Comumente, no dia-a-dia, as pessoas referem-se aos países europeus como "Europa". Ao Velho Continente é dado uma unidade que, muitas vezes, soa como normal no discurso cotidiano, ainda que a Europa, como todos sabemos, seja formada por diversos países com culturas diferentes.
Hoje reli um dos textos de uma das disciplinas que cursei no doutorado no semestre passado e o assunto voltou à minha cabeça: o que é a Europa? Pensa-se que a Europa forme um todo coeso cultural, política e, principalmente, economicamente, ainda mais quando se pensa na moeda única européia, o euro.
No entanto, definir a Europa como um todo é complicado. O continente europeu possui 47 países independentes; destes, apenas 27 fazem parte da União Européia e, dos que compõem o bloco, apenas 13 usam o euro como moeda comum. Ressurge a pergunta: a Europa é um todo coeso? A resposta óbvia é não, ainda mais quando vemos conflitos de interesses entre países de dentro e de fora do bloco e, até mesmo, países que estão dentro da própria UE -- como é o caso da oposição entre Alemanha e França, de um lado, e Reino Unido e Polônia, de outro, no que diz respeito à entrada da Turquia no bloco econômico.
Neste contexto, a releitura do texto me trouxe mais subsídios para mostrar que a Europa não pode ser vista como "uma coisa só", como geralmente acontece. Os autores irão trabalhar no texto basicamente com aspectos culturais da Europa, e tais aspectos culturais trazem reflexos para a política e a economia européias atuais. Assim, no texto, os autores afirmam que “a cultura européia talvez seja a de mais curta vida na história registrada ou pelo menos é o que parece” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 211). Dizem isto porque, segundo eles, “antes do século dezoito não se formara uma cultura especificamente européia” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 211) e que, portanto, não haveria tempo suficiente para se criar o que eles chamam de “consciência da cultura”: “a consciência da cultura exige a identificação do portador da cultura, o compromisso com um determinado estilo de vida e a crença na superioridade desse estilo de vida” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 211),
Ainda que a Europa tenha raízes comuns -- os autores citam a religiosidade cristã, a língua latina e a herança política do Império Romano --, tais origens foram descartadas no período da modernidade: “os séculos dezesseis e dezessete não se caracterizaram nem pela unificação nem pelo estabelecimento de uma integração comum chamada ‘Europa’” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 214). Ao invés disso, o continente se dividiu ainda mais, com diversas religiões cristãs, diversas línguas espalhadas pelo território europeu e diversos regimes políticos variando da democracia liberal ao totalitarismo. Conseqüentemente, por não ter havido um passado político comum, não foi possível criar na Europa a “consciência da cultura” citada anteriormente, o que leva os autores a afirmarem que “a tradição européia, ocidental, foi portanto criada retrospectivamente” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 214).
Para os autores, apenas durante o século XIX existe algo que pode ser chamado de cultura européia: “o que se pode chamar de ‘cultura européia’, portanto, floresceu sobretudo no período desde as guerras napoleônicas até a eclosão da Primeira Guerra Mundial” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 215). A única “coisa” de origem européia que se disseminou pelo mundo foi a modernidade, mas esta modernidade não pode ser automaticamente associada à cultura européia: são duas coisas distintas e, na atualidade, a modernidade não é mais exclusivamente européia. A modernidade é subdividida em “industrialização, capitalismo e a estadística dos modernos estados-nações”, e tais itens “se destinam a ser exportados e portanto não são mais exclusivamente europeus” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 217).
Ao buscarem fazer com que suas ações presentes tenham sentido, os europeus estão, na verdade, em busca do “mito do século dezoito” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 223). Um mito porque “a Europa, a cultura européia, a tradição européia e coisas assim (...) jamais existiram” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 225): o que existiu -- e continua existindo -- foi/é a modernidade, que “elaborou suas próprias determinações” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 225) e se destacou da Europa. Não há cultura européia porque as diversas culturas européias, de cada estado-nação, “eram culturas em conflito, competição, e às vezes simplesmente ignorando-se umas às outras” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 225). A única coisa que as ligava era o conceito de modernidade, e a Europa já não tem mais a primazia de controlar o caminho que essa modernidade segue. Em outras palavras: é impossível falar em Europa quando há tantas culturas distintas naquele território, culturas estas que trazem reflexos também distintos nas esferas econômica e política de cada país. Ainda que haja uma tentativa de fazer uma unificação do continente, os autores acreditam que tal unificação demorará para ser efetivada na prática -- e, enquanto isto não acontecer, não poderemos falar de "Europa" como um todo coeso.
Referências bibliográficas:
HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. A condição política pós-moderna. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Cap. 11: "Europa, um epílogo?" Pág. 209-227.
WIKIPEDIA contributors. "List of European countries by population". Wikipedia, The Free Encyclopedia. Disponível em: http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=List_of_European_countries_by_population&oldid=150994479. Acessado em 19 de agosto de 2007.
Hoje reli um dos textos de uma das disciplinas que cursei no doutorado no semestre passado e o assunto voltou à minha cabeça: o que é a Europa? Pensa-se que a Europa forme um todo coeso cultural, política e, principalmente, economicamente, ainda mais quando se pensa na moeda única européia, o euro.
No entanto, definir a Europa como um todo é complicado. O continente europeu possui 47 países independentes; destes, apenas 27 fazem parte da União Européia e, dos que compõem o bloco, apenas 13 usam o euro como moeda comum. Ressurge a pergunta: a Europa é um todo coeso? A resposta óbvia é não, ainda mais quando vemos conflitos de interesses entre países de dentro e de fora do bloco e, até mesmo, países que estão dentro da própria UE -- como é o caso da oposição entre Alemanha e França, de um lado, e Reino Unido e Polônia, de outro, no que diz respeito à entrada da Turquia no bloco econômico.
Neste contexto, a releitura do texto me trouxe mais subsídios para mostrar que a Europa não pode ser vista como "uma coisa só", como geralmente acontece. Os autores irão trabalhar no texto basicamente com aspectos culturais da Europa, e tais aspectos culturais trazem reflexos para a política e a economia européias atuais. Assim, no texto, os autores afirmam que “a cultura européia talvez seja a de mais curta vida na história registrada ou pelo menos é o que parece” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 211). Dizem isto porque, segundo eles, “antes do século dezoito não se formara uma cultura especificamente européia” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 211) e que, portanto, não haveria tempo suficiente para se criar o que eles chamam de “consciência da cultura”: “a consciência da cultura exige a identificação do portador da cultura, o compromisso com um determinado estilo de vida e a crença na superioridade desse estilo de vida” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 211),
Ainda que a Europa tenha raízes comuns -- os autores citam a religiosidade cristã, a língua latina e a herança política do Império Romano --, tais origens foram descartadas no período da modernidade: “os séculos dezesseis e dezessete não se caracterizaram nem pela unificação nem pelo estabelecimento de uma integração comum chamada ‘Europa’” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 214). Ao invés disso, o continente se dividiu ainda mais, com diversas religiões cristãs, diversas línguas espalhadas pelo território europeu e diversos regimes políticos variando da democracia liberal ao totalitarismo. Conseqüentemente, por não ter havido um passado político comum, não foi possível criar na Europa a “consciência da cultura” citada anteriormente, o que leva os autores a afirmarem que “a tradição européia, ocidental, foi portanto criada retrospectivamente” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 214).
Para os autores, apenas durante o século XIX existe algo que pode ser chamado de cultura européia: “o que se pode chamar de ‘cultura européia’, portanto, floresceu sobretudo no período desde as guerras napoleônicas até a eclosão da Primeira Guerra Mundial” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 215). A única “coisa” de origem européia que se disseminou pelo mundo foi a modernidade, mas esta modernidade não pode ser automaticamente associada à cultura européia: são duas coisas distintas e, na atualidade, a modernidade não é mais exclusivamente européia. A modernidade é subdividida em “industrialização, capitalismo e a estadística dos modernos estados-nações”, e tais itens “se destinam a ser exportados e portanto não são mais exclusivamente europeus” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 217).
Ao buscarem fazer com que suas ações presentes tenham sentido, os europeus estão, na verdade, em busca do “mito do século dezoito” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 223). Um mito porque “a Europa, a cultura européia, a tradição européia e coisas assim (...) jamais existiram” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 225): o que existiu -- e continua existindo -- foi/é a modernidade, que “elaborou suas próprias determinações” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 225) e se destacou da Europa. Não há cultura européia porque as diversas culturas européias, de cada estado-nação, “eram culturas em conflito, competição, e às vezes simplesmente ignorando-se umas às outras” (HELLER; FEHÉR, 1998, p. 225). A única coisa que as ligava era o conceito de modernidade, e a Europa já não tem mais a primazia de controlar o caminho que essa modernidade segue. Em outras palavras: é impossível falar em Europa quando há tantas culturas distintas naquele território, culturas estas que trazem reflexos também distintos nas esferas econômica e política de cada país. Ainda que haja uma tentativa de fazer uma unificação do continente, os autores acreditam que tal unificação demorará para ser efetivada na prática -- e, enquanto isto não acontecer, não poderemos falar de "Europa" como um todo coeso.
Referências bibliográficas:
HELLER, Agnes; FEHÉR, Ferenc. A condição política pós-moderna. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. Cap. 11: "Europa, um epílogo?" Pág. 209-227.
WIKIPEDIA contributors. "List of European countries by population". Wikipedia, The Free Encyclopedia. Disponível em: http://en.wikipedia.org/w/index.php?title=List_of_European_countries_by_population&oldid=150994479. Acessado em 19 de agosto de 2007.
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