25 de agosto de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (II)

(Continuação da postagem anterior.)

A segunda fase da Perestroika inicia-se no final de 1987 e início de 1988. Dividimos a reestruturação em duas fases por acharmos que, na primeira fase, havia uma verdadeira união de todas as forças em torno de uma coesão política, enquanto que na segunda fase começam a se delinear principalmente dois grupos: os democratas, ou reformadores, e a linha-dura, ou extrema direita. É nessa fase que ocorrem as rupturas políticas mais graves que levaram ao colapso da União Soviética em 1991.

O primeiro sintoma da ruptura dentro do Partido Comunista deu-se quando Boris Ieltsin criticou todo o sistema político soviético e afirmou que as pessoas estavam começando a desacreditar a Perestroika, após dois ou três anos de promessas sem resultados objetivos (Dobbs 1998, p. 237). O problema dessa ação não foi a ação em si própria, mas sim o fato de as críticas terem surgido durante as comemorações do 70º aniversário da Revolução de Outubro. Em ocasiões como essa, a exibição de unidade do partido era exigida, e o fato de um próprio reformador criticar a Perestroika poderia trazer problemas para o programa como um todo.

Na visão de alguns membros do Partido Comunista, Gorbachev estava seguindo outros rumos políticos que não os abertos pela Perestroika (Dobbs 1998, p. 244). Um desses membros era Yegor Ligachev, que era o secretário da ideologia do partido. Para ele, a glasnost estava tomando um rumo inesperado, e o partido estava começando a perder o poder de controlar os acontecimentos. Mostrar em jornais e revistas os crimes cometidos por Stalin, tendo-se assim uma visão revisionista e negativa da história soviética, significava “a perda dos valores comunistas tradicionais” (Dobbs 1998, p. 245). Além disso, os métodos soviéticos tradicionais de controle já não funcionavam como antes. Ao mesmo tempo em que visava dar informações à população como forma de incluí-las no debate político, a glasnost fazia com que as revistas e os jornais publicassem qualquer coisa, muitas das quais eram contrárias à ideologia soviética.

A divisão entre democratas e linha dura começou a ficar cada vez mais visível, apesar de não ser oficial. Gorbachev consentia que qualquer membro do partido expressasse suas opiniões, mesmo que estas fossem contra a Perestroika e contra a glasnost, mas não aceitava que essas críticas fossem tomadas como orientação partidária. Ao mesmo tempo, Gorbachev se beneficiava das regras de disciplina partidária ainda em vigor, e, principalmente, dos hábitos enraizados de obediência, pois nenhum membro do partido gostaria de ser visto como dissidente ou destruidor da unidade partidária (Dobbs 1998, p. 258). Com isso, mesmo os conservadores endossavam a política da Perestroika – pelo menos por enquanto.

Ainda em 1988, alguns acontecimentos nos Estados bálticos trouxeram mais instabilidade para a política soviética. Manifestações populares nessas repúblicas criaram um novo embate entre reformadores e conservadores. Os primeiros afirmavam que essas manifestações estavam de acordo com os objetivos da Perestroika, pois “chamava a atenção para injustiças econômicas e sociais que vinham se agravando década após década” (Dobbs 1998, p. 266-267). Os conservadores, por sua vez, afirmavam que o Estado soviético começara a se desintegrar, e que apenas a força militar seria capaz de manter a ordem e a unidade do país. Gorbachev, por sua vez, jamais abandonaria a Perestroika, independentemente dos acontecimentos. Ele não podia ser contraditório, defendendo a abertura política e reprimindo manifestações sociais em outros locais.

A situação interna da URSS deteriorava-se cada vez mais, não só nos aspectos políticos, com conseqüências negativas para Gorbachev, mas também nos aspectos econômico e social. As ordens dadas pelo governo deixavam de ser seguidas em várias partes do território soviético, como conseqüência da democratização e do sistema de autogestão implantado nas empresas. No campo econômico, o planejamento e as metas dos planos qüinqüenais eram ignorados, devido à crise econômica. “A economia planificada, com suas quotas e seus prazos rigidamente formulados, tinha efetivamente dado lugar a um sistema rudimentar de trocas. Na ausência de um mercado livre, a regra era cada um por si” (Dobbs 1998, p. 340-341). Os subordinados não mais seguiam as ordens de seus chefes.

Em maio de 1990, Boris Ieltsin foi eleito presidente da Rússia. Apesar de oficialmente Ieltsin fazer parte da “oposição democrática” a Gorbachev, o problema entre os dois líderes vinha de longa data, quando o secretário-geral humilhou Ieltsin no Parlamento, três anos antes, por este ter feito críticas à Perestroika quando da comemoração do 70º aniversário da Revolução de Outubro. A rivalidade entre os dois líderes marcaria a política soviética até a desintegração da URSS.

Em agosto de 1991, ocorreria um fato que levaria, irremediavelmente, ao fim da União Soviética: o golpe de Estado patrocinado pela linha-dura soviética. O golpe já estava sendo armado desde o ano anterior, e aguardava-se apenas o momento propício para colocá-lo em ação.

O golpe foi a oportunidade ideal para Ieltsin. O presidente russo, ao tomar conhecimento do golpe, começou a preparar um documento, juntamente com o presidente do Parlamento russo e com o primeiro-ministro russo, conclamando as pessoas a não negociarem com os golpistas e não aceitarem suas exigências e imposições. Ressaltou a inconstitucionalidade do golpe e classificou os golpistas como “reacionários”. Após a divulgação do comunicado, Ieltsin e os outros líderes russos encaminharam-se para a Casa Branca, sede do governo e do parlamento russo, onde já havia alguns jornalistas russos e estrangeiros, deputados russos e uma pequena multidão que se opôs ao golpe. Subiu em um tanque, leu o documento preparado em sua casa e conclamou a todos que não aceitassem a “tirania e ilegalidade” dos golpistas. Assinou um decreto onde se nomeava comandante-em-chefe das tropas soviéticas em território russo e expeliu mandados de prisão contra os líderes do golpe (Dobbs 1998, p. 471-487).

A partir desse acontecimento, o centro perdeu mais ainda seu poder e influência. Gorbachev, ao regressar a Moscou da Criméia, reafirmou sua confiança no Partido Comunista. Contudo, o presidente soviético não sabia que a população havia associado os golpistas ao próprio partido, e este não era mais visto pelo povo como confiável. Para exemplificar o desprezo da população para com o partido, a multidão que se encontrava na frente da sede do PCUS vibrou quando foi anunciada a suspensão das atividades do Comitê Central do Partido Comunista, ordenada pelo próprio Gorbachev após a leitura de documentos que comprovavam a participação de membros do próprio governo de Gorbachev no golpe. Este fato também “coroava” Ieltsin, que foi associado à democracia e à resistência ao golpe, enquanto Gorbachev era associado ao PCUS. Finalmente, no dia 24 de agosto de 1991, extinguia-se o Partido Comunista da União Soviética (Dobbs 1998, p. 509-516).

Em dezembro de 1991 foi dado o golpe fatal que acabaria definitivamente com a União Soviética. Em uma casa de campo na floresta de Byelovejesky, próximo à fronteira da Bielo-Rússia com a Polônia, encontraram-se os presidentes da Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia. O objetivo do encontro era preparar um documento que colocaria um fim à URSS, devido à falta de poder do governo central para implementar suas políticas.

(Continua na próxima postagem.)

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