29 de outubro de 2008

Privatização na Rússia (XX)

(Continuação da postagem anterior.)

CONCLUSÃO

Um balanço do processo de privatização, especialmente em relação aos seus efeitos sobre a eficiência econômica empresarial, não pode ser feito de maneira isolada, tendo-se em conta o que foi dito sobre os programas de ajustamento macroeconômico mais acima e as dificuldades de adaptação das empresas ao novo mecanismo de funcionamento da economia. Deve-se considerar também que o processo de redistribuição da propriedade ainda não está concluído. São muitas, entretanto, as críticas à condução do processo, dentre as quais a de que este processo foi funcional para criar e fortalecer interesses econômicos, gerando uma oligarquia financeira que usa o seu poder econômico para exercer influência política e auferir ainda maiores vantagens nos cenários político e econômico russos.

Indo além da análise meramente formal, concluímos que o projeto de privatização ocorrido na Rússia aconteceu da pior forma possível. O primeiro ponto que queremos destacar refere-se ao ambiente institucional proposto pelo modelo de transição adotado entre 1992 e 1995. Sob o sistema socialista, havia todo um conjunto de sanções e de regimentos legais para a proteção da propriedade pública. Na economia de transição da Rússia, a zona de incerteza no campo dos direitos de propriedade tornou-se ainda maior, já que o sistema de proteção da propriedade havia sido desmantelado e por não haver, ainda, sido criado nenhum novo sistema protetor das propriedades públicas e privadas.

A destruição dos direitos de propriedade, portanto, levou à paralisia dos investimentos das empresas, já que não havia um sistema de proteção da propriedade definido, e “(...) quanto melhor definido for [este sistema], menores são os riscos do mercado de capitais” (Radygin, 1995, 12). Não houve, entre 1992 e 1995, fronteiras econômicas e legais entre a propriedade pública e a propriedade privada, com todos os problemas resultantes dessa não separação.

Além dessa questão legal, os próprios objetivos formais do programa podem ser contestados, além, é claro, de podermos contestar também os meios pelos quais o programa foi implementado. Se por um lado o objetivo formal nos apresenta a necessidade da criação de uma economia de mercado, por outro temos o objetivo “informal” de se implementar um modelo neoliberal no país, até mesmo como forma de se mostrar que a Rússia não retornaria ao seu passado comunista. Essa alteração das estruturas econômicas e sociais poderia ter sido feita sem muitos problemas, como foi o caso da Polônia e da República Tcheca. Os dirigentes russos, por sua vez, preferiram adotar medidas “ocidentais”, muito rapidamente, retirando de uma só vez o Estado de áreas sociais importantes para a população. Somado a esse retraimento rápido e excessivo do Estado, a falta de organização governamental, no sentido de se criar um plano de desenvolvimento a médio e a longo prazo, levou o país quase “à beira do abismo” – o que pode ser comprovado pelos sucessivos índices negativos de crescimento do PIB russo.

Somando-se a todos esses problemas organizacionais, temos de destacar a elevada corrupção existente nas esferas governamentais. A manipulação de eleições, o benefício dado a vários diretores vermelhos e a forte ligação do governo com os oligarcas, dentre outros aspectos, servem para demonstrar a corrupção existente no governo russo no período de Ieltsin. O não pagamento de impostos, por parte dos oligarcas, e os investimentos exclusivos em atividades financeiras, e não em atividades produtivas, também contribuíram para a bancarrota do Estado russo, fato consolidado com a crise econômica russa de agosto de 1998.

Portanto, se considerarmos as implicações meramente formais, o programa de privatização russo – peça-chave do programa de reestruturação econômica aplicado em 1992 – foi um sucesso. Seus objetivos foram atingidos, ainda que com alguns problemas “durante o percurso”. Porém, se considerarmos o âmbito social do projeto, e não apenas o âmbito econômico, o programa de reestruturação econômica como um todo – e não apenas o programa de privatização – foi um fracasso, pois o mesmo foi o responsável não apenas pela queda acentuada do PIB na década de 90, mas, principalmente, pela queda do nível de vida da população. O plano, que visava à consolidação do mercado e da democracia, serviu apenas para beneficiar uma pequena camada da sociedade, em detrimento de uma maioria que viu suas condições de vida piorarem e que, por isso mesmo, deixou de apoiar o plano após 1993.

BIBLIOGRAFIA

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