29 de novembro de 2007

Sobre o fascismo (IV)

(Continuação da postagem anterior.)

b) O Fascismo como totalitarismo. É totalmente outra a perspectiva em que se situa a análise do Fascismo como totalitarismo, cuja contribuição principal foi a de ter sabido captar a novidade que representa o aparecimento dos regimes fascistas na cena política e a de ter chamado a atenção para as diferenças qualitativas existentes entre as formas tradicionais de autoritarismo e as modernas.

O quadro de referência é constituído, direta ou indiretamente, pelas teorias da sociedade de massa; à dinâmica das relações entre as classes sucede, como principal fator explicativo do surgimento dos fenômenos do autoritarismo moderno, a dinâmica das relações entre as massas e as elites num contexto caracterizado pela decomposição do tecido social tradicional, pelo desabe dos sistemas de valores comuns, pela atomização e massificação dos indivíduos, e por uma crescente burocratização.

O aspecto central desta teoria, e ao mesmo tempo o mais criticado, é a subsunção sob uma mesma categoria, a do estado totalitário, dos regimes fascistas e comunistas, com base em analogias existentes na estrutura e técnicas de gestão do poder político. São, com efeito, essas analogias -- verificáveis independentemente dos fins declarados que se tem em vista dos precedentes históricos e do conteúdo das respectivas ideologias -- que os teóricos do totalitarismo privilegiam no plano descritivo e admitem como problema principal no plano explicativo.

Os elementos que definem o estado totalitário são, em termos típico-ideais, conforme a formulação de Friedrich e Brzezinski: uma ideologia oficial tendente a cobrir todo o âmbito da existência humana e à qual se supõe aderirem todos, pelo menos passivamente; um partido de massa único, tipicamente conduzido por um só homem; um sistema de controle policial baseado no terror; o monopólio quase completo dos meios de comunicação de massa; o monopólio quase completo do aparelho bélico; e, enfim, o controle centralizado da economia. O alvo é o de conseguir o controle total de toda a organização social, a serviço de um movimento ideologicamente caracterizado.

As condições essenciais para a sua aparição são um regime de democracia de massa e o poder dispor de um aparelho tecnológico como o que só a moderna sociedade industrial pode oferecer. O estado totalitário se apresenta, portanto, como uma forma de domínio inteiramente nova, não só com respeito aos sistemas de democracia liberal, mas também às formas anteriores de ditadura e autocracia, uma vez que, no passado, não existiam os pressupostos para a sua realização. Possui, além disso, um caráter eversivo com relação ao sistema social preexistente, na medida em que lhe modifica radicalmente a estrutura, que se baseava na existência de uma pluralidade de grupos e de organizações autônomas.

As razões do sucesso dos regimes totalitários são geralmente postas no declínio do sistema liberal burguês e, especialmente, na dissolução do sistema classista, que é, ao mesmo tempo, causa e condição da sua sobrevivência. Mas o que mais interessa aos defensores da teoria clássica do totalitarismo são os mecanismos de funcionamento do estado totalitário no âmbito de uma morfologia mais geral dos sistemas políticos. Numa tal perspectiva, as diferenças existentes entre os regimes fascistas e comunistas, bem como as verificáveis no interior de cada um deles, conquanto não negadas, perdem importância: uns e outros, na medida em que apresentam essa particular combinação de elementos que definem o estado totalitário, pertencem à mesma classe de fenômenos e expressam a feição que assume o autoritarismo na sociedade moderna.

A teoria clássica do totalitarismo tem estado sujeita a numerosas críticas que têm por alvo uma dupla série de problemas. O primeiro diz respeito ao campo específico da análise dos regimes fascistas. Sob este ponto de vista, parece hoje dificilmente sustentável a hipótese de que a origem e o sucesso dos movimentos fascistas estariam relacionados com o conjunto de fenômenos compreendidos no conceito de "sociedade de massa". Pesquisas recentes demonstraram que, nos países onde o Fascismo se consolidou, o sistema de estratificação era muito mais rígido, o peso das estruturas tradicionais muito mais forte e o grau de "atomização" -- no sentido de falta de estruturas associativas intermediárias -- muito menor que em outros onde o Fascismo jamais se ofereceu como alternativa concreta. A tentativa de explicar o processo de introdução do Fascismo com base na dinâmica das relações entre massas privadas de uma clara conotação de classe também contradiz um dado empírico já seguro, ou seja, a base constituída de massas predominantemente pequeno-burguesas dos movimentos fascistas e sua coligação com amplos setores da burguesia agrária e industrial, antes e depois da tomada do poder. Finalmente, esta teoria não consegue fornecer uma explicação aceitável sobre o problema da função histórica dos regimes fascistas, oscilando entre uma resposta de tipo nãoracional -- os regimes totalitários seriam, neste caso, uma espécie de experimento monstruoso de engenharia social, tendo como fim a criação de um novo tipo de homem-máquina totalmente heterodirigido -- e a renúncia explícita ao momento explicativo em favor de uma morfologia dos sistemas totalitários.

A segunda série de problemas diz respeito à própria utilidade do conceito de totalitarismo que, como instrumento, não permite discriminar entre regimes que, apresentando analogias no funcionamento do sistema político, diferem em outros aspectos importantes como os relativos à constelação das forças que favoreceram o seu triunfo, à relação entre as velhas e as novas elites, ao tipo de interferência na estrutura econômico-social e às suas conseqüências. Os que pensam que tal conceito ainda conserva uma certa valia no plano descritivo têm afirmado constantemente a necessidade de uma mais ampla tipologia dos sistemas totalitários, baseada na análise comparada dos diversos regimes, capaz de levar em conta as diferenças. É daí que surgiu a tendência de compreender dentro do mesmo tipo o Fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, com base nas analogias observáveis não só nas técnicas de gestão do poder político, como também na ideologia, na base social e na função histórica dos dois regimes.

(Continua na próxima postagem.)


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