27 de outubro de 2008

Privatização na Rússia (XIX)

(Continuação da postagem anterior.)

Podemos afirmar que, devido à privatização, será difícil um retorno ao antigo monopólio e aos antigos controles administrativo e burocrático exercidos pelo Estado nas empresas russas. Além disso, é também possível dizer que as grandes mudanças ocorridas na área de relações de propriedade na Rússia serviram de base para mudanças ainda maiores na relação de poder naquele país.

Ainda como resultado formal do processo de privatização, temos o elevado nível de investidores institucionais. Isto significa que uma parte considerável dos investimentos da população e de instituições não-financeiras é recirculado no setor financeiro, o qual se expandiu grandemente nos primeiros anos de propriedade privada, até 1998. O resultado foi a diminuição dos investimentos na área de produção. Segundo Radygin (1995, 99), “(...) deve-se admitir que este estágio é inevitável, e está fortemente associado à formação da infraestrutura da distribuição dos investimentos (movimento de capitais)”.

Fazendo uma correlação entre os resultados formais e o arcabouço teórico apresentado, podemos encontrar características de cada um dos paradigmas apresentados por Bobrow & Dryzek (1987) no processo de privatização na Rússia. Contudo, conforme afirmado anteriormente, nos baseamos em três dos paradigmas apresentados: economia do bem-estar, estrutura social individual e processamento de informação otimista. Esses três modelos foram analisados anteriormente na seção “Marco teórico”.

Das oito características relacionadas à economia de bem-estar, cinco surgiram no processo de privatização na Rússia: alto controle, pouco conflito político, mínima incerteza sobre os resultados da política pública, previsão em relação aos gastos monetários e audiência burocrática receptiva. Todos esses itens relacionam-se entre si: o governo de Ieltsin possuía um alto controle do processo político, devido às próprias alterações políticas ocorridas entre 1989 e 1991 na ex-URSS já descritas na Introdução. Este controle do processo político resultou em pouco conflito político, entre a cúpula governamental, sobre os passos a serem seguidos. Da mesma forma, o quase inexistente conflito político garantiria a previsão sobre os custos e os benefícios da política de privatização. Além disso, o próprio fato de que um dos objetivos principais desse projeto era a criação de uma economia de mercado na Rússia, levando-se em consideração a ideologia neoliberal, já nos permite associar o paradigma do bem-estar à política privatizante russa.

O segundo paradigma por nós utilizado é o da estrutura social individual, também já apresentado anteriormente. Das sete principais características desse paradigma, identificamos quatro que se relacionam firmemente com o problema estudado: consenso geral de valores, alto controle, rápido feedback e poucos elementos do tipo “bem público” nos fins da política pública. O consenso geral de valores foi atingido devido ao pouco conflito político na cúpula governamental, que por sua vez garantiu o alto controle governamental na própria política em si. Por sua vez, houve um rápido feedback da população – ainda que negativamente – em resposta ao processo. Por fim, por mais que o objetivo formal fosse também a participação da população nas privatizações, por meio dos vouchers, o objetivo não declarado era a transferência das empresas estatais para a “grande” iniciativa privada, fazendo com que os bens, anteriormente públicos, se tornassem majoritariamente privados.

O último paradigma utilizado neste trabalho foi o processamento de informações otimista. Das sete características principais, cinco foram consideradas por nós: alto controle, consenso de valores, conflito político mutável, capacidades de metapolítica e bom feedback. Consideramos oportuno o destaque da característica conflito político mutável pelo seguinte aspecto: o consenso de valores e o pouco conflito político citados anteriormente referiam-se ao ambiente dentro do poder Executivo. Porém, havia um conflito latente, e muitas vezes real, entre esse poder e o poder Legislativo, conflito este, contudo, mutável, pois ora beneficiava o Executivo, ora beneficiava o Legislativo. A última característica a ser destacada é a capacidade de metapolítica do poder Executivo: a privatização era apenas uma das “faces” do projeto neoliberal implantado por Ieltsin a partir de 1991.

Desta forma, tanto os aspectos práticos da política de privatização, quanto os aspectos teóricos, apresentados e aplicados retrospectivamente ao processo ocorrido na década de 90, podemos dizer que o programa de privatização atingiu seus objetivos. Surgiu um mercado de capitais e um novo sistema financeiro; surgiu uma nova classe social, a de donos de propriedades privadas; consolidou-se o sistema capitalista, com relações sociais reguladas pelo mercado; alterou-se a orientação ideológica política e economicamente, com a implantação da democracia formal no país e do já citado mercado livre; e alterou-se o sistema legal, com a incorporação de alterações de cunho político e econômico. Todos esses resultados relacionam-se entre si, fazendo com que o plano de reestruturação econômica tivesse êxito ao atingir o seu objetivo final, que era a transformação de uma sociedade com a economia planificada e com totalitarismo em uma nova sociedade chamada de “democracia de mercado”.

(Continua na próxima postagem.)

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