10 de setembro de 2008

A Duma soviética e a Duma russa: um estudo de caso (IX)

(Continuação da postagem anterior.)

Assim, o parlamento de 1995 efetivamente propunha e promulgava suas próprias leis, sem ser um mero “órgão consultivo” como o era o parlamento em 1989. Havia disputas políticas na Duma, com coligações e disputas internas pela aprovação ou rejeição de determinados projetos. Além disso, a relativa separação de poderes entre Executivo e Legislativo, com a conseqüente autonomia deste último, permitia aos parlamentares a promulgação de leis contrárias aos interesses do governo, ou ainda a rejeição de nomes propostos pelo presidente para o cargo de primeiro-ministro (como aconteceu várias vezes durante o governo Ieltsin).

Mas nem só de êxitos viveram os parlamentares eleitos em 1995. O parlamento possuía uma falha – uma grande e importante falha: “(...) a Assembléia Federal não pode, nos termos da Constituição da Federação da Rússia em vigor, fiscalizar a atividade do Executivo e, conseqüentemente, influenciar a economia com leis federais” (Strepetova 2000, p. 57). Desta forma, a maior parte das relações econômicas na Rússia não é regida por leis, mas por decretos presidenciais e governamentais e atos normativos da administração pública. Além disso, as leis não são totalmente eficazes, fazendo-se necessária a expedição de decretos regulamentares que esvaziam de sentido as leis já promulgadas (Strepetova 2000, p. 57). Esta deficiência é compreensível se considerarmos que a Rússia ainda está passando por um processo de transição de um sistema político totalitário para um sistema político dito democrático, o que nos leva a acreditar que as novas instituições políticas ainda não estão consolidadas – e tampouco estão bem definidas e consolidadas também as próprias funções dessas instituições.

As relações com o Executivo podem ser definidas como existentes e intensas, porém incompletas. O poder Legislativo em 1995 estava muito mais independente do poder Executivo do que em 1989, mas essa independência ainda era incompleta. Assim, uma forma do Legislativo fiscalizar o Executivo era por meio da promulgação de leis contrárias aos interesses do Executivo, as quais eram freqüentemente vetadas pelo presidente. Em comparação com 1989, contudo, a evolução é enorme, pois o Legislativo passou de um mero organismo para referendar as ações e propostas do Executivo a uma instituição ainda dependente, mas que se manifesta, tem voz importante dentro do cenário político russo e, principalmente, sabe – e pode – utilizar a opinião pública a seu favor.

No que concerne às suas funções, o Legislativo de 1995 também evoluiu em relação ao de 1989: passou a efetivamente propor e votar leis que estão em vigor na Rússia. O parlamento deixou de absorver as idéias da antiga elite dirigente – a nomenklatura inserida no antigo Soviete Supremo – para ter mais autonomia e iniciativa própria, originando leis importantes para o funcionamento do país, como os diversos códigos legais.

Por fim, devemos nos lembrar da forma como o parlamento de 1995 foi escolhido. Essa forma refere-se não tanto aos meios utilizados (eleições diretas, como em 1989), mas principalmente ao ambiente político no qual as eleições de 1995 ocorreram. Ao invés de apenas um partido político dominando o cenário político, como em 1989, tivemos em 1995 uma grande pluralidade partidária, com disputas intensas, acusações, propostas e todo tipo de mecanismo que o Ocidente já está acostumado a ver em suas próprias eleições.

Percebemos, assim que o poder Legislativo da Federação da Rússia vem evoluindo gradativamente com o passar dos anos – e com o passar das eleições. Esta evolução vem desde 1989, quando foi criado o Congresso dos Deputados do Povo, passando pelas eleições de 1993 – quando ainda era o Congresso dos Deputados do Povo –, pelas eleições de 1995 – objeto de estudo deste trabalho, onde os deputados e “senadores” foram eleitos para a nova Assembléia Federal, criada pela Constituição de 1993 – e pelas eleições de 1999, ano da última eleição parlamentar naquele país.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVARADO, Emilio. "La formación del sistema político de la República Rusa". In: Revista de Estúdios Políticos: Nueva Epoca. Madrid: Instituto de Estúdios Políticos, 1997, nº 95, págs. 125-176.

DOBBS, Michael. A queda do império soviético. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

FUNARO, Henrique G. M. N. & SILVA, Matheus P. As reformas dos Estados russo e brasileiro. Brasília: s. ed., 2000 (não publicado).

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KRIASHKOV, W. "A Rússia a caminho do Estado de direito". In: A Rússia no início da era Putin. Cadernos Adenauer nº 5. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000.

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