22 de novembro de 2007

Nacional-socialismo (III)

III. FATORES DA ASCENSÃO DO NACIONAL-SOCIALISMO. A ascensão do Nacional-socialismo (1919-1933) foi possível graças à conjugação dos defeitos da política alemã, desde os primórdios do século XIX, com as raízes fatídicas e a história repleta de crises da República de Weimar. A democracia de 1918 foi considerada responsável pelas conseqüências da derrota na Primeira Guerra Mundial. O novo Governo se tornou o bode expiatório e o objeto do ódio das forças da restauração e da reação no estado e na sociedade, bem como dos movimentos revolucionários ditatoriais reunidos nos belicosos Freikorps, em seitas populares anti-semitas e em organizações paramilitares. O "espantalho vermelho" da revolução comunista completou a tarefa de tornar exército e burocracia, classe média e patrões, fácil conquista de tais sentimentos. As forças democráticas estenderam a seus inimigos a tolerância de um sistema jurídico constitucional. Além disso, o desejo difuso de autoridade próprio de um estado autoritário e burocrático acabou provocando sérios problemas organizacionais no interior da República.

Foram estas as bases que permitiram ao Nacional-socialismo firmar-se como um novo tipo de força integradora. Visto ser uma manifestação tipicamente alemã de antidemocracia na Europa, o Nacional-socialismo conseguiu harmonizar-se com a situação alemã, tornando-se um fenômeno mais difícil de ser exportado do que o fascismo. É este mais um exemplo das limitações que se encontram nas idéias de um fascismo universal. Os fundamentos nacionalistas implicam a existência de profundas diferenças entre um e outro país; daí não ser possível explicação alguma monocausal baseada em premissas econômicas, políticas ou ideológicas. O Nacional-socialismo, assim como Hitler, foi o produto da Primeira Guerra Mundial, porém, recebeu sua forma e sua força daqueles problemas básicos da história alemã moderna que caracterizaram a difícil caminhada do movimento democrático. Podemos salientar entre estes problemas: a fragilidade da tradição democrática e os poderosos resíduos das instituições autoritárias governativas e sociais existentes antes e depois de 1848; a facilidade de aceitação das idéias nacionalistas e imperialistas, produto da criação atrasada e nunca plenamente concretizada de um estado nacional alemão; os problemas decorrentes da inesperada derrota e da decorrente invencionice da "facada pelas costas"; o difuso mal-estar com relação à paz de Versalhes; a crise permanente de uma república que nunca conseguiu obter apoio total da população; as explosivas conseqüências da depressão neste estado altamente industrializado, social e religiosamente dividido, conservando ainda resíduos feudais e tradicionalistas; enfim, o medo da proletarização e do comunismo experimentado pela classe média, e o ulterior ressentimento e pavor de uma população rural ameaçada pela expansão da tecnologia moderna. Não deveria, portanto, causar admiração o fato que o Nacional-socialismo obteve seus maiores triunfos eleitorais primeiro na Baviera rural e depois nas províncias rurais do Schleswig-Holstein e na Baixa Saxônia.

Entre os fatores que caracterizam os inícios do Nacional-socialismo cumpre ressaltar o papel relevante desempenhado pela ascensão espetacular e pela veneração quase religiosa do Führer. A estrutura organizacional e as atividades deste novo tipo de movimento basearam-se completamente no princípio do líder. Ao centro de tudo encontrava-se a figura de Adolf Hitler. Em termos de psicologia social, ele representa o homem comum, em posição de subordinação, ansioso para compensar seus sentimentos de inferioridade através da militância e do radicalismo político. Seu nascimento na Áustria, seu fracasso na escola e na profissão e a experiência libertadora da camaradagem masculina durante a guerra, forjaram, ao mesmo tempo, sua vida e a ideologia do Nacional-socialismo.

O Nacional-socialismo se estruturava com base num darwinismo social nacionalista, racista e muito simplificado, tornado popular pelos escritos de radicais sectários. Porém, ao mesmo tempo, procurou, mediante uma mistura eclética de programas doutrinários e políticos, atingir todas as camadas da população. Os primeiros slogans do Nacional-socialismo, pelo seu sucesso imperialista e expansionista e pela submissão ao Governo ditatorial nacionalista, foram elaborados para distrair a classe média e a classe operária dos reais problemas internos. A "comunidade nacional" foi escolhida para ser a panacéia que curaria os males econômicos e políticos, no lugar do pluralismo econômico e da sociedade classista. As doutrinas militaristas e racistas foram os instrumentos utilizados para enganar e conquistar a população. Na campanha contra o tratado de Versalhes se fez uso de um nacionalismo agressivo que apelava para o tradicional sentimento alemão de unidade e foi explorada a visão de uma grande Alemanha unida. O passo seguinte foi a propalada necessidade de expansão dos limites nacionais e étnicos, para conseguir o espaço vital, em direção ao leste, dos povos alemão e germânico, considerados povos superiores. Além do culto ao Führer, que era uma resposta ao desejo autoritário de ordem, a versão social e biológica do anti-semitismo se tornou uma das primeiras características fanáticas do programa hitlerista. Esta forma de encarar o "problema" se prestava para a elaboração da idéia do inimigo radical, idéia esta necessária a todo movimento totalitário para poder dirigir e orientar a agressividade por ele gerada. Acima de tudo, a ideologia nacional-socialista e a tragédia política assentavam no direito do mais forte, conforme as teorias do darwinismo social. A exaltação da "ação" como ideal supremo, acima da razão e da inteligência, caracterizou a natureza fundamentalmente irracional do Nacional-socialismo. Seu fim último foi a conquista de um poder sem limites mediante a agressão, internamente, e mediante o expansionismo, externamente. A história do terceiro Reich mostra que o Nacional-socialismo cumpriu à risca os primitivos planos de Hitler, muito embora seus críticos da época pouco caso fizessem dele. Aliás, a história do Nacional-socialismo é a história de sua fatal depreciação.

Tudo isto vale também com relação à vitória de Hitler em 1933; o terceiro Reich pôde se concretizar graças a um conjunto de manobras eficazes e enganadoras. Sem estas manobras, provavelmente, Hitler nunca chegaria ao poder. Ele afirmava que a sua era uma "revolução legal". Misturando estes dois conceitos contraditórios, os nacionalistas conseguiram satisfazer o desejo popular de ordem e, ao mesmo tempo o desejo de uma mudança radical num período de profunda crise econômica. Após o fracasso de seu putsch em 1923, sem contar o fracasso do putsch reacionário de Kapp em 1920, que evidenciou a aversão da burguesia e dos funcionários públicos a golpes de estado e a revoluções abertamente concretizadas, Hitler se limitou à utilização de táticas pseudolegais. Em lugar de tentar um putsch contra a República, aproveitou-se das oportunidades proporcionadas pela legislação de emergência prevista na Constituição de Weimar a fim de revogar a mesma. O caminho da ditadura presidencial sempre foi apoiado pelos adversários conservadores da democracia parlamentar e, após 1930, contou com o apoio ativo do marechal Hindenburg, o autoritário filomonárquico presidente alemão. Foi ele quem ajudou o partido nacional-socialista a se libertar da incômoda posição de partido minoritário, que nunca tinha conseguido mais de um terço dos votos populares em nenhuma eleição. Os poderes especiais, que davam ao presidente o direito de dissolver o Reichstag e nomear um chanceler, tornaram possível a ditadura legal do presidente. Foi o exercício destas prerrogativas, e não a aprovação de um Governo majoritário que levou Hitler ao poder.

A bem-sucedida imposição de um Governo autocrático foi acompanhada pelo convite à realização de uma verdadeira "revolução nacional". No que diz respeito a Hitler, a aliança com os partidos de direita, com o meio empresarial, com os interesses dos grandes proprietários rurais e dos militares, foi apenas um expediente tático. Quando começou a se manifestar uma forte crise no partido, no fim de 1932, ele não titubeou em fazer amplas concessões aos líderes de uma "concentração nacional" da direita, chefiados por von Papen, confidente de Hindenburg. Porém, mesmo aceitando, como chanceler, uma maioria de ministros conservadores, sempre fez questão de exigir o direito de exercer poderes presidenciais ditatoriais. Camuflando as reivindicações de poder dos nacional-socialistas como sendo os apelos para um renascimento cristão-nacional, Hindenburg atingiu o resultado desejado, quer junto ao Governo quer junto ao povo, e nunca interferiu nas terríveis medidas repressivas aplicadas por Hitler, justamente em virtude destes poderes ditatoriais "legais", em fevereiro de 1933. Os aliados de Hitler, num primeiro momento, valorizaram em excesso o próprio poder e, mais tarde, procuraram reconduzir a revolução dentro de canais disciplinados. Porém, foi justamente sua colaboração que tornou possível a pseudolegalidade desta mesma revolução. Por razões semelhantes, a oposição da classe média se desarticulou diante da lei sobre os plenos poderes e os funcionários colaboraram para a legalização da evolução nazista. A própria esquerda se deixou ludibriar e, por demasiado tempo, ficou paralisada diante da nova situação de uma revolução "legal" e "nacional".

Em suma, Hitler chegou ao poder como conseqüência de um conjunto de erros que poderiam ter sido evitados. Ele não foi eleito livremente pela maioria do povo alemão, nem houve razões insuperáveis que justificassem a capitulação da república. Todavia, nos momentos finais, as forças democráticas se encontraram em minoria diante dos partidos totalitários e ditatoriais dos nacional-socialistas e dos comunistas. E foi nesta situação que um grande número de dirigentes alemães optou por se colocar do lado de Hitler, após 1933. A suscetibilidade da classe média era resultado de causas históricas e contingentes. A história da tomada do poder por parte de Hitler sem dúvida possui seus lados obscuros, e que são inúmeros. Por outro lado, os pré-requisitos do Nacional-socialismo também não são passíveis de explicações lineares. Foram inúmeros os fatores e os elementos que aí desempenharam seu papel, obscuras forças subterrâneas, resultado das condições nacionais e sociais alemãs e européias. A fatal ascensão de Hitler está intimamente relacionada com uma marcante seqüência de acontecimentos que se verificaram na Alemanha nos séculos XIX e XX, embora o Nacional-socialismo não possa ser identificado com a história alemã.


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