O dia 7 de novembro tem uma incrível importância histórica que, infelizmente, é notado por poucas pessoas: é o dia quando, no ano de 1917, ocorreu uma das mais famosas revoluções mundiais: a Revolução Russa. Muito já foi dito sobre tal revolução. Pretendemos, neste texto, fazer breves comentários sobre este evento histórico e dar nossa contribuição ao debate, tendo em vista o fato de já termos visitado tal país por cinco vezes e possuirmos certa base teórica acerca da história e cultura russas.
Antes de tudo, é necessário explicar ao leitor o porquê da comemoração no dia 7 de novembro, ainda que se diferencie a Revolução Russa em duas etapas: a primeira geralmente chamada de "Revolução Branca", em fevereiro de 1917, e a segunda chamada de "Revolução Vermelha", em outubro de 1917. Ora, se famosa é a "Revolução de Outubro", por que se comemora em novembro? A explicação está no fato de que, até 1918, a Rússia usava o calendário juliano, que estava 13 dias atrasado em relação ao calendário gregoriano, usado nos países ocidentais. Assim, na Rússia a revolução aconteceu no dia 25 de outubro, quando no Ocidente já era dia 7 de novembro.
O contexto histórico no qual a Revolução acontece já é conhecido: no contexto da Primeira Guerra Mundial, a empolgação pelas vitórias russas em 1914 e 1915 se transforma em repulsa à guerra a partir de 1916, quando começa a haver falta de comida em diversas cidades e em localidades do interior. Percebe-se que o czar, tradicionalmente visto como uma pessoa de "pulso forte" que tem não apenas a obrigação mas, principalmente, as condições para reinar absoluto no comando do país, já não consegue mais manter a ordem e instigar seus súditos a participarem da guerra. Perde-se a fé em sua liderança: nada pode ser mais fatal para qualquer governante do que perder a legitimidade, não tendo apoio nem mesmo junto àqueles que lhe são mais próximos na condução do governo. Para complicar, manifestações populares constantes pedindo mudanças deixam o czar atônito: como poderiam os russos voltarem-se contra seu próprio "pai"?
Assim, em fevereiro de 1917 acontece a primeira parte da Revolução Russa, a "Revolução Branca" ou ainda "Revolução de Fevereiro". O czar Nicolau II abdica ao trono e -- situação inusitada -- ninguém de sua família quer assumir o posto. Surge então o chamado "Governo Provisório" -- o príncipe Lvov era o primeiro-ministro, mas quem realmente mandava era Alexander Kerensky, ministro da guerra, que efetivamente se torna primeiro-ministro com a renúncia de Lvov em julho de 1917. A situação é complicada: não há mais czarismo, mas o Governo Provisório tampouco proclamou uma república. Além disso, se por um lado há o Governo Provisório como governo oficial, por outro há a criação do Soviete de Deputados dos Trabalhadores e Soldados de Petrogrado -- um verdadeiro governo paralelo, formado por representantes diretos dos trabalhadores e do exército -- que se coloca como legítimo representante do povo.
Para complicar ainda mais, o Governo Provisório mantém a Rússia na Primeira Guerra Mundial -- justamente o motivo que levou o czar Nicolau II a abdicar ao trono. O Governo Provisório, além disso, não fez nenhum tipo de alteração na estrutura social, mantendo-a intacta. A insatisfação popular e do exército continuou, pois o Governo Provisório não buscou solucionar os problemas que causavam a insatisfação do povo e o levavam a se rebelar. Estava formada a base para a segunda parte da revolução, parte esta que seria ainda maior: a Revolução de Outubro. Em 25 de outubro o poder político foi completamente transferido do Governo Provisório para o Soviete de Petrogrado, que escolheu um Conselho de Comissários do Povo para governar o país -- tendo como seu líder máximo Lênin. Logo de início, promulgou-se o decreto "Sobre a terra", realizando, ao mesmo tempo, estatização da propriedade privada e redistribuição da mesma por meio de ampla reforma agrária, e buscou-se a paz com a Alemanha. Ainda que os sovietes demorassem mais três anos para controlar todo o país em uma sangrenta guerra civil, estava dado o golpe final no czarismo e no Governo Provisório, e partia-se, dali em diante, para a consolidação do "governo do povo" com base nas idéias do socialismo científico de Marx.
Para além dos fatos históricos da própria Revolução, é interessante analisar os impactos que a mesma causou durante o século XX. O impacto mais importante, sentido também nos países ocidentais, foi a criação e consolidação dos chamados "direitos de terceira geração" -- ou direitos sociais, geralmente associados à garantia de condições mínimas de sobrevivência do ser humano. Vale destacar que, antes da Revolução Russa, pouquíssimos estados preocupavam-se com as condições de vida de seus cidadãos: guiando-se pela ideologia liberal aplicada em seu extremo, acreditava-se que a responsabilidade pelo bem-estar social era do próprio indivíduo, e que não caberia ao estado garantir tais condições. A partir da Revolução Russa instauraram-se as bases que dariam origem ao chamado "estado de bem-estar social" -- idealizado por Keynes durante a década de 1920 com grande influência da ideologia socialista.
Outro impacto impossível de ser esquecido foi a divisão do mundo entre capitalismo e socialismo, divisão esta característica de todo o século XX -- especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, durante o período conhecido como "Guerra Fria". Neste sentido, a Revolução Russa causou um tremendo impacto nas esferas política, econômica, social e intelectual do mundo inteiro.
Foi apenas a partir da Revolução Russa que os movimentos sociais, especialmente sindicatos, se fortaleceram em suas lutas por melhores condições de trabalho. O movimento sindical se fortaleceu, o que permitiu a diversos grupos trabalhistas se organizarem e pressionarem o estado objetivando melhores salários, por exemplo. Pode-se mesmo afirmar que a Revolução Russa deu o pontapé inicial para o movimento operário mundial.
É claro que não podemos nos esquecer do lado negativo da Revolução: por não ter aplicado todos os conceitos marxistas à risca, a Revolução estancou no que seria a ditadura do proletariado para Marx. A conseqüência mais óbvia e mais drástica desta parada se deu com o surgimento de um regime totalitário na União Soviética e na China, os dois principais representantes na prática desta ideologia. Pode-se dizer que a ruína da Revolução veio com o fim da liberdade individual dentro do próprio Partido Comunista -- liberdade esta que, com o passar do tempo, foi suprimida também da própria sociedade.
Os itens citados anteriormente são apenas alguns; falar do impacto da Revolução Russa, em todas as suas facetas, é tarefa que exige mais tempo e mais espaço. Entretanto, é inegável o fato de que hoje, em pleno início de século XXI, ainda vivemos sob os impactos da Revolução Russa. Seus frutos, plantados há longínquos 90 anos, ainda ecoam em nossas legislações, em nossas economias, em nossas sociedades, em resumo, em nossas vidas.
Links interessantes:
http://www.duplipensar.net/artigos/2007s2/revolucao-russa-de-1917-90-anos.html
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM645570-7823-REVOLUCAO+RUSSA,00.html (Arquivo N, primeira parte, 28/02/07)
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM648925-7823-REVOLUCAO+RUSSA,00.html (Arquivo N, segunda parte, 07/03/07)
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM750817-7823-REVOLUCAO+RUSSA,00.html (Globo News Painel, primeira parte, 03/11/07)
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM750815-7823-REVOLUCAO+RUSSA,00.html (Globo News Painel, segunda parte, 03/11/07)
Antes de tudo, é necessário explicar ao leitor o porquê da comemoração no dia 7 de novembro, ainda que se diferencie a Revolução Russa em duas etapas: a primeira geralmente chamada de "Revolução Branca", em fevereiro de 1917, e a segunda chamada de "Revolução Vermelha", em outubro de 1917. Ora, se famosa é a "Revolução de Outubro", por que se comemora em novembro? A explicação está no fato de que, até 1918, a Rússia usava o calendário juliano, que estava 13 dias atrasado em relação ao calendário gregoriano, usado nos países ocidentais. Assim, na Rússia a revolução aconteceu no dia 25 de outubro, quando no Ocidente já era dia 7 de novembro.
O contexto histórico no qual a Revolução acontece já é conhecido: no contexto da Primeira Guerra Mundial, a empolgação pelas vitórias russas em 1914 e 1915 se transforma em repulsa à guerra a partir de 1916, quando começa a haver falta de comida em diversas cidades e em localidades do interior. Percebe-se que o czar, tradicionalmente visto como uma pessoa de "pulso forte" que tem não apenas a obrigação mas, principalmente, as condições para reinar absoluto no comando do país, já não consegue mais manter a ordem e instigar seus súditos a participarem da guerra. Perde-se a fé em sua liderança: nada pode ser mais fatal para qualquer governante do que perder a legitimidade, não tendo apoio nem mesmo junto àqueles que lhe são mais próximos na condução do governo. Para complicar, manifestações populares constantes pedindo mudanças deixam o czar atônito: como poderiam os russos voltarem-se contra seu próprio "pai"?
Assim, em fevereiro de 1917 acontece a primeira parte da Revolução Russa, a "Revolução Branca" ou ainda "Revolução de Fevereiro". O czar Nicolau II abdica ao trono e -- situação inusitada -- ninguém de sua família quer assumir o posto. Surge então o chamado "Governo Provisório" -- o príncipe Lvov era o primeiro-ministro, mas quem realmente mandava era Alexander Kerensky, ministro da guerra, que efetivamente se torna primeiro-ministro com a renúncia de Lvov em julho de 1917. A situação é complicada: não há mais czarismo, mas o Governo Provisório tampouco proclamou uma república. Além disso, se por um lado há o Governo Provisório como governo oficial, por outro há a criação do Soviete de Deputados dos Trabalhadores e Soldados de Petrogrado -- um verdadeiro governo paralelo, formado por representantes diretos dos trabalhadores e do exército -- que se coloca como legítimo representante do povo.
Para complicar ainda mais, o Governo Provisório mantém a Rússia na Primeira Guerra Mundial -- justamente o motivo que levou o czar Nicolau II a abdicar ao trono. O Governo Provisório, além disso, não fez nenhum tipo de alteração na estrutura social, mantendo-a intacta. A insatisfação popular e do exército continuou, pois o Governo Provisório não buscou solucionar os problemas que causavam a insatisfação do povo e o levavam a se rebelar. Estava formada a base para a segunda parte da revolução, parte esta que seria ainda maior: a Revolução de Outubro. Em 25 de outubro o poder político foi completamente transferido do Governo Provisório para o Soviete de Petrogrado, que escolheu um Conselho de Comissários do Povo para governar o país -- tendo como seu líder máximo Lênin. Logo de início, promulgou-se o decreto "Sobre a terra", realizando, ao mesmo tempo, estatização da propriedade privada e redistribuição da mesma por meio de ampla reforma agrária, e buscou-se a paz com a Alemanha. Ainda que os sovietes demorassem mais três anos para controlar todo o país em uma sangrenta guerra civil, estava dado o golpe final no czarismo e no Governo Provisório, e partia-se, dali em diante, para a consolidação do "governo do povo" com base nas idéias do socialismo científico de Marx.
Para além dos fatos históricos da própria Revolução, é interessante analisar os impactos que a mesma causou durante o século XX. O impacto mais importante, sentido também nos países ocidentais, foi a criação e consolidação dos chamados "direitos de terceira geração" -- ou direitos sociais, geralmente associados à garantia de condições mínimas de sobrevivência do ser humano. Vale destacar que, antes da Revolução Russa, pouquíssimos estados preocupavam-se com as condições de vida de seus cidadãos: guiando-se pela ideologia liberal aplicada em seu extremo, acreditava-se que a responsabilidade pelo bem-estar social era do próprio indivíduo, e que não caberia ao estado garantir tais condições. A partir da Revolução Russa instauraram-se as bases que dariam origem ao chamado "estado de bem-estar social" -- idealizado por Keynes durante a década de 1920 com grande influência da ideologia socialista.
Outro impacto impossível de ser esquecido foi a divisão do mundo entre capitalismo e socialismo, divisão esta característica de todo o século XX -- especialmente depois da Segunda Guerra Mundial, durante o período conhecido como "Guerra Fria". Neste sentido, a Revolução Russa causou um tremendo impacto nas esferas política, econômica, social e intelectual do mundo inteiro.
Foi apenas a partir da Revolução Russa que os movimentos sociais, especialmente sindicatos, se fortaleceram em suas lutas por melhores condições de trabalho. O movimento sindical se fortaleceu, o que permitiu a diversos grupos trabalhistas se organizarem e pressionarem o estado objetivando melhores salários, por exemplo. Pode-se mesmo afirmar que a Revolução Russa deu o pontapé inicial para o movimento operário mundial.
É claro que não podemos nos esquecer do lado negativo da Revolução: por não ter aplicado todos os conceitos marxistas à risca, a Revolução estancou no que seria a ditadura do proletariado para Marx. A conseqüência mais óbvia e mais drástica desta parada se deu com o surgimento de um regime totalitário na União Soviética e na China, os dois principais representantes na prática desta ideologia. Pode-se dizer que a ruína da Revolução veio com o fim da liberdade individual dentro do próprio Partido Comunista -- liberdade esta que, com o passar do tempo, foi suprimida também da própria sociedade.
Os itens citados anteriormente são apenas alguns; falar do impacto da Revolução Russa, em todas as suas facetas, é tarefa que exige mais tempo e mais espaço. Entretanto, é inegável o fato de que hoje, em pleno início de século XXI, ainda vivemos sob os impactos da Revolução Russa. Seus frutos, plantados há longínquos 90 anos, ainda ecoam em nossas legislações, em nossas economias, em nossas sociedades, em resumo, em nossas vidas.
Links interessantes:
http://www.duplipensar.net/artigos/2007s2/revolucao-russa-de-1917-90-anos.html
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM645570-7823-REVOLUCAO+RUSSA,00.html (Arquivo N, primeira parte, 28/02/07)
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM648925-7823-REVOLUCAO+RUSSA,00.html (Arquivo N, segunda parte, 07/03/07)
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM750817-7823-REVOLUCAO+RUSSA,00.html (Globo News Painel, primeira parte, 03/11/07)
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM750815-7823-REVOLUCAO+RUSSA,00.html (Globo News Painel, segunda parte, 03/11/07)
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