3 de dezembro de 2007

Sobre o fascismo (V)

(Continuação da postagem anterior.)

c) O Fascismo como via para a modernização. Nestes últimos tempos, tem-se desenvolvido um novo tipo de abordagem que tem como referência o esquema teórico da modernização e considera os regimes fascistas como uma das formas político-institucionais através das quais se operou historicamente a transição de uma sociedade agrária de tipo tradicional à moderna sociedade industrial.

As análises que antecedem -- se excetuarmos a tentativa de explicar a implantação do Fascismo na Itália, baseada no atraso geral da sociedade italiana -- possuem um aspecto comum que é o de situarem os regimes fascistas num contexto caracterizado, em seu conjunto, por uma situação de avançada industrialização. A dinâmica existente entre massas e elites, o conflito entre a grande burguesia e o proletariado no estádio imperialista do capitalismo, assim como a revolta das classes médias emergentes, são indicadores de um tipo de sociedade que já passou total ou parcialmente à modernidade. Até os fenômenos de natureza mais estritamente política, que são relacionados com o surgir dos movimentos e regimes fascistas, são típicos de um sistema democrático plenamente consolidado, seja que se acentuem as suas contradições internas, como pretende a análise marxista, seja que se descubra nele o terreno específico, onde tais movimentos podem nascer e desenvolver-se, como quer a teoria do totalitarismo.

A análise do Fascismo à luz das teorias da modernização coloca-o, ao invés, não já em relação com os conflitos e as crises próprios da sociedade industrial, mas com os conflitos e as crises característicos da fase de transição para ela. Neste quadro, os regimes fascistas se configuram como uma das vias para a modernização -- as outras historicamente identificadas são a liberal-burguesa e a comunista -- fundada no compromisso entre o setor moderno e o tradicional. Os traços que os caracterizam são, na esfera econômica, uma industrialização atrasada, mas intensa, promovida desde cima, com notável interferência do estado a favor da acumulação; na esfera política, o desenvolvimento de regimes autoritários e repressivos, expressão da coligação conservadora das elites agrárias e industriais que querem avançar pelo caminho da modernização econômica, defendendo, ao mesmo tempo, as estruturas sociais tradicionais; na esfera social, a tentativa de evitar a desagregação dessas estruturas, impedindo ou reprimindo os processos de mobilização social, postos em movimento pela industrialização.

O conceito de mobilização social adquire particular relevância quando o Fascismo é considerado como um tipo especial de resposta aos conflitos nascidos da exigência de participação no gozo de determinados bens e serviços -- materiais e não-materiais -- por parte de setores da população antes excluídos: uma resposta baseada na desmobilização forçada dos grupos recentemente mobilizados, posta em obra pela coalizão entre as velhas e as novas elites, em função da conservação da ordem sociopolítica tradicional.

Os fatores que constituem a base da solução de tipo fascista hão de ser buscados nas modalidades assumidas pelo processo de modernização nos países onde tal processo se impôs.

Nesta perspectiva, a pesquisa tem contribuído para enriquecer a análise dos fenômenos fascistas em mais de um sentido. Chamando a atenção para a variedade de formas que o Fascismo pode assumir nos diferentes contextos nacionais, ela veio favorecer o desenvolvimento da abordagem histórico-comparativa, lançando as premissas para a formulação de generalizações empíricas, fundadas na pesquisa sistemática e orientadas à luz de categorias homogêneas. O conceito de modernização como processo global de transformação, que atinge todas as esferas do sistema social, tem orientado, além disso, a pesquisa para a análise das interações entre o sistema político, o sistema econômico e o sistema sociocultural, fazendo ressaltar as fraturas, a-sincronias e descontinuidades que melhor parecem caracterizar as situações de onde emergem os fenômenos fascistas.

A mais sólida contribuição deste tipo de abordagem está no plano das indicações metodológicas e, no plano substantivo, no aprofundamento das precondições do Fascismo, enquanto parecem bastante mais problemáticas as ligações entre ambas as coisas. Em especial, a análise do Fascismo dentro da dinâmica dos processos de modernização parece oferecer melhores resultados na explicação da vulnerabilidade dos sistemas liberais burgueses, nos países onde ele se consolidou, do que na explicação do modo como caíram e do tipo de regime que se seguiu. Acentuando o peso do componente tradicional, ela tende a subestimar a importância do embate entre burguesia e proletariado, o papel das classes médias, a crise do sistema liberal e das suas instituições representativas, todos eles fenômenos que parecem ligados às tensões originadas no contexto de uma sociedade que apresenta, em seus traços essenciais, as características de uma sociedade industrial moderna. Essa mesma ótica impede, além disso, colher a especificidade dos regimes fascistas e os elementos de novidade neles existentes, bem como diferenciá-los de outras formas de regimes reacionários, conservadores ou autoritários.

(Continua na próxima postagem.)


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