 1840, as palavras "comunismo" e "Socialismo" acabaram, pelo menos em parte, por indicar variações diversas do movimento que denunciava as condições dos operários no desenvolvimento da sociedade industrial, se opunha ao liberalismo político e econômico e ao individualismo, apresentava um projeto de uma reconstrução da sociedade em bases comunitárias e promovia formas associativas de vários gêneros (sindicais, políticas, experiências cooperativistas e comunitárias) para realizar as novas idéias. Prova dessa divergência de significados é a declaração de F. Engels no prefácio ao Manifesto do partido comunista, escrita para a edição inglesa de 1888 (e repetida com palavras quase idênticas na edição alemã de 1890): "Em 1847, apontavam-se como socialistas, de um lado, os seguidores de diversos sistemas utópicos: discípulos de Owen na Inglaterra, de Fourier na França, uns e outros já reduzidos ao estado de simples seitas em via de gradual extinção; de outro lado, os charlatanismos sociais mais diversos... em ambos os casos, tratava-se de homens alheios ao movimento operário que procuravam mais que tudo o apoio das classes 'instruídas'. Toda a fração da classe operária que se tinha convencido da insuficiência das revoluções unicamente políticas e proclamara a necessidade de uma transformação geral da sociedade se dizia comunista. Era um tipo de comunismo grosseiro, apenas esboçado, puramente instintivo; visava, todavia, ao essencial e teve força suficiente entre a classe operária para dar origem ao comunismo utópico, ao de Cabet na França e ao de Weitling na Alemanha. Portanto, em 1847, o Socialismo era um movimento burguês, o comunismo um movimento da classe operária".

Afastada, com o fracasso da revolução de 1848, a possibilidade de pôr em prática os programas socialistas, na segunda metade do século XIX, a contraposição de significados entre "Socialismo" e "comunismo" perdeu importância: o problema principal era o de constituir organizações operárias autônomas e de obter para elas o reconhecimento dos direitos elementares de associação e de imprensa, a ampliação do direito de voto para além dos limites consistórios dos ordenamentos liberais, o direito à greve e à contratação sindical. "Associação Internacional dos Trabalhadores" chamou-se a Primeira Internacional, fundada em 1864, e partidos "operários", "socialistas", "social-democráticos", "laboristas", as organizações políticas dos trabalhadores que surgiram, em bases nacionais, a partir dos anos de 1870 e se coligaram por meio da Segunda Internacional, nascida em 1889.

Com a desintegração da frente socialista na Primeira Guerra Mundial e a revolução de 1917 na Rússia, o contraste entre "Socialismo" e "comunismo" foi reatualizado pelo leninismo: o partido bolchevique assumiu a denominação de Partido Comunista (bolchevique) em 1918, invocando polemicamente o conteúdo revolucionário original do Manifesto e o rompimento com as posições reformistas majoritárias nos partidos socialistas europeus.

(Continua na próxima postagem.)

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