14 de novembro de 2007

O estado, o poder e o socialismo

Nicos Poulantzas foi um filósofo e sociólogo grego. É bastante conhecido pelo seu trabalho teórico sobre o estado, visto por meio de lentes marxistas. Além disso, analisou também o fascismo, as classes sociais no mundo contemporâneo e o colapso das ditaduras do sul da Europa (Portugal, Espanha e Grécia).

Poulantzas era de linha marxista e membro do Partido Comunista da Grécia. Exilou-se para Paris onde lecionou a partir de 1960. Foi aluno de Louis Althusser. Empreendeu uma série de estudos sobre o Estado e as classes sociais que se tornaram referências. Abaixo, pequeno resumo de seu texto "Estado, poder e socialismo".

O problema das teorias relativas ao estado é que elas colocam a luta de classes como algo que apenas faz variar ou concretizar este estado, e baseiam-se apenas nas relações de produção. As constantes mudanças pelas quais o estado passou mudaram profundamente suas relações de produção e sua divisão social do trabalho. É necessária, portanto, a construção de uma teoria do estado que leve em consideração, partindo-se das relações de produção, as lutas de classes.

Nota-se que as teorias marxistas ficam centradas em apenas um aspecto: todo estado capitalista é uma ditadura da burguesia. Acha-se que tudo o que acontece de ruim com o proletariado é culpa do estado e da burguesia; toda dominação política é uma ditadura de classe; e assim sucessivamente. É necessário, então, construir uma teoria que coloque as lutas de classes como papel histórico fundamental responsável pelas sucessivas mudanças e alterações pelas quais o estado capitalista passou no decorrer de sua existência.

O estado capitalista coloca a burguesia como classe política dominante. É importante notar, contudo, que a classe dominante não é composta de uma burguesia, e sim de várias frações burguesas, que impõem suas vontades à direção do estado. O próprio estado é organizado para manter o interesse da classe burguesa dominante em longo prazo. O estado, contudo, dispõe de certa autonomia em relação a estas frações, pois ele está relativamente separado das relações de produção. Esta autonomia está garantida pelo fato de que o estado precisa dela para assegurar a organização do interesse geral da burguesia sob a hegemonia de uma de suas frações. O estado produz resultados não de forma mecânica, mas por meio de uma intensa luta entre as burguesias dominantes. Poder-se-ia, desta forma, supor que a orientação social dada pelo estado poderia mudar, desde que a fração dominante fosse operária.

Existem duas concepções em relação ao estado: a primeira diz que o estado é uma Coisa, e que suas atitudes são tomadas pela simples manipulação por parte de uma única fração da burguesia, ou seja, o estado não tem nenhuma autonomia. A segunda diz que o estado é um Sujeito, e, portanto, tem uma vontade pensante, um poder próprio e, principalmente, autonomia em relação às classes sociais. O estado seria um instrumento para impor a política burguesa aos interesses divergentes e concorrentes da sociedade civil. Na concepção de estado-Coisa, cada fração dominante ficaria com a melhor parte para si, dando unidade ao estado. Já na concepção de estado-Sujeito, a unidade do estado seria uma decorrência do fracionamento da sociedade civil.

O estado não é unitário. O poder do estado está disperso em cada ramo do mesmo. O poder é exercido, então, pela fração mais hegemônica, ou então pela aliança de várias frações contra outra ou outras. Por mais contraditório que pareça, é o jogo destas disputas na materialidade do estado que torna possível a função de organização do estado.

A autonomia do estado não advém do fato de o estado manter-se exterior às frações do bloco de poder. A autonomia existe justamente pelas disputas de e pelo poder por parte destas diversas frações. Isto não significa que não existam medidas coerentes, nem que o estado não tenha um papel próprio exercido por sua burocracia.

O estado possui unidade de aparelho. Isto significa dizer que ele empenha todos os seus recursos para atender as reivindicações da classe ou fração hegemônica. Esta unidade está no núcleo do estado, por meio da própria divisão social do trabalho dentro dele próprio, e da separação específica das relações de produção.

Pode-se dizer, portanto, que as medidas adotadas pelo estado têm como origem a fração ou classe dominante no poder, ou seja, as políticas que estrangulam certas classes e beneficiam outra(s). A classe hegemônica não utiliza apenas os aparelhos dominantes que já estão ao seu lado; usam todo o aparelho dominante do estado.

Analisando-se agora um partido operário que quisesse fazer uma transição para o socialismo, vemos que não é necessário apenas tomar o poder de estado. Deve-se estender a transformação dos aparelhos de estado, e isso só é possível com a tomada do poder.

O simples fato de a esquerda ocupar o poder não significa necessariamente que ela detenha o poder. A burguesia pode alterar os lugares do poder real e do poder formal. Além disto, mesmo que a esquerda detenha o poder e os aparelhos de estado, ela pode ainda não dominar o mesmo, caso a burguesia domine o pivô central do estado, ou seja, caso a burguesia seja a classe ou fração dominante. E mesmo que a esquerda domine o aparelho dominante do estado, a burguesia pode alterar este papel dominante, tornando dominante o papel que ela, burguesia, detém, e tirando o poder da esquerda. O estado é, portanto, um campo estratégico, que aceita permutações e trocas por parte da burguesia para que esta se mantenha sempre no poder; ele está sempre em mudança.

Vale a pena ainda lembrar que, em relação aos aparelhos do estado, o poder propriamente dito situa-se difuso dentro do próprio aparelho, e não no cume, hierarquizado. Desta forma, caso a esquerda domine um aparelho, a burguesia existente dentro dele pode modificar o foco do poder e continuar manipulando tal aparelho. Assim, mesmo que a esquerda domine os cumes, resta saber se ela controla realmente os núcleos do poder real.

Referências bibliográficas:

POULANTZAS, Nicos. O estado, o poder, o socialismo. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000.


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