7 de julho de 2008

Representação Política (I)

Representação Política

I. SIGNIFICADOS DO CONCEITO. O conceito de Representação política, tanto em suas implicações teóricas como em suas traduções práticas é, sem dúvida, um dos elementos-chaves da história política moderna. Todavia se -- ao menos nas democracias ocidentais -- a opinião corrente é geralmente concorde em identificar nas assembléias parlamentares periodicamente eleitas a expressão concreta da Representação política, o conteúdo exato desse conceito permanece bastante mais controverso. Deste fato se pode dar uma dupla explicação. Antes de tudo, convém ter presente o fato histórico da representação. Frente às significativas mudanças ocorridas por toda a parte nas outras instituições políticas, particularmente nas executivas e em todo o sistema político, ela apresenta, por seu lado, juntamente com inovações relevantes (o fim da representação por camadas sociais, o sufrágio universal, a presença dos partidos de massa), importantes elementos de continuidade que, em casos como o inglês, remontam à Idade Média. Isso comporta, necessariamente, uma mutação no tempo da "posição relativa" da representação. Portanto, se nos fixarmos em tais funções e no aspecto exterior, os representantes de hoje recordam muito os de ontem e de anteontem. Se porém aprofundarmos o papel que eles têm no sistema político, emergem profundas mudanças.

A segunda explicação é de ordem semântica. Em todas as línguas européias, o verbo "representar" e o substantivo "representação" se aplicam a um universo muito vasto e variado de experiências empíricas. É compreensível, portanto, dada a polivalência da palavra, que, tratando-se daquela representação específica que é a Representação política, se evoque automaticamente uma multiplicidade de significados. É portanto oportuno examinar sucintamente quais são as indicações de significado que podem deduzir-se das várias acepções da palavra que se encontram tanto na esfera do direito como na da política (os diplomatas são "representantes", o chefe de Estado "representa" a unidade nacional, etc.), e também em experiências bem mais distantes, como a experiência artística figurativa ou a dramática. Substituir, agir no lugar de ou em nome de alguém ou de alguma coisa; evocar simbolicamente alguém ou alguma coisa; personificar: esses são os principais significados. Na prática, podem dividir-se em: a) significados que se referem a uma dimensão da ação -- o representar é uma ação segundo determinados cânones de comportamento; b) significados que levam a uma dimensão de reprodução de prioridades ou peculiaridades existenciais; representar é possuir certas características que espelham ou evocam as dos sujeitos ou objetos representados. Essa distinção é importante enquanto põe à luz as duas polaridades entre as quais se pode mover a própria Representação política segundo as situações e sua colocação no sistema político.

Essas indicações contudo não são de grande utilidade se antes não se individuar o que diferencia a Representação política das outras experiências, isto é, se não se identificar o que ela tem de proprium. O significado desse fenômeno se manifesta melhor se observarmos como o regime político representativo se coloca em oposição, por um lado, com os regimes absolutistas e autocráticos, desvinculados do controle político dos súditos e, por outro, com a democracia direta, ou seja, com o regime no qual, em teoria, deveria desaparecer a distinção entre governantes e governados. O sentido da Representação política está, portanto, na possibilidade de controlar o poder político, atribuída a quem não pode exercer pessoalmente o poder. Assim, pode ser satisfeita a exigência fundamental que desde as primeiras e incertas origens fez surgir a instituição da representação, exigência expressa na Idade Média no axioma quod omnes tangit ab omnibus probari debet. Com base em suas finalidades, poderíamos portanto definir a representação com um "mecanismo político particular para a realização de uma relação de controle (regular) entre governados e governantes. Devemos partir deste núcleo para esclarecer os vários aspectos do fenômeno. Em que relação estão as seguintes expressões: representação, regime representativo? E 'quando é que a 'estas expressões correspondem não apenas inconsistentes aparências mas fenômenos reais da vida política?".

II. TRÊS MODELOS DA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA. No que tange ao conteúdo da função representativa e ao papel dos representantes na bibliografia política foram longamente discutidos três modelos interpretativos alternativos. Vejamo-los: 1) a representação como relação de delegação; 2) a representação como relação de confiança; 3) a representação como "espelho" ou representatividade sociológica.

No primeiro modelo, o representante é concebido como um executor privado de iniciativa e de autonomia, das instituições que os representandos lhe distribuem; seu papel aproxima-se muito ao de um embaixador. Este modelo é de origem medieval e as modernas constituições estatais rejeitam-no fazendo proibição explícita do "mandato imperativo". Encontramo-lo comumente, entretanto, nas organizações e comunidades internacionais ou em entidades políticas pouco integradas.

O segundo modelo atribui ao representante uma posição de autonomia e supõe que a única orientação para sua ação seja o interesse dos representados como foi por ele percebido. A essa concepção de representação se referia Edmund Burke quando em sua obra, Speech to the electors of Bristol, descrevia o papel do representante como um "trabalho de razão e de juízo" a serviço do "bem comum" e não do simples "querer" e dos "preconceitos locais".

O terceiro modelo -- o da representação como espelho -- diferentemente dos dois primeiros é centrado mais sobre o efeito de conjunto do que sobre o papel de cada representante. Ele concebe o organismo representativo como um microcosmos que fielmente reproduz as características do corpo político. Segundo uma outra imagem corrente poderia ser comparado a uma carta geográfica.

Esses modelos, todavia, considerados em sua forma pura, levantam alguns graves problemas. Podemos começar pelo terceiro que apresenta uma problemática toda particular. Quais as características do corpo social, que merecem ser espelhadas no organismo representativo, é naturalmente o primeiro quesito que se coloca. Além das que são estritamente políticas e ideológicas, podemos indicar as características sócio-econômicas, profissionais, religiosas, culturais, étnicas e raciais, e até as diferenças de sexo e o elenco poderia continuar. Os sistemas eleitorais proporcionais foram um eficaz instrumento institucional para realizar uma reprodução bastante fiel das primeiras características. Quanto às outras, o grau de representatividade que podemos encontrar nas instituições representativas é, de uma maneira geral, bastante baixo. Os representantes tendem a ser diversos dos representados em relação a essas outras características, salvo quando uma delas se torna ponto fulcral de conflito político e é tomada como bandeira por uma organização partidária. Nesse caso, portanto, nascem os partidos operários, agrários, confessionais, étnicos, feministas; mas estas caracterizações bem marcadas no início, geralmente com o tempo, sofrem forte desbotamento. O fato é que a representatividade sociológica relativamente a certos perfis não políticos vai de encontro ao processo de profissionalização da vida política, que, naturalmente, toca os próprios representantes, limitando fortemente as características que eles podem assumir. Esta concepção da representação peca, além disso, pela estaticidade. Concentrando-se toda sobre a questão da fidelidade da "reprodução", descuida cuidar do problema dinâmico a capacidade do órgão representativo em operar aquela síntese dos problemas particulares e das diversas tendências presentes no corpo político que é pressuposto da sua capacidade de governar. Parece, portanto, mais adaptada a um regime político no qual a representação não ocupa uma posição de centralidade e sim uma função mais secundária de legitimação e de correção do poder.

Os outros dois modelos, do representante como delegado ou como fiduciário, não são senão as faces opostas da mesma medalha. O primeiro se pode, porém, ligar em parte, com o modelo da representação como espelho; responde na verdade a uma lógica análoga de minimização da distinção representantes-representados, mas levada para um plano diverso, para o da ação substitutiva de comportamentos, de preferência ao da reprodução imitativa de características existenciais. Este modelo está ligado a um regime de limitada e irregular participação dos representantes no processo de decisões, de tal maneira que uma sua aplicação literal se choca, nas condições políticas atuais, contra obstáculos quase insuperáveis. Em primeiro lugar, os representantes, sendo também atores das decisões políticas, têm necessidade de uma margem de manobra incompatível com a rigidez de um sistema de instruções vinculantes. Além disso, a atenção dos representados, no que diz respeito à massa dos negócios públicos, é geralmente baixa e estes, por sua vez, pela própria complexidade, apresentam para o público dificuldades de compreensão que não devem ser desprezadas. Portanto, numa grande parte dos casos faltariam ou seriam gravemente inadequadas as instruções para o delegado. Se este é o quadro em princípio, em determinadas situações, todavia, que pela sua natureza o permitem, o modelo da representação como delegação pode ter uma atuação parcial e pode gerar, no público, a expectativa de que ele venha a ser aplicado. Isto acontecerá, em geral, para os grandes temas políticos a respeito dos quais se podem configurar posições alternativas nítidas e bem-definidas. Temos um exemplo na tradição política inglesa, na qual os compromissos tomados na sede eleitoral dos candidatos e dos partidos sobre certas questões políticas assumem caráter quase formal e vinculante. Nesses casos, a sanção eleitoral positiva corresponde a uma instrução ou "mandato". De qualquer maneira, em sua forma pura, também isto constitui um modelo marginal e excepcional.

A alternativa tradicional para esta concepção da representação é encarnada pelo modelo do "fiduciário". Esse modelo presta-se, de modo particular, para variações em relação ao tipo de "centro focal" preestabelecido para ação do representante. O representante, na sua busca autônoma de interesses, deve ter como ponto de referência o seu colégio eleitoral, uma esfera territorial intermediária, a nação inteira, interesses particulares ou o interesse geral? Em geral, a escolha desse modelo tem precisamente, em sua base, a exigência de superar a fragmentação particular que inevitavelmente brotaria da representação "delegada", sendo ela, por isso, quase sempre acompanhada da indicação da nação como centro focal da representação (vejam-se os textos constitucionais após a Revolução Francesa). O problema maior que este modelo levanta é o da possível não correspondência das percepções que respectivamente têm representantes e representados do interesse desses últimos. O modelo não oferece, em si, uma solução satisfatória para uma situação onde há pontos de vista diferentes, o que é, exatamente, um dos problemas cruciais da vida política. Com efeito, se nos basearmos unicamente no princípio fiduciário, sem contarmos com um elemento de controle sobre o comportamento do representante, terminamos por atribuir a esse um poder arbitrário que contrasta nitidamente com aqueles que vimos ser o sentido da representação. Neste ponto, podemos falar talvez de Governo iluminado mas não de Governo representativo.

Um atento exame da realidade dos sistemas políticos representativos permite darmo-nos conta de que nenhum destes três modelos consegue uma atuação completa, em sua forma pura. Pelo contrário, poderia ser bastante exato no plano descritivo definir o representante um "fiduciário controlado que em algumas de suas características espelha as dos seus eleitores". Do modelo do fiduciário se conclui a indicação da necessidade para os representantes, de uma certa margem de autonomia que lhes permita um fôlego de ação bem mais amplo do que permitiria a presença do mandato imperativo. O modelo do delegado nos dá, de sua parte, o elemento do vínculo ao qual fica sujeito, em qualquer hipótese, o representante. Sem tal elemento, a função da representação seria desnaturada, já que ele garante um certo grau de controle dos cidadãos sobre o poder político. Mas um modelo realista e atuável não pode desprezar inteiramente nem parcialmente a representação sociológica pois que, além de um certo limite, poderia ser colocado em crise todo o edifício da representação, se fosse atingido em sua legitimidade e credibilidade. Efetivamente, a representação-espelho parece responder às exigências de ordem simbólica e psicológica, que, em certos níveis e em certas situações, podem assumir notável importância. Por exemplo, os grupos pouco integrados, marginais de um sistema político terão necessidade não só de representantes que "zelem por seus interesses", mas ainda de representantes que, pelas suas características pessoais, neles se possam identificar e sentir-se "presentes" na organização política.

Naturalmente, nem em todos os sistemas políticos que podemos definir como representativos, as proporções desses elementos serão iguais. Entretanto, para cada um desses elementos existe, mesmo se não é facilmente determinável, um valor mínimo característico, abaixo do qual a atuação da representação ficaria ameaçada em sua eficácia prática quer no seu significado político quer na sua legitimidade psicológica.

(Continua na próxima postagem.)

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