9 de julho de 2008

Regime Político (I)

Regime Político

I. DEFINIÇÃO. Por Regime político se entende o conjunto das instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício, bem como a prática dos valores que animam tais instituições.

As instituições constituem, por um lado, a estrutura orgânica do poder político, que escolhe a classe dirigente e atribui a cada um dos indivíduos empenhados na luta política um papel peculiar. Por outro, são normas e procedimentos que garantem a repetição constante de determinados comportamentos e tornam assim possível o desenvolvimento regular e ordenado da luta pelo poder, do exercício desse e das atividades sociais a ele vinculadas.

Naturalmente, a estrutura do regime, ou seja, o modo de organização e seleção da classe dirigente, condiciona o modo de formação da vontade política. Por conseguinte, o uso de certas instituições, isto é, o uso de determinados meios para a formação das decisões políticas, condiciona os fins possivelmente buscados: a escolha de um regime implica, em termos gerais, a escolha de determinados valores. O nexo entre estrutura do regime e valores há de se entender, porém, no sentido de que a escolha de um regime implica de per si limitação da liberdade de ação do Governo e, conseqüentemente, escolha de uma política fundamental, cujas manifestações históricas podem ser, e são de fato, sensivelmente diferentes umas das outras, se bem que orientadas pelos mesmos princípios gerais. Como demonstra o exemplo da Grã-Bretanha, a esquerda e a direita, alternando-se regularmente no poder, imprimem de quando em quando ao Governo uma diversa orientação política, compatível, no entanto, com a permanência do regime.

II. TIPOLOGIA DOS REGIMES POLÍTICOS. Até uma época relativamente recente, era normal o uso de uma tipologia dos Regimes políticos que havia sido herdada de Aristóteles: distinguia a monarquia, ou Governo de um só, a aristocracia, ou Governo de poucos, e a democracia, ou Governo de todos. A cada uma dessas formas puras correspondia, segundo Aristóteles, uma forma viciada: a tirania, a oligarquia e a demagogia. Nas formas puras, o Governo é administrado em benefício geral, nas viciadas, em benefício de quem detém o poder. O critério em que se funda esta classificação, número dos governantes, é totalmente inadequado para entender em sua essência a diversidade dos regimes políticos. Mesmo que a análise de Aristóteles tenda constantemente a identificar as condições reais de que dependem as diferenças existentes entre os vários regimes, e os resultados do seu estudo encerrem amiúde intuições de caráter fundamentalmente sociológico, o critério sobre o qual se baseia a sua classificação das formas de Governo não leva em conta o fato, demonstrado pela teoria da classe política, de que o Governo está sempre nas mãos de poucos. Com efeito, no regime monárquico e no regime tirânico, não é nunca só uma pessoa quem detém o poder, mas um grupo. Nos regimes democráticos também não é o povo quem governa, mas os seus representantes.

Montesquieu afasta-se da classificação tradicional, porque apóia a distinção entre república, monarquia e despotismo, não apenas num critério numérico, mas também na combinação de dois critérios que ele define como "natureza" e "princípio" do Governo. A natureza do Governo depende do número dos detentores do poder (na república, é todo o povo ou parte dele quem o detém, na monarquia e no despotismo o poder está nas mãos de um só) e do modo de o exercer (na monarquia o soberano governa baseado em leis fixas e estáveis; no despotismo governa sem leis e sem regras). O princípio do Governo é o propósito que anima o povo em sua existência concreta. A república fundamenta-se na virtude, a monarquia na honra, o despotismo no medo. É assim que Montesquieu procura caracterizar o nexo existente entre os diversos Regimes políticos e sua base social. Por este processo, isto é, pelo estudo das condições em que se desenvolve a vida política, é possível elaborar uma tipologia dos Regimes políticos assente em fatores que influem decisivamente em sua estrutura e funcionamento.

A abordagem sociológica contribuiu, com efeito, para que se fundamentasse em bases científicas mais sólidas a classificação dos Regimes políticos, por muito tempo ligada a critérios extraídos de preferência dos aspectos formais das instituições políticas. A limitação fundamental da classificação aristotélica e das suas variações ainda hoje difusas é a de basear a distinção entre as várias formas que assume a luta pelo poder, na estrutura do regime, e não vice-versa. Na realidade, a estrutura do regime não constitui um dado último que torne possível explicar o processo político. O critério adequado que permite distinguir as características essenciais dos Regimes políticos, e apontar os seus tipos fundamentais, está na forma da luta política. As diferenças entre os vários tipos de regimes hão de, pois, ser imputadas aos diversos modos de conquista e manutenção do poder, que dependem das condições sociais e políticas da luta por esse poder. As mudanças nas formas de regime derivam, portanto, das transformações ocorridas nas condições internas e internacionais da luta política.

III. O CRITÉRIO DO MATERIALISMO HISTÓRICO. Ao explicar o nexo condicionador que liga a superestrutura política à estrutura social, o materialismo histórico apresenta o critério mais genérico de classificação dos Regimes políticos, cujos tipos fundamentais correspondem às diversas fases da evolução dos modos de produção. Se examinarmos as relações que existem entre sociedade civil e Estado, ou, mais particularmente, entre um regime e a sua base social, parece que não se poderá duvidar de que existe entre ambos os fatores uma relação de condicionamento recíproco. Contudo, baseando-nos no materialismo histórico, parece que podemos afirmar que o dado social expresso na evolução do modo de produção constitui a variável independente, mesmo que, como veremos a seguir, o dado político representado pelo Estado seja de uma relativa autonomia.

Examinemos agora os principais tipos de regime político que é possível identificar, tendo por base esse critério de análise. Enquanto, na comunidade primitiva, onde o indivíduo ainda não se constituíra em entidade autônoma, era ela que se apresentava como primeira força produtiva, partindo daí, o modo de produção antigo transformou os escravos em meios de produção e fez da relação senhor-escravo a relação social dominante. Nessa fase de desenvolvimento do modo de produção, consolidaram-se as desigualdades sociais e se criaram contradições tão profundas no seio da sociedade que esta, para se manter, teve de instituir uma organização dotada de relativa autonomia, com a função específica de moderar os conflitos sociais. Nasceu assim a primeira forma embrionária de Estado. As relações entre os homens acumulavam-se dentro dos estreitos limites do processo da reprodução da vida, isto é, da cidade-Estado. Mesmo onde se atingiram elevadas formas de convivência política, como em Atenas, a democracia continuou limitada ao fino estrato dos homens livres, que, graças ao trabalho dos escravos, podiam ocupar-se direta e assiduamente da coisa pública.

Para explicar a particularidade do desenvolvimento histórico das instituições da China, da Índia e do Egito em cotejo com o do Ocidente, Marx introduziu a categoria do modo de produção asiático, cujas células de base eram comunidades aldeãs auto-suficientes, alicerçadas numa estrutura produtiva mista, de caráter agrícola e artesanal. A propriedade privada do solo não conseguiu impor-se. O Governo central se apropriava de grande parte do produto excedente e, em contrapartida, provia à defesa das comunidades e à realização de grandes obras públicas (vias de comunicação e, principalmente, sistemas de irrigação, indispensáveis ao cultivo da terra), tarefas que só um forte aparelho burocrático estatal poderia levar a termo. São estas as características que explicariam a tradicional imobilidade das sociedades orientais, cujo aspecto essencial era a subordinação da massa dos súditos ao poder central. Daí o nome de despotismo oriental com que é definido o Regime político correspondente ao modo de produção asiático.

(Continua na próxima postagem.)

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