(Continuação da postagem anterior.)
Dessa forma, percebemos muito mais a violência pessoal – que depende da vontade dos indivíduos para acontecer e, por este mesmo motivo, tem sua intensidade variável – do que a violência estrutural, que é muito mais “estável” e “invisível”, e que pode conter muito mais violência do que a violência pessoal.
Após essa definição de violência, voltamos à questão da paz. Mantendo-se a paz como a ausência de violência, teremos dois tipos de paz – o que leva à ausência de violência pessoal e o que leva à ausência de violência estrutural. Estes tipos são chamados de paz negativa e paz positiva, respectivamente, ou ainda “ausência de violência” e “justiça social”. A paz torna-se, dessa forma, um índice de avaliação social, e liga-se, como afirma Galtung, à teoria do desenvolvimento.
O problema agora é saber como equacionar a solução dos conflitos causados pelos dois tipos distintos de violência. Muitas vezes, para se corrigir a injustiça social (violência estrutural), comete-se violência pessoal – seja direta ou indireta, física ou psicológica, com ou sem um agente da violência. Não se deve, portanto, aceitar um dos dois tipos de violência, ou mesmo os dois, para se evitar um desses tipos. É necessário orientarmos “a definição de paz no sentido da ausência de violência pessoal ou da ausência de violência estrutural, consoante as nossas prioridades” (GALTUNG, 1969, p. 354). Desta forma, é feita uma escolha entre dois males, a violência direta ou a injustiça social, utilizando-se do mal menor para acabar com o maior (ou, se possível, com os dois). Esta foi a opção da União Soviética, que será analisada na página 19.
O que é Ciência Política
Existem duas idéias no que se refere à explicação do que é a Ciência Política. Por um lado, a Ciência Política pode ser um “estudo dos fenômenos e das estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor, apoiado em um amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais” (BOBBIO, 1998, p. 164). Neste caso, o termo “ciência” é utilizado como oposto ao termo “opinião”, no sentido de ser um estudo racional e baseado em provas de diversos fatos, sem espaço para o achismo. Por outro lado, a Ciência Política pode ser vista como “a ciência da política”, aplicando a metodologia e o rigor das pesquisas científicas – inclusive dados empíricos – aos fenômenos políticos. A Ciência Política, nesta segunda concepção, leva a pensarmos em termos do que realmente é, e não em termos do que deveria ser – papel reservado para a filosofia política.
A Ciência Política contemporânea surgiu na metade do século XIX, representando “um momento e uma determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais” (BOBBIO, 1998, p. 164-5). A Ciência Política passa a se distanciar cada vez mais do Direito, particularmente do direito público. Esta passagem do ponto de vista institucional, baseado no Direito, para o ponto de vista comportamental, acontece quando os cientistas políticos percebem que é o comportamento do indivíduo e dos diversos grupos sociais que vai moldar a ação política dessas pessoas e desses grupos.
Com o crescente aumento na quantidade de informações disponíveis, os cientistas políticos contemporâneos procedem “com maior rigor na execução das operações e na obtenção dos resultados que são próprios da ciência empírica: classificação, formulação de generalizações e conseqüente formação de conceitos gerais, determinação de leis, pelo menos de leis estatísticas e prováveis, de leis de tendência, de regularidade ou uniformidade, elaboração (ou proposta) de teorias” (BOBBIO, 1998, p. 166).
A Ciência Política atual depara-se com a necessidade de análise de uma ampla gama de informações, além das modificações impostas por diversas variáveis que influem no resultado final da teoria. Assim, a explicação de um fato político, ou de uma teoria, é cada vez mais difícil de ser feita, bem como as previsões que podem surgir depois de determinada teoria estar formulada. Caso mudem as variáveis da teoria, tanto a sua explicação quanto a sua previsão podem mudar, levando a resultados inesperados.
A principal dificuldade da Ciência Política é que ela trabalha com fatores humanos, que podem mudar de acordo com razões emotivas ou lógicas. Assim, por exemplo, não é possível reproduzir uma revolta de camponeses em laboratório, o que dificulta bastante a análise do cientista. Além desse problema, há também a questão da avaliação do cientista, no sentido deste deixar – ou não – que seus valores pessoais influam no resultado de determinada pesquisa. O cientista político deve realizar suas pesquisas abstendo-se de realizar julgamentos de valor, mas não deve perder a objetividade de sua pesquisa. O cientista político deve basear-se no ideal de uma política como ciência, ou seja, uma política sem interferência de ideologias.
Interação entre paz e Ciência Política: o que um cientista político pode fazer pela paz?
O principal problema para aqueles que criam políticas para a manutenção da paz é a dificuldade em se criar políticas públicas que acabem com a violência estrutural sem aumentar a violência pessoal, e vice-versa. Como exemplo dessa dificuldade, um governante que resolva aumentar o orçamento destinado ao policiamento, objetivando diminuir a criminalidade por meio da aquisição de novos equipamentos e do treinamento da força policial, pode ser bem-sucedido, caso a criminalidade diminua e as pessoas se sintam mais seguras ao saírem às ruas. Mas será que esses esforços terão valido a pena, caso estes recursos tenham sido retirados do orçamento destinado à educação, por exemplo? Resolve-se o problema da violência pessoal, mas comete-se violência estrutural talvez até maior.
É aqui que entra o cientista político. Com seu conhecimento sobre o funcionamento das instituições políticas, o cientista político pode tentar resolver este tipo de problema. É claro que o cientista político não irá resolver todos os problemas de uma vez, mas com o conhecimento institucional e, principalmente, com o conhecimento comportamental que o profissional dessa área possui no que se refere às ações humanas, o cientista político pode auxiliar um governante a elaborar uma política pública onde tanto o policiamento urbano quanto a educação das crianças possa ser realizado, distribuindo o orçamento disponível em ambas as áreas de acordo com a prioridade de cada uma, ou então de acordo com a vontade da população, por exemplo.
É claro que esse seria o cenário ideal. Na prática, o que vemos são governantes que têm por objetivo a manutenção do poder, o que faz com que suas políticas sejam muito mais voltadas para combater a violência pessoal – que é muito mais visível e oferece um retorno político muito grande, quando combatida – do que voltadas para solucionar as injustiças sociais – que são muito menos visíveis aos olhos da população. Ao mesmo tempo, vemos cientistas políticos que não se importam em auxiliar governantes corruptos, desde que possam ganhar o seu dinheiro.
Obviamente, a paz não será atingida apenas se governantes e cientistas políticos fizerem seus respectivos trabalhos da maneira mais honesta possível. É necessário um esforço conjunto de toda a sociedade, de todas as pessoas e de todas as profissões para se atingir a paz. Mas o “pontapé inicial” tem de ser dado pelos governantes, não só porque são eles que detêm o poder sobre milhares de pessoas, mas também porque, muitas vezes, eles são tomados como exemplo, o que os torna ainda mais responsáveis perante o futuro da humanidade e do próprio planeta.
(Continua na próxima postagem.)
Dessa forma, percebemos muito mais a violência pessoal – que depende da vontade dos indivíduos para acontecer e, por este mesmo motivo, tem sua intensidade variável – do que a violência estrutural, que é muito mais “estável” e “invisível”, e que pode conter muito mais violência do que a violência pessoal.
Após essa definição de violência, voltamos à questão da paz. Mantendo-se a paz como a ausência de violência, teremos dois tipos de paz – o que leva à ausência de violência pessoal e o que leva à ausência de violência estrutural. Estes tipos são chamados de paz negativa e paz positiva, respectivamente, ou ainda “ausência de violência” e “justiça social”. A paz torna-se, dessa forma, um índice de avaliação social, e liga-se, como afirma Galtung, à teoria do desenvolvimento.
O problema agora é saber como equacionar a solução dos conflitos causados pelos dois tipos distintos de violência. Muitas vezes, para se corrigir a injustiça social (violência estrutural), comete-se violência pessoal – seja direta ou indireta, física ou psicológica, com ou sem um agente da violência. Não se deve, portanto, aceitar um dos dois tipos de violência, ou mesmo os dois, para se evitar um desses tipos. É necessário orientarmos “a definição de paz no sentido da ausência de violência pessoal ou da ausência de violência estrutural, consoante as nossas prioridades” (GALTUNG, 1969, p. 354). Desta forma, é feita uma escolha entre dois males, a violência direta ou a injustiça social, utilizando-se do mal menor para acabar com o maior (ou, se possível, com os dois). Esta foi a opção da União Soviética, que será analisada na página 19.
O que é Ciência Política
Existem duas idéias no que se refere à explicação do que é a Ciência Política. Por um lado, a Ciência Política pode ser um “estudo dos fenômenos e das estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor, apoiado em um amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais” (BOBBIO, 1998, p. 164). Neste caso, o termo “ciência” é utilizado como oposto ao termo “opinião”, no sentido de ser um estudo racional e baseado em provas de diversos fatos, sem espaço para o achismo. Por outro lado, a Ciência Política pode ser vista como “a ciência da política”, aplicando a metodologia e o rigor das pesquisas científicas – inclusive dados empíricos – aos fenômenos políticos. A Ciência Política, nesta segunda concepção, leva a pensarmos em termos do que realmente é, e não em termos do que deveria ser – papel reservado para a filosofia política.
A Ciência Política contemporânea surgiu na metade do século XIX, representando “um momento e uma determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais” (BOBBIO, 1998, p. 164-5). A Ciência Política passa a se distanciar cada vez mais do Direito, particularmente do direito público. Esta passagem do ponto de vista institucional, baseado no Direito, para o ponto de vista comportamental, acontece quando os cientistas políticos percebem que é o comportamento do indivíduo e dos diversos grupos sociais que vai moldar a ação política dessas pessoas e desses grupos.
Com o crescente aumento na quantidade de informações disponíveis, os cientistas políticos contemporâneos procedem “com maior rigor na execução das operações e na obtenção dos resultados que são próprios da ciência empírica: classificação, formulação de generalizações e conseqüente formação de conceitos gerais, determinação de leis, pelo menos de leis estatísticas e prováveis, de leis de tendência, de regularidade ou uniformidade, elaboração (ou proposta) de teorias” (BOBBIO, 1998, p. 166).
A Ciência Política atual depara-se com a necessidade de análise de uma ampla gama de informações, além das modificações impostas por diversas variáveis que influem no resultado final da teoria. Assim, a explicação de um fato político, ou de uma teoria, é cada vez mais difícil de ser feita, bem como as previsões que podem surgir depois de determinada teoria estar formulada. Caso mudem as variáveis da teoria, tanto a sua explicação quanto a sua previsão podem mudar, levando a resultados inesperados.
A principal dificuldade da Ciência Política é que ela trabalha com fatores humanos, que podem mudar de acordo com razões emotivas ou lógicas. Assim, por exemplo, não é possível reproduzir uma revolta de camponeses em laboratório, o que dificulta bastante a análise do cientista. Além desse problema, há também a questão da avaliação do cientista, no sentido deste deixar – ou não – que seus valores pessoais influam no resultado de determinada pesquisa. O cientista político deve realizar suas pesquisas abstendo-se de realizar julgamentos de valor, mas não deve perder a objetividade de sua pesquisa. O cientista político deve basear-se no ideal de uma política como ciência, ou seja, uma política sem interferência de ideologias.
Interação entre paz e Ciência Política: o que um cientista político pode fazer pela paz?
O principal problema para aqueles que criam políticas para a manutenção da paz é a dificuldade em se criar políticas públicas que acabem com a violência estrutural sem aumentar a violência pessoal, e vice-versa. Como exemplo dessa dificuldade, um governante que resolva aumentar o orçamento destinado ao policiamento, objetivando diminuir a criminalidade por meio da aquisição de novos equipamentos e do treinamento da força policial, pode ser bem-sucedido, caso a criminalidade diminua e as pessoas se sintam mais seguras ao saírem às ruas. Mas será que esses esforços terão valido a pena, caso estes recursos tenham sido retirados do orçamento destinado à educação, por exemplo? Resolve-se o problema da violência pessoal, mas comete-se violência estrutural talvez até maior.
É aqui que entra o cientista político. Com seu conhecimento sobre o funcionamento das instituições políticas, o cientista político pode tentar resolver este tipo de problema. É claro que o cientista político não irá resolver todos os problemas de uma vez, mas com o conhecimento institucional e, principalmente, com o conhecimento comportamental que o profissional dessa área possui no que se refere às ações humanas, o cientista político pode auxiliar um governante a elaborar uma política pública onde tanto o policiamento urbano quanto a educação das crianças possa ser realizado, distribuindo o orçamento disponível em ambas as áreas de acordo com a prioridade de cada uma, ou então de acordo com a vontade da população, por exemplo.
É claro que esse seria o cenário ideal. Na prática, o que vemos são governantes que têm por objetivo a manutenção do poder, o que faz com que suas políticas sejam muito mais voltadas para combater a violência pessoal – que é muito mais visível e oferece um retorno político muito grande, quando combatida – do que voltadas para solucionar as injustiças sociais – que são muito menos visíveis aos olhos da população. Ao mesmo tempo, vemos cientistas políticos que não se importam em auxiliar governantes corruptos, desde que possam ganhar o seu dinheiro.
Obviamente, a paz não será atingida apenas se governantes e cientistas políticos fizerem seus respectivos trabalhos da maneira mais honesta possível. É necessário um esforço conjunto de toda a sociedade, de todas as pessoas e de todas as profissões para se atingir a paz. Mas o “pontapé inicial” tem de ser dado pelos governantes, não só porque são eles que detêm o poder sobre milhares de pessoas, mas também porque, muitas vezes, eles são tomados como exemplo, o que os torna ainda mais responsáveis perante o futuro da humanidade e do próprio planeta.
(Continua na próxima postagem.)
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