Conforme apresentado nas postagens anteriores, dou continuidade ao texto que remete à formação do estado no Brasil.
(Continuação)
É importante destacar, entretanto, que o liberalismo não foi o responsável pela formação da sociedade nacional. O liberalismo foi utilizado como uma filosofia política que permitiu aos estamentos senhoriais livrarem-se da “tutela colonial”, com a transferência do centro de tomadas de decisão de um local fora do país para dentro do mesmo. São as conseqüências do fim dessa “tutela colonial”, com destaque para a transformação do senhor de engenho em cidadão, que fazem com que o liberalismo, indiretamente, influencie e ajude a consolidar a sociedade nacional brasileira -- incluindo-se aqui o sentimento de nação --, já que os agora cidadãos passam a utilizar a “utopia liberal” para consolidar a sociedade nacional (FERNANDES 1975, 39).
Em um primeiro momento, passam a fazer parte da “sociedade civil brasileira” apenas os senhores de engenho -- agora transformados em cidadãos, que convertem a sua dominação estamental em dominação burocrática propriamente dita, apropriando-se da política brasileira devido ao vácuo ocasionado pela Independência. E essa “nação brasileira” continuará englobando apenas tais cidadãos até, pelo menos, 1888, com a abolição da escravidão -- já que os escravos, por não fazerem parte do mercado consumidor, não são considerados parte dessa sociedade civil. É interessante notar, entretanto, que no decorrer dos anos, durante o Império, novos estamentos passam a fazer parte da sociedade civil: se em um primeiro momento temos o “senhor-cidadão”, posteriormente vão acrescendo-se os “profissionais liberais”, tais como advogados; com a expansão do comércio interno e com o gradual fortalecimento do comércio urbano -- que irá caracterizar o início da montagem da ordem social competitiva --, também os “pequenos comerciantes” vão se incluindo na sociedade civil; imigrantes, na segunda metade do século XIX, passam também a integrá-la; até que, com a abolição, também os escravos (agora, na verdade, ex-escravos) passam a fazer parte da sociedade civil, já que não há outra opção a não ser esta (até mesmo por causa da necessidade de expansão do mercado interno). Vale a pena notar, contudo, que não é apenas em termos econômicos que essa sociedade se expande: também em termos referenciais, durante todo o Império, começa-se a montar o quadro de referências básicas que permite aos cidadãos do Brasil afirmarem o sentimento de nação. É a ruptura de um modelo de sociedade colonial em direção a um modelo de sociedade nacional – cujas relações de dominação podem ser descritas como a burocratização da dominação estamental -- que fortalece e consolida o sentimento de nação.
Portanto, as transformações políticas, juntamente com as mudanças econômicas ocorridas durante todo o período imperial brasileiro, é que irão dar as condições para a criação, o fortalecimento e a consolidação do sentimento de nação. Em um primeiro momento, logo após a Independência, há a necessidade de internalização dos centros de tomada de decisão, principalmente no que se refere aos aspectos políticos, e passam a fazer parte da sociedade civil da época os “senhores-cidadãos”. Estes passam a forjar um sentimento de unidade, de nação, em torno de objetivos comuns, quais sejam, a manutenção do modelo exportador colonial com modificações necessárias à nova condição de país independente. Neste aspecto, vale lembrar que, a partir da segunda metade do século XIX, com o fortalecimento do mercado interno e o surgimento de uma burguesia urbana, cujos interesses eram diferentes do “senhor-cidadão”, o elemento senhorial “(...) se envolvia com o ‘setor novo’ não em nome de sua qualidade de empresário rural (...) mas em sua condição estamental (como senhor agrário), a única que se poderia projetar livremente na estrutura social das cidades e encontrar dentro dela (...) as bases sociodinâmicas para a preservação do prestígio social e a reelaboração societária da dominação patrimonialista. (...)” (FERNANDES 1975, 81) Ao mesmo tempo, esses senhores burocratizam a sua antiga dominação estamental, continuando a exercer o seu domínio, porém agora em “bases legais”.
(Continua na próxima postagem)
Referências bibliográficas:
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. 11ª Ed. 2 vol. Brasília: Ed. UnB, 1998.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Brasília: Ed. UnB, 1981.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984.
HISTORIANET. O processo de independência do Brasil. Disponível em: http://www.historianet.com.br/main/conteudos.asp?conteudo=3. Acessado dia 14 de janeiro de 2003.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 22ª Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.
(Continuação)
É importante destacar, entretanto, que o liberalismo não foi o responsável pela formação da sociedade nacional. O liberalismo foi utilizado como uma filosofia política que permitiu aos estamentos senhoriais livrarem-se da “tutela colonial”, com a transferência do centro de tomadas de decisão de um local fora do país para dentro do mesmo. São as conseqüências do fim dessa “tutela colonial”, com destaque para a transformação do senhor de engenho em cidadão, que fazem com que o liberalismo, indiretamente, influencie e ajude a consolidar a sociedade nacional brasileira -- incluindo-se aqui o sentimento de nação --, já que os agora cidadãos passam a utilizar a “utopia liberal” para consolidar a sociedade nacional (FERNANDES 1975, 39).
Em um primeiro momento, passam a fazer parte da “sociedade civil brasileira” apenas os senhores de engenho -- agora transformados em cidadãos, que convertem a sua dominação estamental em dominação burocrática propriamente dita, apropriando-se da política brasileira devido ao vácuo ocasionado pela Independência. E essa “nação brasileira” continuará englobando apenas tais cidadãos até, pelo menos, 1888, com a abolição da escravidão -- já que os escravos, por não fazerem parte do mercado consumidor, não são considerados parte dessa sociedade civil. É interessante notar, entretanto, que no decorrer dos anos, durante o Império, novos estamentos passam a fazer parte da sociedade civil: se em um primeiro momento temos o “senhor-cidadão”, posteriormente vão acrescendo-se os “profissionais liberais”, tais como advogados; com a expansão do comércio interno e com o gradual fortalecimento do comércio urbano -- que irá caracterizar o início da montagem da ordem social competitiva --, também os “pequenos comerciantes” vão se incluindo na sociedade civil; imigrantes, na segunda metade do século XIX, passam também a integrá-la; até que, com a abolição, também os escravos (agora, na verdade, ex-escravos) passam a fazer parte da sociedade civil, já que não há outra opção a não ser esta (até mesmo por causa da necessidade de expansão do mercado interno). Vale a pena notar, contudo, que não é apenas em termos econômicos que essa sociedade se expande: também em termos referenciais, durante todo o Império, começa-se a montar o quadro de referências básicas que permite aos cidadãos do Brasil afirmarem o sentimento de nação. É a ruptura de um modelo de sociedade colonial em direção a um modelo de sociedade nacional – cujas relações de dominação podem ser descritas como a burocratização da dominação estamental -- que fortalece e consolida o sentimento de nação.
O desenvolvimento prévio da sociedade, sob o regime colonial, não criara, por si mesmo, uma Nação. Mas dera origem a estamentos em condições econômicas, sociais e políticas de identificar o seu destino histórico com esse processo. Desse modo, a constituição de um Estado nacional independente representava o primeiro passo para concretizar semelhante destino. Por meio dele, os interesses comuns daqueles estamentos podiam converter-se em interesses gerais e logravam condições políticas para se imporem como tais. Ao se concretizarem politicamente, porém, os referidos interesses tinham de se polarizar em torno da entidade histórica emergente, a Nação. Somente ela poderia dar suporte material, social e moral à existência e à continuidade de um Estado independente. Assim, ao enlaçar-se à fundação de um Estado independente e à constituição de uma sociedade nacional, a dominação patrimonialista passou a preencher funções que colidiam com as estruturas sociais herdadas da Colônia, com base nas quais ela própria se organizava e se legitimava socialmente e as quais ela deveria resguardar e fortalecer. Sua duração, em condições de equilíbrio relativo e de indiscutível eficácia (pelo menos dentro dos limites dos desígnios políticos dos estamentos senhoriais), sugere que ao longo da evolução do Império ela não chegou a ser posta em causa realmente e que não surgiram forças sociais novas, empenhadas em rearticular, politicamente, transformação da ordem social global e integração nacional. (FERNANDES 1975, 55-6)
Portanto, as transformações políticas, juntamente com as mudanças econômicas ocorridas durante todo o período imperial brasileiro, é que irão dar as condições para a criação, o fortalecimento e a consolidação do sentimento de nação. Em um primeiro momento, logo após a Independência, há a necessidade de internalização dos centros de tomada de decisão, principalmente no que se refere aos aspectos políticos, e passam a fazer parte da sociedade civil da época os “senhores-cidadãos”. Estes passam a forjar um sentimento de unidade, de nação, em torno de objetivos comuns, quais sejam, a manutenção do modelo exportador colonial com modificações necessárias à nova condição de país independente. Neste aspecto, vale lembrar que, a partir da segunda metade do século XIX, com o fortalecimento do mercado interno e o surgimento de uma burguesia urbana, cujos interesses eram diferentes do “senhor-cidadão”, o elemento senhorial “(...) se envolvia com o ‘setor novo’ não em nome de sua qualidade de empresário rural (...) mas em sua condição estamental (como senhor agrário), a única que se poderia projetar livremente na estrutura social das cidades e encontrar dentro dela (...) as bases sociodinâmicas para a preservação do prestígio social e a reelaboração societária da dominação patrimonialista. (...)” (FERNANDES 1975, 81) Ao mesmo tempo, esses senhores burocratizam a sua antiga dominação estamental, continuando a exercer o seu domínio, porém agora em “bases legais”.
(Continua na próxima postagem)
Referências bibliográficas:
BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. 11ª Ed. 2 vol. Brasília: Ed. UnB, 1998.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Brasília: Ed. UnB, 1981.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1984.
HISTORIANET. O processo de independência do Brasil. Disponível em: http://www.historianet.com.br/main/conteudos.asp?conteudo=3. Acessado dia 14 de janeiro de 2003.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 22ª Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.
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